Hoje Macau China / ÁsiaGoverno português deve retomar visitas com “máxima urgência” O presidente de um grupo empresarial luso-chinês considerou ontem que o Governo português deve retomar com “máxima urgência” as visitas à China, visando impulsionar o comércio, investimento e turismo com a segunda maior economia mundial. “Noto que está a faltar um maior envolvimento do Governo português, uma maior atenção por parte das autoridades portuguesas, para que possamos dar o salto para um novo estágio de desenvolvimento das relações bilaterais”, disse à agência Lusa o presidente da PorCham, João Pedro Pereira, no final de uma visita de duas semanas à China. “Eu acho que isso é um tema urgentíssimo e eu próprio, depois de ter estado na China, entrei em contacto não só com o gabinete do primeiro-ministro, António Costa, como também com o gabinete do secretário de Estado da Internacionalização, Bernardo Ivo Cruz”, realçou o responsável. João Pedro Pereira destacou o potencial da China no sector da mobilidade eléctrica, à medida que o país asiático assume a dianteira no sector automóvel. A dimensão do mercado chinês propiciou a ascensão de marcas locais, incluindo a BYD, NIO ou Xpeng, que ameaçam agora o ‘status quo’ de uma indústria dominada há décadas pelas construtoras alemãs, japonesas e norte-americanas. O domínio chinês alarga-se também à indústria de baterias: as chinesas CATL e BYD são as maiores fabricantes mundiais. “Portugal tem de facto de fazer um trabalho muito intenso junto dos decisores dessas empresas”, explicou Pedro Pereira, acrescentando que a angariação de turistas chineses e as exportações portuguesas para a China continuam “aquém do seu potencial”. Mensagem mal passada Segundo dados facultados à Lusa por Tiago Brito, o representante permanente do Turismo de Portugal na China, mais de 385 mil chineses visitaram Portugal em 2019, o ano antes da pandemia. Os turistas oriundos da China gastaram, no total, 224 milhões de euros no país, um crescimento de 20 por cento face a 2018. João Pedro Pereira, que reuniu na China com 175 empresários e investidores, em quatro cidades diferentes, apontou ainda para a necessidade de “desmistificar” a decisão do Governo português de pôr fim ao programa dos vistos ‘gold’, as autorizações de residência atribuídas para actividade de investimento. A China é o país de origem da maioria dos investidores. “Houve muitas perguntas sobre se Portugal continua a acolher bem o investimento estrangeiro e o investimento chinês, porque o fim dos ‘golden visa’ passou a ideia de que Portugal deixou de estar tão acolhedor do investimento chinês como estava até então”, explicou. “É preciso cuidar da forma como a mensagem é passada”, acrescentou. Os eventos de promoção na China foram organizados em parceria com a Cedrus Capital e a World Trust Investments, dois fundos de capital de risco, vocacionados para os setores imobiliário, empresarial e industrial. “Sabemos que o mercado chinês tem muita liquidez e que há um grande desenvolvimento no mercado dos fundos de investimento”, apontou Pedro Pereira. “Isso é fundamental para um país como Portugal, que tem um desígnio empresarial maioritariamente composto por pequenas e médias empresas, que têm muitas dificuldades no acesso ao crédito”, disse.
Hoje Macau VozesPortugal-China | 43 anos de relações diplomáticas Por Rui Lourido* Portugal e a China perfizeram 43 anos de relações diplomáticas, com o seu estabelecimento a 8 de Fevereiro de 1979. Só com o derrube do fascismo, e a implantação da democracia em Portugal, foi possível o reconhecimento do governo da República Popular da China, que ocorreu a 6 de Janeiro de 1975. Portugal orgulha-se de ser a nação europeia que mantém as relações de amizade mais longas (desde o século XVI) com a China, bem como de ter sido pioneira na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais, o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a chinoiserie. Os sucessos civilizacionais da democracia socialista chinesa, ao ter o povo no centro da acção política do governo da China, permitiram o feito histórico de retirar 850 milhões de habitantes da pobreza (com o acesso universal ao trabalho, saúde, habitação e educação). Com o desenvolvimento económico, os chineses ampliaram a sua abertura ao mundo (aceitando mais responsabilidades no apoio às agências das Nações Unidas) e foram exemplares no combate à pandemia da COVID-19 (com um número incrivelmente