Sheyla Zandonai dá palestra sobre união do jogo com a cidade

Acontece esta quinta-feira, às 18h30, na Fundação Rui Cunha (FRC) a palestra “Urbanismo do Jogo, Turismo e Início da Modernização” protagonizada pela docente e antropóloga Sheyla Zandonai. Esta iniciativa conta com o apoio do departamento de História e Património da Universidade de São José (USJ).

A história da modernização urbana de Macau, desde o advento de um regime colonial de facto em meados do século XIX, tem sido contada através da história do desenvolvimento de infra-estruturas, como é o caso da recuperação da zona ribeirinha, da remodelação da cidade, com a adopção dos planos urbanísticos e das mudanças de estilo arquitectónico.

No entanto, pouco se tem dito sobre a forma como a história da modernização de Macau se sobrepõe à história da urbanização induzida pelo jogo e como esta se encontra ligada à génese do turismo em Macau e no sul da China em geral. Esta história parece também um pouco desligada da sua existência espacial.

Onde se localizaram os primeiros empreendimentos de Macau relacionados com o jogo e porquê? Como é que a transição da era do licenciamento do jogo para os primeiros anos do monopólio do jogo, na década de 1930, se materializou na paisagem urbana?

A palestra analisa o papel do jogo como incubadora de novos tipos e formas urbanas na intersecção das racionalidades coloniais e das modernidades europeias e chinesas no âmbito da categoria de turismo mais alargada em que se insere. Argumenta-se que os esforços de modernização da Macau portuguesa na viragem do século XX evidenciam a emergência do jogo como uma força modeladora da sua imagem urbana e colonial.

Docência e estudos

De frisar que Sheyla Zandonai lançou, no ano passado, o livro ““The City in Review – Episodes of hope and not so in Macau”, que não é mais do que uma colectânea de crónicas publicadas na imprensa nos media em língua inglesa sobre estas temáticas.

Sheyla S. Zandonai lecciona no departamento de História da Universidade de Macau, sendo doutorada em Antropologia Social e Etnologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). É autora de várias publicações sobre Macau e recebeu o Prémio de Mérito 2022 para a Investigação de Macau em Ciências Humanas e Sociais atribuído Fundação Macau e Ciências Sociais na China Press pelo seu trabalho sobre a calçada portuguesa realizado em parceria com a também investigadora e docente Vanessa Amaro. Os seus actuais interesses de investigação incluem história urbana, modernidade colonial, negócios de lazer, património e jogo.

3 Mai 2023

Ká-Hó | Livro de Sheyla Zandonai lançado no sábado

Será lançado no próximo sábado, às 16h, o livro que reúne uma série de crónicas sobre Macau da autoria da antropóloga e ex-jornalista Sheyla Zandonai. “The City in Review – Episodes of hope and not so in Macau” reúne textos sobre o jogo, cultura e património, entre outras questões, que foram publicados no antigo jornal Business Daily e no portal Macau News Agency.

O lançamento, organizado pelo Instituto Internacional de Macau, coincide com as celebrações do Dia Mundial do Livro, sendo feito no espaço Hold on to Hope, na vila de Nossa Senhora de Ká-Ho, em Coloane, gerido pela Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM).

Sheyla Zandonai é antropóloga e reside em Macau desde 2008, tendo feito diverso trabalho de campo na sua área e trabalhado como editora e jornalista. Actualmente dá aulas na Universidade de Macau.

19 Abr 2022

Sheyla Zandonai, antropóloga e autora do livro “The City in Review”: “Todos os caminhos apontam para Hengqin ”

A residir no território desde 2008, a antropóloga e professora universitária Sheyla Zandonai prepara-se para lançar, em Abril, um livro que reúne os artigos de opinião que publicou no antigo jornal Business Daily e no portal Macau News Agency. Editado pelo Instituto Internacional de Macau, “The City in Review – Episodes of hope and not so in Macau” contém posições sobre urbanismo, transportes públicos, jogo ou a protecção do património e pretende ser “um registo da memória recente” de um território em permanente mudança

 

Este livro é uma compilação das suas crónicas, mas desde então Macau tem mudado muito rapidamente. Olhando para os textos em perspectiva, como vê a evolução do território a nível sócio-económico?

A nível sócio-económico, provavelmente por causa da pandemia, mudou completamente a situação das contas públicas, a situação individual, com pessoas a perderem o emprego ou a trabalhar a tempo parcial para não serem despedidas. Há menos dinheiro, menos impostos do jogo e o Governo teve de ter uma certa cautela, apesar da reserva. A situação não vai voltar ao que era porque ocorreu uma grande mudança no sector do jogo. Penso que a pandemia é o grande factor disruptor do funcionamento da sociedade.

Em relação ao passado.

Sim, e em relação há uns bons anos sem dúvida, pois mudou a maneira de viver em Macau, há menos liberdade de movimento. Houve adaptações no mercado de trabalho e tem acontecido nos últimos meses algumas pessoas, do meio não chinês, acabarem por deixar a cidade. É uma mudança lenta [face à pandemia], e as pessoas passam por uma fase de frustração ou acabam por sair. Mas voltando ao livro, ele está organizado por temas, e há alguns que ainda são relevantes, ou que contêm questões que não foram resolvidas e continuam em debate. Há outras questões que já tiveram desenvolvimentos ou respostas do Governo.

Um dos capítulos é sobre o desenvolvimento urbanístico, e finalmente Macau tem um plano director. Esse é um ponto positivo, por exemplo?

