Hoje Macau ReportagemSalvador, uma cidade brasileira repleta de traços portugueses Marta Moreira, da agência Lusa [dropcap]A[/dropcap] cidade brasileira de Salvador, na Bahia, vive nos dias de hoje a marca da presença portuguesa, um exemplo de ligação transatlântica e uma herança que passa pela arquitectura, gastronomia até às romarias religiosas. Paulo Miguez, vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em estudos culturais, explicou a força das raízes portuguesas neste Estado do nordeste brasileiro e que são visíveis para nos dois territórios. “Os primeiros séculos de vida do Brasil tiveram na Bahia o centro mais importante de toda a administração colonial, de toda a economia e de toda a relação entre o Brasil e a metrópole portuguesa. Então, Salvador é uma cidade marcadamente portuguesa”, afirmou Paulo em entrevista à agência Lusa. As baixas portuense e lisboeta reflectem-se na estrutura de Salvador, que tem em vários recantos da cidade, amostras da edificação típica portuguesa, como é o caso da zona do Pelourinho. “Essa presença portuguesa pode ser observada na arquitectura, onde temos exemplares magníficos da arquitectura lusitana aqui, entre nós. Passeando pelo pelourinho (de Salvador) é perfeitamente possível lembrarmo-nos da bela Lisboa, da bela cidade do Porto. Ao passar pela baixa da ribeira do Porto certamente vai encontrar muitas semelhanças com o que temos aqui no pelourinho e em outros casarios que a cidade de Salvador ainda abriga”, especificou o vice-reitor da UFBA. Rica é também a arquitectura religiosa em todo o Estado da Bahia. Dizem as histórias populares que é possível visitar uma igreja diferente a cada dia do ano, o que é verdade, pois são 372 as edificações religiosas que contam a história da capital baiana. Uma das igrejas mais oponentes de Salvador é Igreja de São Francisco, localizada bem no centro da cidade, símbolo do barroco português. Mas para Paulo Miguez, que já foi também secretário de políticas culturais do Ministério da Cultura do Brasil, o barroco mais importante na cidade não é o de “pedra e cal”, mas sim o “barroco imaterial”, que está entranhado na personalidade do povo baiano. “Não é apenas na arquitectura civil e na arquitectura religiosa, não é apenas no barroco de pedra e cal, mas é no barroco imaterial também. Salvador é a cidade da festa e a festa é algo bem presente na vida portuguesa”, mencionou o brasileiro, que encontrou nas festividades lisboetas de Stº António, parecenças com as celebrações baianas. Contudo, nem só da herança lusitana se constitui Salvador, devendo grande parte da sua essência e cultura à componente africana da cidade. A chegada de africanos a Salvador da Bahia remonta ao século XVI, aquando do comércio de escravos vindos das colónias portuguesas, e que acabaram por transformar Salvador na maior cidade africana fora de África. É muito frequente encontrar afro-brasileiros a dançar capoeira pelas ruas históricas de Salvador, a desfilar os trajes típicos e a tocar instrumentos tradicionais africanos. “(A herança africana) vê-se em todos os aspectos desta cidade. Por exemplo, eu hoje estou integralmente vestido de branco, porque hoje é sexta-feira [dia em que foi feita a gravação], dia dedicado à divindade afro-baiana ‘Oxalá’, cuja cor é branca. Então, mesmo aqueles que não são adeptos dessa religião, (…) como é o meu caso, em homenagem a esse dia tão importante para a presença negra na nossa cidade, usam branco”, explicou Paulo Miguez. Salvador, que foi a primeira capital do Brasil até 1763, é uma cidade que conjuga praias e belezas naturais com tradições e culturas muito próprias. “Eu não consigo imaginar a Bahia sem um carnaval, sem as procissões religiosas. E de onde nos veio tudo isso?” questionou o investigador brasileiro, respondendo de seguida que “veio do mundo português, e esse mundo lusitano, quando aqui chegou, deixou-se transformar largamente pelo mundo africano”. “Portanto, nós somos o resultado dessa amalgama maravilhosa, uma cultura genial”, concluiu Paulo Miguez, acrescentando que se sente orgulhoso por falar a língua portuguesa. Também o secretário da Cultura e Turismo de Salvador, Cláudio de Oliveira, acredita que as experiências que a sua cidade proporciona aos visitantes, são o segredo para que a Bahia seja um dos Estados mais procurados pelos turistas no Brasil. Porém, o secretário admite que o grande desafio que tem em mãos é a preservação de todo esse património. “Nós temos um património que vem desde o século XVI, que é hoje um património mundial e nós estamos a trabalhar cada vez mais para o preservar. Nós temos em Salvador a oitava maravilha da arquitectura portuguesa do mundo, que é a igreja de São Francisco, entre tantas outras contribuições, (…) o que faz de Salvador um destino procurado para visitar”, declarou Cláudio de Oliveira à agência Lusa. Salvador está entre as dez cidades mais visitadas em todo o Brasil, segundo dados do Governo brasileiro.