Golpe de 16 de Junho em Guangzhou

Quando em Maio de 1922 ocorreu em Macau o incidente da Ponte Chip Seng, na China existia desde 1917 dois governos rivais, o do Norte, reconhecido internacionalmente e dominado por os senhores da guerra e o do Sul, apoiado por o Partido Nacionalista liderado por Sun Yat-sen. Este, depois da queda da dinastia Qing para o qual muito lutara, tornou-se em Nanjing o primeiro Presidência da República da China a 1 de Janeiro de 1912, mas por não contar com grandes apoios, após um mês e meio renunciou ao cargo e entregou-o ao antigo general imperial Yuan Shikai (1859-1916).

Representante dos interesses dos senhores das terras no Norte, Yuan Shikai foi eleito a 15-2-1912 Presidente Provisório da República e a 13-12-1915 autoproclamou-se Imperador. Após a sua morte a 16-6-1916, o país ficou entregue aos senhores da guerra, assumindo em Beijing Li Yuanhong a presidência da República, sendo forçado a resignar em 1917 a favor de Feng Guochang.

Ainda em Março de 1916 ocorreu no Sul uma revolução contra Yuan Shikai, tentando Sun Yat-sen, líder do Partido Revolucionário Chinês, reinstalar-se em Guangzhou, onde em Julho de 1917 criou o Movimento de Protecção Constitucional. Em Agosto, o Movimento decidiu a criação em Guangzhou de um governo militar com Exército e Marinha e para líder Sun Yat-sen, que a 1 de Setembro foi eleito General Marechal do Governo Militar.

Para se opor ao Governo do Norte Beiyang, dez dias depois o governo do Sul tomava posse com Li Liejun como chefe geral, Li Fulin comandante-chefe do exército e Chen Jiongming, comandante-chefe do primeiro exército.

Por sabotagens dos senhores da guerra do Sudoeste da China ao Movimento de Protecção Constitucional, a 4-5-1918 Sun resignou ao lugar de General Marechal do Governo Militar, ficando sete generais ao comando do Movimento, controlado pela facção de Guangxi e Yunnan, seguindo Sun para Shanghai. Mas em meados de 1920 o governo militar do Movimento de Protecção Constitucional terminava e rendia-se à obediência de Beijing. Era Xu Shichang desde 1918 Presidente da República da China, lugar que ocupou até 1922.

Em Outubro de 1920, Chen Jiongming conquistava Guangzhou e afastava de Guangdong a antiga facção dos senhores da guerra de Guangxi, tornando-se o Governador Civil de Guangdong até 1922. Em Novembro de 1920, Sun Yat-sen reorganizava o Governo Militar do Sul para continuar com o Movimento de Protecção Constitucional e em Guangzhou, a 12-1-1921 implantava o Governo Nacionalista, que em reunião de 2 de Abril terminava com o Governo Militar do Sul e organizava o Governo da República da China. Eleito a 7 de Abril, Sun Yat-sen tornou-se a 5 de Maio de 1921 Presidente Extraordinário, fazendo a sua sede em Guangzhou.

Então, Chen Jiongming, esperando dar unidade à região em torno de Guangdong, foi para Guangxi, mas encontrou grande oposição, ficando-se apenas nas áreas de Qinzhou e Lianzhou, enquanto o resto da província permanecia nas mãos da facção de Guangxi, com Lu Rongting como chefe. Quando Chen Binhun perdeu Wuzhou para Chen Jiongming, este conseguiu controlar os rios da província e em Julho de 1921 forçar a retirada de Lu. No mês seguinte Chen e as forças de Guangdong ocupavam Nanning e o resto de Guangxi, onde permaneceram até Abril de 1922.