Da perspectiva do Governo, que sempre quis apresentar um plano director, sem dúvida que é uma conquista, e também para a sociedade no geral. Houve ataques ao tecido urbano de Macau que aconteciam porque faltava um plano, por exemplo. Em relação à protecção do património, sabemos que em Macau houve edifícios que foram destruídos, mesmo estando numa zona que deveria estar protegida. Há outros elementos envolvidos e não basta haver uma lei. Penso muito no Instituto Cultural, cujas opiniões devem ser seguidas e muitas vezes isso não aconteceu na prática. Falo do caso do Farol da Guia, é o exemplo mais emblemático do embate com o desenvolvimento urbano.

O facto de as pessoas estarem a sair de Macau vai mudar o tecido social, composto por várias comunidades? Isso vai alterar o funcionamento da sociedade?

Há uma mudança nesse tecido humano. Nos últimos anos, e até antes da pandemia, já era possível notar, em termos das práticas adoptadas, uma vontade do poder de dar mais projecção ao residente chinês de Macau. Existem muitas instituições locais que recrutaram mais chineses, na área do ensino, por exemplo. O que acontece, desde que o Governo fechou a porta à contratação de mão-de-obra estrangeira, é que todas as empresas, no sector dos negócios ou do ensino, só podem contratar mão-de-obra da China ou de Hong Kong. Se, por exemplo, uma universidade abre uma vaga para professor, parece uma porta aberta para recrutar em todo o mundo, mas na prática não podem trazer ninguém que não seja dessas duas zonas, ou que já esteja em Macau. Isso tem criado problemas às instituições que não conseguem recrutar pessoal e obriga a que os professores tenham de dar horas de aulas além do que deveriam para cobrir as faltas. Muitos colegas também se foram embora. Será mais problemático em departamentos que precisam mesmo de mão-de-obra estrangeira, como os de línguas, por exemplo. Existe também o grupo dos filipinos que foi o primeiro a sofrer um golpe que mudou bastante a maneira como viam Macau, como um local de trabalho. Muitos blue card ficaram mesmo sem possibilidade de voltar. São exemplos que mostram existir uma mudança nesse tecido. Não tenho números e provavelmente os novos Censos vão ter números interessantes de observar. Se haverá uma alteração profunda, penso que no que toca à existência de comunidades estrangeiras, sim. Mas é sempre bom lembrar que a comunidade chinesa é maioritária, mas há menos vozes de diversidade, embora Macau tenha uma história de multiculturalidade. Sem dúvida que há um impacto da política adoptada para lidar com a pandemia. Este livro funciona um pouco como um registo da memória recente de Macau que terá algum valor académico, porque são artigos que contam factos.

Publicou há uns anos um estudo sobre “Macau governada pelas suas gentes”, em que concluía que este conceito foi desenvolvido por Pequim. Até que ponto ainda tem espaço para existir no contexto da integração regional?

Existe essa divisão entre o chinês que é de Macau e o que vem do continente. Mas existem critérios que definem o que é uma pessoa de Macau, e isso está até estabelecido pela Lei Básica. Há membros do Governo que são residentes de Macau mas que vêm da China e começaram aqui a carreira como funcionários públicos. É um trabalho que tem sido feito desde a transição e estas pessoas já são consideradas de Macau. Esse é um fenómeno histórico em Macau, que é o facto de o chinês do continente se ter tornado num futuro residente.

O sector do jogo está numa fase de mudança e o Governo tem uma estratégia de redução do peso dos casinos na economia. Até que ponto isso vai mudar o panorama sócio-económico de Macau?

A tendência é que Macau venha a ter uma reputação mais positiva. O jogo é ainda visto, e não apenas pela China, como uma actividade quase sórdida, com um cunho negativo. A maior mudança, em termos da estrutura do jogo, como ele tem operado desde a época do Stanley Ho, é no sector dos junkets. O jogo VIP vai sofrer, inevitavelmente, porque o grande controlo agora é feito no fluxo de capitais. Penso que a ideia é transformar o jogo, ou os casinos, em lugares de lazer e entretenimento, com maior investimento nas artes. Isso é o que tem sido feito e não é uma mudança repentina. O facto de os junkets terem sido presos foi um pouco surpreendente, mas a China já tinha enviado alguns sinais. As empresas querem manter-se no mercado, e o jogo ainda vai continuar a ser a principal actividade económica durante uns anos, mas todos os caminhos apontam para Hengqin. Esta vai ser a alternativa ao jogo, porque na cidade em si nada mais tem um volume tão relevante. Talvez nos tornemos numa sociedade mais saudável, porque, em vários aspectos, o jogo provoca distúrbios nas famílias, com as pessoas a trabalharem à noite e por turnos, por exemplo. Mas é preciso que haja emprego, por isso os casinos ainda se vão manter.

É preciso um período de transição para que a economia se foque nas PME e na investigação.

Há inúmeras áreas em Macau que podem ser desenvolvidas, como o ensino de línguas. Macau tem um pouco essa relevância devido ao seu papel de plataforma, embora a China também tenha apostado no ensino de línguas e de tradutores. As startups são relevantes, mas não podemos esquecer que Shenzhen está aqui ao lado e a competição é enorme. Mas existem nichos e oportunidades de negócio. Se a ideia do Governo é mesmo transformar [o território] num centro de investigação, há condições para isso. É preciso algum tempo também. Mas isso por si só não vai mudar as mentalidades. É difícil ver o caminho e é preciso acompanhar os sinais e a direcção de Pequim. Haverá um momento em que vai ocorrer uma mudança e uma nova leva de pessoas, o que vai mudar o perfil e a função de Macau.

8 Mar 2022