baixo de mortes e mesmo de infectados). As relações entre os dois países têm beneficiado da abertura da China e são baseadas no interesse comum e descritas pelos respectivos governos como exemplares. As autoridades portuguesas têm-se empenhado em aprofundar as suas relações com a China, nomeadamente, com visitas, ao mais alto nível, dos Presidentes da República e de membros do Governo de Portugal – de Ramalho Eanes a Mário Soares, de Jorge Sampaio a Cavaco Silva (visita que acompanhei na qualidade de historiador), e do actual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Portugal recebeu a visita de estado do Presidente da China, Xi Jinping, em Dezembro de 2018. Durante a visita foram assinados, pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas. Da cultura às áreas financeira e empresarial (energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias com o 5G e o STARLAB – laboratório nos domínios do mar e do espaço). Destacamos o acordo de participação na “Nova Rota da Seda”, que potenciará a cooperação bilateral em mercados terceiros, e valorizará o Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e euro-asiática, essenciais para Portugal ganhar a uma nova centralidade na economia europeia. Pensamos que é do interesse geoestratégico de Portugal implementar o mais rápido possível estes acordos com a China (sem hostilizar os nossos aliados tradicionais), a fim de potenciar a favor de Portugal a sua integração neste mundo global, nomeadamente nas redes de novas tecnologias de Inteligência Artificial. Por outro lado, ao diversificar a origem das suas fontes de rendimento, Portugal cria condições para melhor resistir à próxima crise económica ocidental. Neste âmbito, em 2021, realizou-se uma conversa telefónica entre o Presidente da República Chinesa, Xi Jinping, e o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual foi reafirmada a importância da Parceria Estratégica Portugal-China, assinada em 2005. Foi ainda reconhecido o apoio inestimável da China no combate ao COVID-19, quer na divulgação internacional da descodificação do genoma do SARSCOV2, quer no rápido envio de materiais de protecção à saúde. Esta parceria permitiu, apesar da pandemia, que as trocas comerciais entre a China e Portugal, de Janeiro a Novembro de 2021, aumentassem cerca de 27% face ao ano anterior, atingindo 805,093 mil milhões de USD, sendo que as exportações da China foram de 481,581mil milhões de USD e as importações da China de 323,512mil milhões de USD. Os acordos nas áreas da ciência e do ensino superior foram reforçados, a 10 de Dezembro de 2021, pelos ministros da ciência de ambos os países. Entretanto, já tinham sido criados cinco institutos Confúcio em Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra, com o apoio das respectivas universidades públicas), com cerca de 30 professores chineses (suportados pelo governo chinês) que dão aulas de chinês, simultaneamente, nas universidades e em 30 escolas secundárias públicas. A sociedade civil tem também uma atividade muito diversificada, designadamente na cultura e na investigação. Devido ao serviço público que presta a nível internacional destaco, a Biblioteca Digital Macau-China “Descrições de Macau-China dos Séculos XVI ao XIX”, iniciativa do Observatório da China, em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, com o apoio da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e o patrocínio da Fundação Macau. Este novo sítio da web disponibiliza mais de 200 mil páginas com as descrições e a cartografia portuguesas, dos séculos XVI ao XIX, relativas a Macau e à China, essenciais para a compreensão do relacionamento entre o Ocidente e a China, e de apoio a estudantes, investigadores e a leitores de todo o mundo. As televisões públicas da China (CCTV) e de Portugal (RTP) tem vindo a reforçar as relações com a retransmissão de programas de divulgação de ambos os países, em especial das respetivas tradições e culturas, com destaque para a transmissão em directo das cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing 2022. A nível cultural, o Ano Novo Chinês tem sido comemorado, desde 2014, em várias cidades portuguesas, em especial nas ruas de Lisboa, com um desfile de grupos etnográficos, com música e dança da China e de Portugal. O novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Carlos Moedas, participou no evento digital de comemoração do Ano Novo Chinês, organizado pela