Paulo Maia e Carmo Via do MeioO lugar onde Li Gongnian viu a chegada do Inverno Wang Wei (701-761) concebeu uma situação descrita em dois versos cujo poder de sugestão perduraria como um desafio que se desdobrava na imaginação dos leitores, que podem ser traduzidos como: Caminho até onde as águas terminam, E sento-me a observar as nuvens surgindo. Song Lizong (1205-1264), o imperador poeta dos Song do Sul, interpretaria esses versos, com os traços fluentes da sua caligrafia em cursivo (xingshu) de caracteres angulares bem espaçados, como solicitação de uma pintura que Ma Lin (1180-1256) executaria na página em frente de um álbum que se encontra no Museu de Arte de Cleveland (tinta sobre seda, 25,1 x 25,3 cm) com o título; Erudito reclinado a observar as nuvens surgindo. A sugestiva suavidade e economia da reelaboração mental de cenários realmente vistos, além de característica do pintor, estão presentes noutras pinturas da mesma época, em particular em figurações que dialogavam com visões utópicas que se integravam no debate sobre a natureza do poema Fonte dos pessegueiros (Taoyuan) de Tao Yuanming (365-427). Se alguns privilegiaram representações fantásticas de aspecto invulgar, outros preferiam a serenidade despojada de lugares desertos. Foi o caso de um pintor activo no início do século XII, de quem hoje só se conhece uma pintura; Paisagem de Inverno ao entardecer (c. 1120, rolo vertical, tinta e cor sobre seda,129,6 x 48,3 cm no Museu de Arte da Universidade de Princeton) chamado Li Gongnian. No tratado Xuanhe Huapu do tempo do imperador Huizong (r. 1100-1126) as suas pinturas são descritas como «semelhantes a formas de objectos que aparecem e desaparecem num vasto vazio, pairando entre a existência e o nada.» Entre altas montanhas, as minúsculas figuras de um pescador com o seu barco e um literato sentado com um criado junto dele serão meras alusões porque quem está realmente mergulhado naquela visão é o observador da pintura. Li Gongnian consegue nessa pintura alcançar a sensação de imponderável leveza semelhante à que, como se diz no clássico Zhuangzi, Liezi experimentou ao viajar no vento e que no texto atribuído a Lie Yukou (c. séc V a. C.) diz: Vadiei no vento Leste ou Oeste como uma folha de árvore ou uma casca seca sem nunca saber se era o vento que me levava ou era eu que arrastava o vento. É possível que essa nova percepção dos pintores dos Song do Sul tenha sido influenciada pelo abandono forçado da antiga capital Kaifeng e o estabelecimento da dinastia em Hangzhou, onde o céu espelhado no Lago do Oeste rodeia o atento observador por todos os lados. Mas nem todos estavam atentos. No Xuanhe Huapu vem um aviso aos pintores eremitas e eruditos «perigosamente apaixonados por nascentes e pedras, com uma incurável fraqueza por névoas e nuvens.» As suas pinturas «não se conseguiriam vender na rua; não correspondem ao gosto da gente comum.”