IAM | Não há planos para mudar nome de ruas antigas

Os nomes das ruas de Macau são produtos da História e não há planos para serem mudados, indicou o Instituto para os Assuntos Municipais, na sequência da polémica levantada por um vogal do conselho consultivo. Chan Pou San, que tinha defendido a retirada de “nomes colonialistas” das ruas, apagou, entretanto, uma publicação das redes sociais sobre o tema

 

[dropcap]O[/dropcap] Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) afirmou que não existem planos para mudar o nome de ruas antigas. De acordo com uma resposta ao canal chinês da TDM – Rádio Macau, o IAM afirmou que muitos nomes de ruas em Macau são produtos da História, usados há muito tempo, e são familiares para os residentes. Assim, não está a ser equacionada a mudança do nome de ruas. No futuro, caso seja necessário, o IAM indica que vai ouvir a opinião das pessoas.

Recorde-se que Chan Pou Sam, vogal do conselho consultivo do IAM, sugeriu na semana passada que se retirassem “nomes colonialistas” das ruas de Macau, nomeadamente do Governador Ferreira do Amaral. Na óptica do representante, os nomes que representam a “humilhação do povo chinês” e devem ser removidos, com base na Lei da Segurança Nacional, depois de uma consulta pública.

Depois da ideia gerar polémica, Chan comentou o assunto nas redes sociais, recusando que pretende “reescrever” a história e apontando antes para a sua “diluição”. Na publicação, o vogal do conselho consultivo do IAM defendeu que Ferreira do Amaral cometeu actos “maus”, considerando que atribuir o seu nome a uma praça é “um elogio implícito” ao colonialismo.

Ao comentar a situação, o deputado Pereira Coutinho indicou que as pessoas que querem eliminar a herança colonial de Macau deveriam pedir aos familiares para entregarem os passaportes portugueses, e fazer o mesmo, por uma questão de coerência.

Chan Pou Sam apagou, entretanto, a sua publicação das redes sociais, segundo noticiou a Macau Concealers.

Portugueses em 222 ruas

De acordo com a página electrónica do Governo sobre as ruas de Macau, foi em 1869 que as primeiras ruas receberam nome em boletim oficial. A página inclui uma lista de perguntas e respostas sobre as ruas e vielas do território.

Segundo este registo, existem 21 ruas com o nome de personalidades chinesas, 222 homenageando personalidades portuguesas ou estrangeiras e 47 com nomes de santos.

“Para dar o nome a uma rua, o IAM organiza reuniões para discutir o tema após a recepção duma rua, tendo em consideração critérios como a localização, arquitectura envolvente, e acontecimentos especiais que tenham ocorrido no local. Também se considera a preservação de memórias, bem como a sua aceitabilidade pelo público”, pode ler-se.

O IAM deixou uma pergunta por responder. Se depois da transição em 1999 houve alguma alteração no organismo que decide os nomes das ruas.

22 Jul 2020

Vai p’rá tu’rua

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s portugueses que chegam agora a Macau – e ainda vão sendo alguns, felizmente – poderão ficar surpreendidos com o nome de alguns dos arruamentos da RAEM. Quem se demora a observar as placas toponímicas do território diverte-se a pensar na origem do baptismo destas ruas, becos, travessas e pátios. Quando cheguei a Macau há vinte anos, ouvi falar de uma tal de “Ilha Verde”. Ilha Verde? – pensei eu – deve ser um sítio bestial, ideal para passar um fim-de-semana, umas férias, ou isso assim. Mas este tal Bairro da Ilha verde, “cheng chau” em chinês, não passa de um amontoado de barracas, habitações sociais e ferro-velho atirado lá para a zona norte da cidade. Tem muito pouco de verde, nada de ilha, e é populado por gente que pendura as cuecas nas janelas que dão para a rua. É um engodo. Mas o que seria de esperar de um sítio que fica perto de um tal Bairro do Fai Chi Kei? (fai chi significa “pauzinhos”, daqueles de comer, em chinês).

Existe ainda um tal Canal dos Patos, onde não encontramos nenhuma ave daquele tipo – ou outra qualquer, para esse efeito. Outros locais como a Travessa das Janelas Verdes ou o Pátio do Jardim apresentam-se bastante cinzentões, decepcionantes. Existe aqui perto de casa uma tal Rua do Teatro, que além de não ter nenhuma sala de espectáculos visível, tem várias lojas de armazenamento e distribuição de fruta, tornando impossível a circulação de veículos e pessoas, especialmente depois das seis horas da tarde. Devia-se chamar Rua da Fruta. Perto da Igreja de S. Lourenço existe um tal Pátio das Seis Casas. Eu já lá estive e contei pelo menos oito! Existe contudo uma Travessa Curta (na imagem), que faz jus ao nome. Não tem mais de dois metros de comprimento! Isto é que é chamar os bois pelos nomes. Existe um Coloane um tal Pátio Pequeno, mas ainda não tive oportunidade de verificar a pequenez do mesmo.

Como se sabe, os chineses não são adeptos de dar nomes de rua a personalidades históricas, figuras públicas ou beneméritos. Assim temos nomes muito simplistas, como a Travessa dos Ovos ou ou o Beco dos Óculos, o Pátio da Cadeira ou o Pátio do Banco. Outros mais românticos ficam sempre bem num cartão postal; a Rua da Esperança, Felicidade, Fortuna, Harmonia, Riqueza, Saúde, Prosperidade, Tranquilidade ou Virtudes, a Travessa da Glória ou da Paixão, o Beco da Sorte, o Pátio da Eterna Felicidade ou da Eterna União. Sempre é menos deprimente do que viver no Beco do Desprezo (em Coloane, e adivinho que será perto do Estabelecimento Prisional de Macau), no Pátio da Ameaça, do Desgosto ou da Indigência. Curiosamante não existem em Macau arruamentos com os nomes de desgraça, tragédia, miséria ou fome, mas bem podiam existir. Sem dúvida que é muito mais agradável ser abençoado e viver na Rua Alegre ou na Rua da Aleluia, do que viver na Rua da Cadeia ou na sua correspondente de calão, a Rua da Cana.

Quem é chique sempre pode morar na Travessa do Clube dos Iates, enquanto os mais pobrezinhos ficam remetidos ao Beco das Barracas ou ao Beco das Barraquinhas. Ou ainda à Travessa do Hospital dos Gatos, onde deve ser impossível dormir devido aos miados de angústia. O evento dos Jogos da Ásia Oriental, realizados na RAEM em 2005, baptizou uma série de arruamentos, incluíndo uma Avenida, Travessa e Praça, e exactamente, “dos Jogos da Ásia Oriental”, uma Rua do Desporto, e uma tal Rua da Patinagem, em Coloane. Esta deve ser dedicada aos orçamentos para a realização de certos eventos e projectos na RAEM, que são conhecidos por “patinar” de vez em quando. Disse eu de vez em quando? Queria dizer “sempre”.

Ainda em Coloane, exstem novos arruamentos com nomes bastante “floridos”: a Rua das Albízias, das Cássias Douradas, das Champacas Brancas, das Bauínias, das Árvores do Pagode, das Canforeiras, das Acácias Rubras, das Lichias, das Schimas, das Margoseiras ou das Mangueiras. Lindo, lindo, um deleite para os adeptos da floricultura e da botânica. Em contraste existe em Macau um Pátio do Pivete, onde deve ser impossível abrir uma janela. E celebremos com alegria a toponímia de Macau, provavelmente a mais rica do mundo!

29 Jun 2017