Embaixada da China em 2022 (a convite do embaixador Zhao Bentang), comprometendo-se a dar continuidade e a apoiar o aprofundamento das relações com a China. Em 2019, realizou-se um grande festival da cultura portuguesa na China e da cultura chinesa em Portugal, incluindo música, dança, artes plásticas, projetos de arquivos e bibliotecas, contando com o empenho do embaixador de Portugal na China, José Augusto Duarte. A Comunidade portuguesa na China e a Chinesa em Portugal têm crescido desde a criação da Região Administrativa Especial de Macau. De tal forma que para além da Embaixada em Pequim (Beijing) e do Consulado em Macau, Portugal abriu um novo consulado em Cantão (Guangzhou). Por outro lado, a Comunidade Chinesa em Portugal tem vindo a crescer moderadamente, sendo em 2021 de 27.430 chineses. As relações entre Portugal e a China devem (como sempre aconteceu) continuar a aprofundar-se com benefício e respeito mútuos! *Historiador, Presidente do Observatório da China
admin Manchete PolíticaDemocracia | MNE português recusa imposições em Macau Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse esta sexta-feira no Porto que “nao exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhe negámos quando éramos administradores de Macau”, numa referencia à questão do sufrágio universal. Analistas criticam postura de Santos Silva [dropcap]N[/dropcap]uma rara intervenção que remete para a questão do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo de Macau, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, disse esta sexta-feira no Palácio da Bolsa, no Porto, que um dos motivos pelas quais as relações entre China e Portugal serem boas é o facto de Portugal nunca ter feito imposições democráticas no território. “É muito importante, quer para Portugal quer para a China, que a transição em Macau corra bem do primeiro ao último dia dos 50 anos. Não somos hipócritas, e não exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhes negámos quando éramos administradores de Macau. Não exigimos a Macau o que nunca exigimos, que fosse outra coisa que não um território da República Popular da China. E nós não temos um discurso em reuniões internacionais e outro quando recorremos à China para vender produtos”, frisou. Augusto Santos Silva falou perante a presença do embaixador da China em Portugal, Cai Run, no âmbito da conferencia “Macau como plataforma Sino-Lusófona – 20º aniversário da transferência de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China”, promovida pela Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-Grande Baía”. O sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo tem sido um dos cavalos de batalha do campo pró-democracia em Macau, actualmente representado pelos deputados Sulu Sou, Au Kam San e Ng Kuok Cheong. Esta também tem sido uma exigência em Hong Kong, onde acontecem duros protestos desde o verao despoletados pela proposta de lei da extradição, apesar do sufrágio universal também estar na lista de reivindicações dos manifestantes. Ao HM, o analista político Arnaldo Gonçalves destaca o facto de as palavras do MNE “serem claras”. “Tivemos sempre consciência das nossas obrigações face à Declaração Conjunta. Tivemos apreço das autoridades chinesas face à continuidade da língua e da cultura portuguesa em Macau. Não temos indicações de que essa posição tenha sido alterada”, disse. No entanto, o ex-residente de Macau alerta para o facto de “excessos de preocupações securitárias poderem deitar tudo a perder”. “Vamos acreditar que aquilo que aconteceu com a equipa da RTP foi um percalço”, acrescentou. As críticas Ao HM, o advogado Sérgio de Almeida Correia discorda das palavras do MNE. “O doutor Augusto Santos Silva é melhor professor do que político, já alguém lhe devia ter dito. O MNE devia ter a humildade de reconhecer que houve gente desatenta na negociação da Declaração Conjunta, pois se assim não tivesse sido teríamos dois artigos iguais aos que ficaram na Lei Básica de Hong Kong, ou uma Escola Portuguesa com outra dimensão e estatuto e um IPOR respeitado, bem como uma classe política local instruída e com passaporte português.” Para o causídico, Augusto Santos Silva “deveria ter estudado a história de Macau das últimas tres décadas e acompanhado a situação, coisa que não faz porque se aconselha localmente com dinossauros que pensam que por pintarem a melena, usarem pó de arroz e terem um avental colorido e comerem na messe