Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteFrancisco José Leandro, académico da Universidade Cidade de Macau: “Tenho óptimas referências do Fórum” “China and portuguese speaking Small Island States: From sporadic bilateral exchanges to a comprehensive multilateral platform” é o nome do livro que acaba de ser lançado pela Universidade Cidade de Macau e que olha para Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste como os Estados insulares, falantes de português, aos quais nunca foi dada muita atenção, mas que representam um enorme potencial. Nesta equação, não só a China é parte interessada, mas também Macau Falemos deste conceito de Estados insulares, falantes de português que, de certa forma, são diferentes dos outros países de língua portuguesa, sobretudo a nível sócio-económico. Até que ponto estes Estados têm esta capacidade de entrar nas parcerias com a China? São Estados vulneráveis, fazem parte da ONU, têm programas de apoio especiais. Partimos dessa ideia de, no contexto da língua portuguesa, quais seriam os Estados que estão nesta condição? São três [Timor-Leste, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe]. Quisemos perceber o que têm em comum, pois todos eles têm uma história comum e qualquer coisa de especial na sua localização. Em que sentido? Começando por Timor, é um Estado muito jovem que está ainda à procura do que irá ser o seu projecto económico em termos de sustentabilidade. O seu processo de adesão à ASEAN é decisivo e vital para o país. Toda a sua integração regional faz-se com dois grandes parceiros, que é a Indonésia e a Austrália, e depois com uma presença da China, que neste contexto é particularmente interessante. Porquê? Na mesma latitude aparece o Estreito de Torres, que é muito importante em todo o balanceamento da navegação comercial entre os oceanos Pacífico e Índico, porque a alternativa para o Estreito é pela rota do sul, dos pólos, muito morosa e cara. Esta obra fala também de São Tomé e Príncipe. É importante por várias razões, sobretudo pela localização. Muita gente fala em São Tomé por causa do petróleo, mas acho que não é muito relevante, ou pelo menos não o será nos próximos anos. A questão decisiva é São Tomé no contexto do Golfo da Guiné. A questão dos acessos aos mercados e novos corredores económicos que se desenvolvem em torno dos Camarões, Nigéria. Decisivo em que sentido? No Golfo da Guiné a quantidade de portos de água profunda é muito reduzida. Essa é a oportunidade que São Tomé poderá explorar através do investimento chinês no porto de águas profundas no norte. São Tomé pertence a uma série de organizações internacionais. Já há cooperação entre São Tomé e a Nigéria, mas aquilo que acho que ainda falta muito trabalhar é a questão do combate à pirataria. São Tomé tem a localização perfeita para isso, não tem é os meios. Isso permitia a exploração das rotas marítimas naquela zona de forma mais segura, diminuindo os custos de navegação e de seguros. Aos olhos da China há diferenças a nível de interesses entre Timor-Leste e estes Estados insulares em África? Timor é mais importante por uma questão de proximidade e por ser membro candidato da ASEAN? Em relação a Timor, a China tem vários tipos de interesse, pois é um país que tem neste momento um plano de desenvolvimento muito ambicioso. Estão a construir novos portos e aeroportos, novos centros para maximizar a capacidade que o país deve ter em relação ao petróleo e gás natural. Há investimentos em infra-estruturas que são fundamentais. Mas há um quadro de presença e de acesso aos mercados. Em São Tomé a ideia é mais abrangente. Como? É todo o Golfo da Guiné, com uma presença através dos investimentos, e depois tudo o que os investimentos acabam por gerar. Se vier a ser construído este porto em Fernão Dias, há depois uma série de actividades adjacentes e uma série de interesses que se vão desenvolvendo. A mesma coisa em relação a Cabo Verde. Cabo Verde tem uma localização interessante porque, do ponto de vista do acesso marítimo e aéreo, é uma espécie de porta aviões na costa ocidental de África ao Estreito de Gibraltar e no acesso ao Canal do Panamá. Cabo Verde é um país mais desenvolvido. Sim, e está muito bem no Índice de Desenvolvimento Africano. Tem uma estrutura de governação muito mais sólida e consistente. Cabo Verde, neste momento, já faz planos, e tem a generalidade da população com um maior índice de educação mais elevado, o que permite tirar outro tipo de sinergias desses acordos, porque há quadros qualificados. São Tomé não tem grandes possibilidades de fazer uma gestão moderna de um grande porto, vai precisar de mão-de-obra estrangeira. Estes três Estados insulares têm semelhanças entre eles, mas depois são diferentes relativamente ao seu desenvolvimento, estrutura de governação e sistema político, embora seja muito parecido. A China tira partido dessas diferenças. A China faz uma coisa pragmática, não tem um modelo que impõe a todos. Aliás, não há nada que se imponha, é muito flexível. O que a China faz, faz muito bem, mas o que falta aqui não é mérito da China, mas sim dos países de língua portuguesa. A China sabe exactamente o que quer destas cooperações, mas porque estes países estão