Amor e adversidade

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stou a escrever este artigo sexta-feira, 26 de Agosto. Há pouco mais de duas semanas, mais precisamente a 10 de Agosto – 7 de Julho, segundo o calendário chinês – comemorámos o “Dia dos Namorados” na China. Existem, como é sabido, diferenças entre os dois calendários e 2016 é o Ano do Macaco.
O Dia dos Namorados na China celebra-se nesta data, por causa de uma história que se passou há 2.600 anos atrás. Mas vejamos o que a Wikipédia tem a dizer sobre o assunto:
“A lenda é sobre a paixão de Zhin (織女) e de Niulang (牛郎). Era um amor proibido e, por isso, foram separados e enviados para margens diferentes do Rio da Prata. Uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês lunar, um bando de gansos formava uma ponte e os dois amantes podiam reunir-se por um dia.”
Zhin era deusa e fiandeira. Niuland era humano e guardador de gado. O amor entre deuses e humanos não é permitido. Quando se apaixonaram, o rei dos deuses castigou-os. Como tivessem persistido e não temessem o castigo, o rei divino acabou por consentir no casamento.
Mas a tragédia ocorre depois do casamento. Zhin e Niuland, entregues à paixão, acabaram por descurar as suas obrigações. A qualidade dos tecidos fabricados por Zhin decaiu grandemente e o gado à responsabilidade de Niuland fugia. Perante esta situação o rei decidiu que só se veriam uma vez por ano, a 7 de Julho.
Este foi sem dúvida um castigo cruel que lhes trouxe infelicidade. Mas existem outros casais que podem estar juntos todos os dias e que mesmo assim são infelizes.
Chu Chun Kwok era agente da polícia. Há alguns anos atrás, no dia 19 de Julho de 2005, patrulhava a Po On Road, em Cheung Sha Wan, Hong Kong, quando foi atacado com uma faca que lhe cortou uma artéria do pescoço. O ataque aconteceu na sequência do controlo de identidade de Liu Chi Yung, suspeito de tentativa de roubo. Chu caiu de imediato, a esvair-se em sangue. Uma pessoa que ia a passar conseguiu dar o alerta que lhe salvou a vida. Mas Chu entrou em coma, devido à perda massiva de sangue, e está em estado vegetativo desde essa altura. Não pode falar, nem se pode mover, resta-lhe jazer na cama do hospital. Segundo os médicos as possibilidades de recuperação são ínfimas.
Após o acidente, Choi Yin Ping, a mulher de Chu, vai todos os dias ao hospital cuidar do marido. Ajuda na higiene, na alimentação e na fisioterapia a que Chu é submetido para evitar atrofia muscular. Este caso voltou a ser notícia porque Choi chegou finalmente a acordo com o Governo de Hong Kong. Choi tinha processado o governo regional bem como o atacante. Exigia uma indeminização, mas o governo recusava-se a conceder-lha, à semelhança de Liu Chi Yung que alegou falência. Quando finalmente se chegou a um acordo, Choi declarou,
“Posso voltar à minha vida normal. Já não tenho de travar esta batalha.”
Embora Chu tenha sofrido ferimentos muitos graves, o Tribunal só o condenou Liu a 10 anos de prisão. Independentemente da justeza da sentença, há outro aspecto a salientar. Liu foi posto em liberdade condicional em 2011. Ou seja, só cumpriu seis anos de prisão, tendo ficado em regime de liberdade condicionada desde 2011.
A questão é simples, mas vale a pena analisar o contexto. O objectivo da lei criminal é manter a justiça. Assim que o réu é condenado o caso fica encerrado. Nem a vítima, nem os seus familiares, devem procurar vingança contra o réu. A lei previne o ajuste de contas.
A liberdade condicional é um instrumento do sistema legal. Permite que o condenado saia da prisão, sob certas condições, e ajuda a impedir a sobrelotação das prisões. É também um incentivo para que o prisioneiro tenha um bom comportamento enquanto está detido. Ajuda a diminuir o grau de dificuldade na gestão das prisões. Do ponto de vista social, é uma boa medida.
Liu nunca mais cometeu nenhum crime depois de ser libertado. Mas não tem dinheiro para indemnizar Chu. No entanto, desde o ataque Chu tem permanecido no hospital. As hipóteses de recuperação são praticamente nulas. Parece-vos que uma pena de cinco a seis anos tenha sido justa face à situação que criou a Chu? A resposta é óbvia. Não é de admirar que a mãe e a mulher de Chu afirmem,“nunca o perdoaremos.”
Embora possamos não concordar com o sistema legal, temos de lhe obedecer. Todos os sistemas têm prós e contras, não são perfeitos. Os familiares de Chu continuam muito revoltados, mas não há nada que possam fazer.
Mas podemos olhar para esta história de outro ângulo. Desde que Chu foi atacado Choi nunca o abandonou, continua a amá-lo apesar da sua situação. O grande amor que os liga aquece-nos a alma.
A atitude de Choi faz-me relembrar o verdadeiro significado do casamento. O padre pede que o casal prometa fidelidade e dedicação um ao outro, independentemente das adversidades que possam surgir nas suas vidas, deverão permanecer unidos. Chu e Choi continuam juntos. Mantiveram a sua promessa. E Choi tem permanecido fiel nesta situação tão difícil em que se encontra desde 2005. Embora o Dia dos Namorados na China já tenha passado, congratulemos Chu e Choi, e façamo-los sentir que apreciamos o seu amor.
“Feliz Dia dos Namorados.”
Rezemos por Chu, pedindo a Deus que o abençoe e o ajude a recuperar o mais depressa possível.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
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