se convenceram de que tem o umbigo em Versalhes”. Jorge Menezes, também advogado, defende que “foram infelizes” as declarações de Augusto Santos Silva. “ “Nós por aqui já não contamos muito com os governantes portugueses, pelo que o silêncio não teria sido pior opção. O senhor ministro acabou por ser aquilo que disse não querer ser. É de um ponto de vista de ética política lamentável que o Governo tenha como critério valorativo de acção o desdém com que no passado governou Macau. Como se uma geração depois, os cidadãos de Macau não pudessem almejar a mais do que o pouco que foi dado aos seus pais.” Para o advogado, esta é uma prova em como as autoridades portuguesas “não se interessam verdadeiramente por Macau enquanto tal, servindo-se de Macau para abrir uma linha directa de Lisboa a Pequim.” “Nem um apeadeiro procura fazer por aqui. Pronuncia-se sobre Macau como antes o governou: a pensar em Portugal. Mas não é só manifestação de egoísmo, é também de um quase atávico espírito de subalternidade”, rematou Menezes. Cônsul-geral representa Portugal na cerimónia da transferência O cônsul-geral em Macau, Paulo Cunha Alves, representará Portugal nas cerimónias do 20.º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, confirmou à agência Lusa Augusto Santos Silva. “A tradição das autoridades chinesas é comemorarem internamente as efemérides da transição. Nós não recebemos um convite para representação ao nível político e estaremos representados ao nível diplomático adequado que é o do cônsul-geral em Macau, o embaixador Cunha Alves. E evidentemente trocaremos mensagens como fazemos sempre”, referiu o ministro.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaDemocracia | MNE português recusa imposições em Macau Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse esta sexta-feira no Porto que “nao exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhe negámos quando éramos administradores de Macau”, numa referencia à questão do sufrágio universal. Analistas criticam postura de Santos Silva [dropcap]N[/dropcap]uma rara intervenção que remete para a questão do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo de Macau, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, disse esta sexta-feira no Palácio da Bolsa, no Porto, que um dos motivos pelas quais as relações entre China e Portugal serem boas é o facto de Portugal nunca ter feito imposições democráticas no território. “É muito importante, quer para Portugal quer para a China, que a transição em Macau corra bem do primeiro ao último dia dos 50 anos. Não somos hipócritas, e não exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhes negámos quando éramos administradores de Macau. Não exigimos a Macau o que nunca exigimos, que fosse outra coisa que não um território da República Popular da China. E nós não temos um discurso em reuniões internacionais e outro quando recorremos à China para vender produtos”, frisou. Augusto Santos Silva falou perante a presença do embaixador da China em Portugal, Cai Run, no âmbito da conferencia “Macau como plataforma Sino-Lusófona – 20º aniversário da transferência de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China”, promovida pela Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-Grande Baía”. O sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo tem sido um dos cavalos de batalha do campo pró-democracia em Macau, actualmente representado pelos deputados Sulu Sou, Au Kam San e Ng Kuok Cheong. Esta também tem sido uma exigência em Hong Kong, onde acontecem duros protestos desde o verao despoletados pela proposta de lei da extradição, apesar do sufrágio universal também estar na lista de reivindicações dos manifestantes. Ao HM, o analista político Arnaldo Gonçalves destaca o facto de as palavras do MNE “serem claras”. “Tivemos sempre consciência das nossas obrigações face à Declaração Conjunta. Tivemos apreço das autoridades chinesas face à continuidade da língua e da cultura portuguesa em Macau. Não temos indicações de que essa posição tenha sido alterada”, disse. No entanto, o ex-residente de Macau alerta para o facto de “excessos de preocupações securitárias poderem deitar tudo a perder”. “Vamos acreditar que aquilo que aconteceu com a equipa da RTP foi um percalço”, acrescentou. As críticas Ao HM, o advogado Sérgio de Almeida Correia discorda das palavras do MNE. “O doutor Augusto Santos Silva é melhor professor do que político, já