Hoje Macau h | Artes, Letras e IdeiasOs Girassóis de Odessa e poemas afegãos Luis Gustavo Cardoso https://revistapiparote.com.br OS GIRASSÓIS DE ODESSA¹ Quando a lua abre caminho entre os girassóis de Odessa sei de um perfume que arrepia os campos: Spasiba, Trachimbrod. Em cada haste na terra fértil pétalas, feito moinhos, retêm do vento o conto inquieto de outros cantos: Spasiba, Trachimbrod. Sei de uns seios firmes, calmos, brancos de cujas tetas mornas sabe a chuva e o leite branco a esperar nas portas: Spasiba, Trachimbrod. AFEGÃO O afago do afegão sobre a barba de outro é feito afago de mãe que não recebeu jamais carinho de filho. O afago do afegão sozinho é o maior dos carinhos. TALIBÃ Pense na barba do Talibã Na textura dos pelos secos e empoeirados Onde os traços do rosto se perdem Cavados na terra feito as vias do país Zeloso ele guarda o fuzil e a paz de seus companheiros: todos solteiros. ALI KHAN Ali Khan é avô de outra menina sem nome e sem um dos olhos, o esquerdo, que só com o direito pode ver a fumaça: Minas brotam do chão. Ali Khan e a neta assistem à explicação: sob as oliveiras o instrutor descreve minas, bombas, toda sorte de munição. Outras crianças afegãs sem nome, sem idade têm o rosto tocado pelo vento que arrasta as folhas das árvores: manhã de sol do afegão. Devem aprender onde pisar no chão onde não tocar onde se esconder. Com 4, 5, 6 anos as crianças afegãs não têm idade. Ali Khan também não. O VOO DO AFEGÃO Hoje vi um afegão voando direto das asas de um avião. Não era um juiz brasileiro, não era um caça espião. Era um homem sem asas No meio de algum lugar Caindo sentado no chão. O poema Os Girassóis de Odessa integra o livro “Noite Grande” (2017). Os poemas afegãos são inéditos.