Vã magnificenza

POR AURELIO PORFIRI

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ou um leitor voraz. Leio todos os dias, devoro toneladas de livros por ano. Num dos livros que estou a ler actualmente encontrei um excerto, sobre o qual me parece interessante reflectir. O livro é uma biografia do grande artista italiano Gian Lorenzo Bernini, escrita por Franco Marcoaldi, Bernini: “O Artista e a sua Roma”. Passo a transcrever a parte que me chamou a atenção: “A economia de Roma centrava-se basicamente na indústria de prestação de serviços, ou seja, atendia às necessidades da Igreja, em tudo o que lhe dizia respeito (desde os edifícios à cera para as velas do altar) fornecia o vestuário luxuoso, as ementas gourmet e o mobiliário para as mansões, quer pertencessem a membros da corte papal, quer a outras de menor importância. Estas cortes menores, que podiam ser seculares, como por exemplo, a dos Colonna e dos Orsini, ou eclesiásticas (de cardeais, sobretudo), precisavam de impressionar e de conquistar alianças, para sobreviverem e consolidarem o seu poder. Para tal era necessário exibirem toda a opulência do seu estilo de vida” (pág.21). Neste trecho o autor fala da Roma do século XVII e, de como a Arte e outros luxos eram usados para exibir a magnificência (magnificenza) de quem os suportava financeiramente. Tem sido sempre incontornável a utilização da Arte e da Cultura para estes fins; faz parte da natureza humana. Tudo isto me faz reflectir demoradamente sobre o que se passa em Macau a este nível, e tento perceber quais é que podem ser as diferenças. É claro que não posso esperar que em Macau exista o esplendor de Roma, de Veneza, Florença, Paris, Viena, ou de outras cidades do género; não se pode esperar que exista o entendimento, nem os padrões culturais, que se encontram nestas cidades. Mas posso verificar que muitos dos “eventos culturais” que se vão organizando na cidade servem, sobretudo, para promover o estatuto do organizador e para satisfazer alguns “artistas” locais, em busca de reconhecimento. No fundo, acabam por não ter verdadeiro impacto na vida cultural da cidade.
Lutei muito para ver reconhecida a ideia de especificidade cultural; não posso ensinar Artes Marciais com a mesma competência de um asiático: estes possuem uma vantagem cultural. Vantagem cultural que se manifesta em muitas outras matérias. Nós possuímo-la no que respeita à música e à cultura ocidentais. Algumas pessoas podem contrapor que os “artistas” locais têm de aprender. A maior parte das pessoas com quem me cruzei querem poder, e não aprender. É evidente que existem artistas talentosos em Macau. Muitos deles estão a optar pelo único caminho possível numa cidade com este tipo de políticas: estão a sair, a tentar alcançar o melhor que podem no estrangeiro. Quando o Governo estiver interessado em criar programas de música, nas escolas e universidades, assentes num espírito de imparcialidade e se empenhar seriamente no assunto, então talvez as coisas venham a mudar daqui a uns anos. Mas isso nunca vai acontecer. É preferível desperdiçar dinheiro em eventos que se revelam inúteis, a partir do momento em que a última nota se desvanece no éter.

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