alguém lhe devia ter dito. O MNE devia ter a humildade de reconhecer que houve gente desatenta na negociação da Declaração Conjunta, pois se assim não tivesse sido teríamos dois artigos iguais aos que ficaram na Lei Básica de Hong Kong, ou uma Escola Portuguesa com outra dimensão e estatuto e um IPOR respeitado, bem como uma classe política local instruída e com passaporte português.” Para o causídico, Augusto Santos Silva “deveria ter estudado a história de Macau das últimas tres décadas e acompanhado a situação, coisa que não faz porque se aconselha localmente com dinossauros que pensam que por pintarem a melena, usarem pó de arroz e terem um avental colorido e comerem na messe se convenceram de que tem o umbigo em Versalhes”. Jorge Menezes, também advogado, defende que “foram infelizes” as declarações de Augusto Santos Silva. “ “Nós por aqui já não contamos muito com os governantes portugueses, pelo que o silêncio não teria sido pior opção. O senhor ministro acabou por ser aquilo que disse não querer ser. É de um ponto de vista de ética política lamentável que o Governo tenha como critério valorativo de acção o desdém com que no passado governou Macau. Como se uma geração depois, os cidadãos de Macau não pudessem almejar a mais do que o pouco que foi dado aos seus pais.” Para o advogado, esta é uma prova em como as autoridades portuguesas “não se interessam verdadeiramente por Macau enquanto tal, servindo-se de Macau para abrir uma linha directa de Lisboa a Pequim.” “Nem um apeadeiro procura fazer por aqui. Pronuncia-se sobre Macau como antes o governou: a pensar em Portugal. Mas não é só manifestação de egoísmo, é também de um quase atávico espírito de subalternidade”, rematou Menezes. Cônsul-geral representa Portugal na cerimónia da transferência O cônsul-geral em Macau, Paulo Cunha Alves, representará Portugal nas cerimónias do 20.º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, confirmou à agência Lusa Augusto Santos Silva. “A tradição das autoridades chinesas é comemorarem internamente as efemérides da transição. Nós não recebemos um convite para representação ao nível político e estaremos representados ao nível diplomático adequado que é o do cônsul-geral em Macau, o embaixador Cunha Alves. E evidentemente trocaremos mensagens como fazemos sempre”, referiu o ministro.
Andreia Sofia Silva EntrevistaAntónio Graça de Abreu, docente, poeta e tradutor: “Portugal não investe em Macau” Professor na Universidade de Aveiro, poeta e tradutor, António Graça de Abreu já visitou todas as províncias da China, país para onde foi viver em 1976. À margem de uma palestra recente proferida na Universidade Nova de Lisboa, intitulada “História Chinesa: As relações China-Portugal”, o académico falou da ida de Ramalho Eanes à China em 1984 como o ponto alto da ligação bilateral. Sobre Macau, recorda os limites de poder da Administração portuguesa do período pré-1999 e um encontro com a Companhia Nam Kwong, que denotou o poder chinês no território à época [dropcap]Q[/dropcap]ual é para si o momento mais marcante desta relação entre Portugal e a China? Talvez em 1984, quando Ramalho Eanes foi à China e tem um encontro com Deng Xiaoping, e se começa a antever e a prever o fim de Macau sob bandeira portuguesa. Já estava tudo mais ou menos alinhado em relação a Hong Kong, e é a altura em que Portugal começa a ter consciência de que inevitavelmente um dia a bandeira portuguesa seria arreada. A partir da Declaração Conjunta é o fim de mais de 450 anos de presença portuguesa em Macau efectiva, com algum controlo sobre o território. Embora esse controlo e essa soberania portuguesa tinham sido sempre muito divididas e muitas vezes pouco eficiente, porque como sabe os chineses sempre tiveram uma mão forte sobre o território de Macau. Os portugueses, até há poucos anos, tinham a ideia que mandavam bastante em Macau, mas isso é tudo muito relativo. É uma terra muito especial. Sempre foi uma Administração controlada. Mandávamos no que directamente nos dizia respeito, mas a outra parte do icebergue foi bem escondida pelos chineses ao longo dos séculos. É um dado que marca aquele território. É um poder não bem oculto, mas relativo. Era o poder das elites? Cheguei à China em 1977, através do PCP-ML (Partido Comunista de Portugal Marxista-Leninista), que era o único partido português que tinha relações institucionais com o Partido Comunista Chinês (PCC), antes e depois do 25 de