Carlos Morais José Antropofobias h | Artes, Letras e IdeiasO xingxing Na primeira orla montanhosa do Sul, ficam as montanhas da Pega (Queshan). As antigas crónicas relatam que ali, nos vales que serpenteiam os sopés, os aldeões contam estranhas e variadas histórias sobre um tal de monte Zhaoyao, um cume que apresenta a característica singular de quando em vez estremecer. Recentemente, o Instituto de História da Academia de Ciências Sociais de Sichuan acredita ter provado que se trata do monte do Gato Agachado (Mao’er), assim denominado devido à forma do seu pico, que fica a cerca de cem quilómetros a norte de Guilin, na província de Guangxi. Nas suas encostas cresce a canela, abunda o ouro e o jade. Riquezas minerais à parte, este monte é conhecido pelos seres bizarros, plantas e animais, que por ali terão existido. As crónicas narram, com relativo detalhe, a existência de árvores com propriedades fabulosas, capazes de matar a mais profunda das fomes ou de impedir os viajantes de se perderem do seu caminho, mas talvez a mais espantosa entidade do monte Zhaoyao seja um animal, a que chamam xingxing, cuja forma se parece com a de um macaco de cauda longa com a cabeça decorada por duas orelhas brancas. O xingxing caminha acocorado, mas quando corre assume a posição vertical dos humanos. Talvez por isso, nesta região, se creia que comer este animal aumenta a capacidade para correr. O xingxing é também descrito como tendo, além da longa cauda e das orelhas brancas, uns olhos muito vermelhos. Outros descrevem-no como um porco de face humana. Contudo, a sua característica mais fascinante é o facto de “chamar as pessoas pelo nome.” Esta capacidade para articular palavras é o que leva, talvez, um outro compêndio a considerar os seus lábios uma iguaria. Na região onde vive o xingxing, os camponeses descrevem-no como um bicho nómada, que vagabundeia sem nexo, nem objectivo perceptível. Contudo, queixam-se também de ser um animal muito difícil de capturar. O que desgraça o xingxing é o seu amor desmedido por vinho e sandálias. Estando a par desta tara, os camponeses colocam estrategicamente, em locais que sabem frequentados pelo bicho, vinho e várias sandálias atadas umas às outras. Quando se apercebe da presença da bebida, o xingxing aproxima-se, apesar de saber que se trata de uma armadilha e consegue reconhecer quem a terá montado. Então chama-o muito alto pelo nome e insulta-o, imprecando: “Seu miserável escravo! Julgas que me apanhas?!” Logo em seguida, o xingxing afasta-se. No entanto, passado pouco tempo, regressa pois não resiste a experimentar o vinho e a calçar um par de sandálias. Se ele bebe demasiado torna-se uma presa fácil porque fica ébrio e as sandálias, presas umas às outras, não lhe permitem correr. E assim os camponeses são finalmente capazes de o conduzir a uma jaula, amparando-o como se faz a um tio bêbado. Quando depois alguém se aproxima e, para o irritar, lhe diz “vá, arranja maneira de sair da jaula…”, ele volta-se para essa pessoa e dos seus olhos deslizam lágrimas rubras que encharcam a pelugem fulva do seu rosto.