Com Guangxi nas mãos de Chen Jiongming, em Março de 1922 o Presidente Extraordinário Sun Yat-sen ordenou-lhe ir combater as forças Beiyang em Hubei, mas com a justificação de ser preferível fortalecer militarmente Guangdong, Chen recusou seguir as ordens e despediu-se dos cargos. Sun só a 21 de Abril lhe retirou a Presidente da Província e o comando do Exército de Guangdong e este foi nesse dia para Huizhou. Com Chen Jiongming fora do cargo, Ye Ju a 20 de Maio ficou ao comando do exército Yue, trazendo-o de Guangxi para Guangdong.

A 16 de Junho de 1922, o exército Yue, querendo voltar a ter como chefe Chen Jiongming, mandou durante o dia um enviado à casa do Presidente Sun Yat-sen para lhe comunicar a realização nessa noite de uma pacífica manifestação, onde seguiria uma comitiva para falar com ele. Sem interesse em aceitar Chen Jiongming de novo no comando do Exército de Guangdong, para não dar explicações fugiu e refugiou-se num barco, para ir a Shanghai.

A comitiva de uma dezena de soldados ao chegar a Yue Xiu Shan, casa do Presidente da República, é recebida a tiro pelos guardas de Sun Yat-sen, tendo todos morrido. Os militares revoltados, pois antecipadamente tinham prevenido o que iriam fazer e dito ser uma caminhada simbólica a favor do regresso ao cargo do seu ex-chefe, ao verem os companheiros mortos começaram a disparar contra a casa onde ainda se encontrava a segunda esposa de Sun Yat-sen, Soong Ching-ling (em mandarim, Song Qing Ling e nome inglês, Rosamond), então grávida.

Com uma diferença de 24 anos, tinham-se casado em Tóquio a 25-10-1915. Na fuga, Song Qing Ling abortou e desde então não pôde ter mais filhos.

Em Macau

O incidente na tarde de 28 de Maio de 1922 na Rua Tercena no Bazar provocado por um soldado moçambicano se meter com uma chinesa, fez alguns jovens chineses indignados sovarem o militar. Pela polícia foram levados para interrogatório três chineses e Zhou Jing condenado a doze dias de prisão.

A comunidade chinesa ficou furiosa e muita gente foi até ao posto da polícia da Rua da Caldeia, onde estava preso o chinês, e o cerco ao edifício desencadeou um tiroteio grave. Tal conduziu à troca de explicações entre o Governo de Macau e a autoridade de Cantão, levando ao castigo de militares envolvidos, bem como à retirada de Macau do contingente de forças africanas.

Após esses distúrbios, seguiu-se uma greve geral e o êxodo dos chineses de Macau deixou quase deserta a cidade, sem mantimentos e abastecida unicamente por Hong Kong, sendo os bombeiros a distribuir as rações à população portuguesa. Foi a acção de Lu-Lim-Iok, um dos dois únicos capitalistas que aqui ficaram, com o seu dinheiro, prestígio e influência nas autoridades chinesas ribeirinhas da zona, a contribuir muito para tudo voltar à normalidade e na solução da crise, pondo como condição nada ficar escrito a esse respeito.

O Boletim Oficial do Governo da Província de Macau n.º 25 de Sexta-feira 23 de Junho de 1922 teve um suplemento a 25 de Junho que referia, a desmobilização dos homens válidos e a extinção do Comando Militar da Cidade. Estava solucionado um dos piores momentos de Macau, mas a greve durou três meses.

Mais tarde Sun Yat-sen, Presidente da República Chinesa, censurou Macau, atribuindo-lhe a culpa dos distúrbios, mas a opinião portuguesa, aquando da notícia de Sun Yat-sen, em consequência da sua derrota em Cantão, ter procurado obter asilo em Macau, acusava-o de ter orientado, provocado e tornado possível o acto sedicioso de 29 de Maio.

Após esse incidente, o governo português aplicou medidas mais apertadas no controlo da população chinesa e assim, começou para os chineses de Macau tempos complicados, tornando-se nos anos seguintes ainda mais difíceis.

21 Jun 2022