em vias de desenvolvimento ou são muito jovens, nem todos têm os objectivos nacionais classificados de forma consistente. E a China tem sempre os seus objectivos bem definidos, é um grande contraste. Sim. É sempre fácil dizer que o problema é da China, mas não é. Estamos numa negociação muito assimétrica em termos de recursos, mas mesmo assim o que me parece essencial é que as partes, estes três Estados, tenham a capacidade de se auto-determinarem daquilo que para eles é importante, para depois usarem isso no contexto das relações bilaterais. Macau tem capacidade para entrar neste jogo de investimentos, nomeadamente através do Fórum Macau? Há espaço para as relações bilaterais ou cria-se uma plataforma multilateral, como o nome do livro indica? As duas coisas. O Fórum Macau é um instrumento político da cooperação chinesa. Há canais bilaterais que não passam pelo Fórum, mas isso é natural. O Fórum Macau é um complemento dos canais bilaterais. As pessoas criticam imenso o Fórum Macau mas eu tenho óptimas referências do Fórum, e acho que aquilo que eles fazem, fazem-no bem. Exploram aquilo que é deixado pelas relações bilaterais. Creio que a negociação do porto Fernão Dias em São Tomé será conduzida numa lógica bilateral, mas há imensas coisas que aparecem associadas a este projecto, que envolvem outro tipo de actores, e o Fórum Macau pode dar uma ajuda. O Fórum Macau foi constituído em 2003, mas na realidade só ficou constituído por volta de 2017, 2018. Isso porquê? Houve uma série de dificuldades ao nível dos representantes [dos países]. São Tomé só nomeou o seu representante a partir de 2017, 2018. Portugal nunca teve um representante e tem agora desde 2018, e o Brasil também nunca teve, tem agora. Na realidade, o Fórum como foi pensado tem dois anos de existência. O Fórum vive das conferências ministeriais, e a sexta cimeira não se sabe quando vai acontecer devido à pandemia. É muito injusto criticar o Fórum e dizer que não serve. Houve uma série de coisas que aconteceram que não são culpa do Fórum mas circunstâncias políticas que têm de ser respeitadas no contexto da soberania dos Estados. Para que serviram então os primeiros anos do Fórum Macau? Falamos de uma organização cuja base é chinesa e cujos representantes são de Estados soberanos. No contexto dos Estados soberanos não há outra organização como o Fórum. As organizações precisam de tempo para amadurecerem e criarem relações de confiança. A instituição do Fundo do Fórum é uma coisa relativamente nova que não correu muito bem, e estávamos à espera da sexta cimeira que ainda não aconteceu. Mesmo em Portugal, quem sabe da existência do Fórum Macau? Meia dúzia de pessoas. O Fórum é um mecanismo importante para a China e Portugal, e a prova é que todos os países de língua portuguesa estão representados no Fórum. Mas e o papel de Macau neste contexto? Nesta via bilateral e complementar do Fórum, Macau tem o seu nicho. Macau não tem capacidade soberana, porque não é um Estado, nem económica para grandes investimentos. Mas o que está a acontecer em Cabo Verde, com o investimento de David Chow, é um bom exemplo. Investe num nicho criado pelas relações bilaterais. As relações entre Portugal e a China passaram por várias fases, e entre 1999 e 2003 não aconteceu nada. A partir daí o Fórum é extremamente importante. No caso de Portugal é complexo porque há uma tradição europeia e de alinhamento com os EUA, e a China é um parceiro importante, e Portugal tem de arranjar aqui um equilíbrio. Os países de que falamos também têm este tipo de problemas. Cabo Verde tem uma relação muito integrada na comunidade ocidental africana, e talvez o país mais atrasado seja São Tomé em termos de integração na sua região. Mas Timor tem a lógica da Austrália e Indonésia, e agora procura a China, para obter equilíbrio. Por exemplo, a aquisição dos equipamentos militares é feita aos três, é o melhor interesse diplomático. As fraquezas destes Estados insulares não os vão tornar mais dependentes da China? Todos os Estados são dependentes de outros. Posso arranjar equilibrios nessas dependências, mas para isso preciso de saber o que quero. Nestes processos de desenvolvimento estes países têm de ter cuidado e não se adjudicarem a uma única solução. Cabo Verde, por exemplo, tem óptimas relações com os EUA, com a União Europeia. Timor tem óptimas relações com a Austrália, ainda tem algumas tensões com a Indonésia, porque não há-de ter relações com a China? O país com uma situação mais complicada é São Tomé, que está numa situação de auto-isolamento há muitos anos, com o sistema de partido único, em que praticamente só se relacionou com Angola. Falamos de três países que até foram menosprezados no seu potencial. Olhamos sempre para grandes potências, como Angola, por causa dos recursos. Mas veja-se o que aconteceu: tem um problema, que é a diversificação. Só tem o petróleo. Sim. Que expectativas tem para a próxima conferência ministerial do Fórum? Há uma tendência que o Fórum está a seguir, e bem, que é a seguinte: no princípio estava inteiramente dedicado à questão do comércio e economia, e agora está a abrir-se a cooperações a outras áreas, como a cultura, a educação e a ciência. As coisas estão associadas.