Abril. Apercebi-me logo que esse relacionamento entre Portugal e a China era muito estranho, diria eu, porque uma coisa é o relacionamento de Macau e as zonas adjacentes, e tem sido assim ao longo dos séculos. Outra coisa são as relações de país para país, entre Lisboa e Pequim. O relacionamento entre o PCP-ML e o PCC era entre Lisboa e Pequim, não passava por Macau. No entanto, fui a Macau pela primeira vez em 1979 e recebi ordens, se se pode falar assim, para apresentar cumprimentos à companhia Nam Kwong. De facto, esses senhores eram os representantes efectivos do PCC em Macau, mas com uma capa de companhia comercial que ainda hoje existe. Nessa altura eram preponderantes. Fui recebido por Ho Cheng Peng e este senhor tinha ligações estreitíssimas com o PCC, e só depois é que comecei a perceber onde estava. Durante a Revolução Cultural, naqueles anos complicados, em que não se sabia exactamente o que estava a acontecer na China e os próprios chineses, líderes do partido, estavam com problemas porque aquilo esteve quase a descambar numa desorganização completa do partido e mais alguma coisa, Ho Cheng Peng tinha tudo preparado em Macau para receber quem quer que fosse, através dos canais do partido, para os fazer chegar a Macau e os colocar em qualquer parte do mundo. A importância que os chineses com ligação à China tinham em Macau nos anos 80, 60, com Ho Yin, escapava quase sempre ao controlo das autoridades portuguesas. Não entravam dentro desse mundo nem tinham de entrar, e sempre foi assim. Há a amizade entre os povos… Mas há sempre uma barreira? Há a barreira linguística e das mentalidades, e dos afectos, e aqui falo dos afectos. Por exemplo, o senhor Ho Cheng Peng afecto pelo PCC, havia também os interesses e as motivações de cada um. Até pelo sentimento patriótico que é muito forte na China, ainda nos dias de hoje. Isso não é igual a nós (portugueses) e complica o nosso entendimento. Fui então recebido por Ho Cheng Peng, mas deram-nos uma importância silenciosa e na altura não falei. Não convinha falar sobre isso. Fui recebido por esses senhores e depois enviaram-me livros para Pequim. DR Mas havia depois o grupo que estabelecia a ligação entre chineses e portugueses, composto por pessoas como Roque Choi ou Ho Yin, que referiu há pouco. Mas não havia uma ligação efectiva? Mas esses sabiam de tudo e faziam até jogo duplo, diria eu. Sabiam quem eram os poderes chineses em Macau e havia alguns portugueses que eventualmente já tinham boas ligações. Já nessa altura o Jorge Neto Valente tinha boas ligações com a companhia Nam Kwong, por exemplo. Foi ele que me encaminhou, de algum modo, porque eu não sabia bem mexer-me em Macau, era um homem de Pequim, nunca tinha passado nem por Macau nem por Hong Kong. Outra coisa que não gostei de Macau nesses anos era que os portugueses estavam muito zangados uns com os outros. Refere-se ao período do pós-25 de Abril? Sim, anos 70, 80. Havia uma série de guerrilhas permanentes, uns portugueses eram importantes, mas estavam em Macau há dois ou três anos e falavam da China com uma autoridade enorme. Nunca tinham passado das Portas do Cerco e diziam já saber tudo. Eram bem pagos e mesmo assim queixavam-se. Mas falo no geral. Outra questão: porque é que Macau não dá sinólogos? Porque se calhar as pessoas chegam a Macau e pensam que sabem tudo sobre a China. Aprendem português no início e depois fartam-se. O português não é metódico nem organizado, essencial para aprender chinês. Ana Maria Amaro, que viveu em Macau 15 anos, chegou a fundar o Instituto Português de Sinologia. E o que é feito desse instituto? Ela só criou, mas nunca funcionou. Tem pessoas que não fazem rigorosamente nada, não tem publicações. Deveriam existir mais centros de estudos chineses em Portugal e não existem, e Macau aí também não ajuda. Mas Hong Kong também não é um bom sítio para criar sinólogos, também não há muitos. Há a vida dos expatriados, e fazem a vida entre eles. Não se ligam ao mundo chinês nem estão interessados. Meter a cabeça dentro da China dói. Quando foi para a China não tinha esse grupo de apoio. Não havia expatriados. Havia a embaixada a 19 quilómetros do lugar onde vivia. Fui escrevendo e também sobre o meu dia-a-dia. Fui aprendendo chinês e tentando mexer-me naquele mundo. Viajei muito pela China, visitei todas as províncias. Fui trabalhar para as Edições de Pequim e foi a imersão no mundo chinês e na própria propaganda do PCC. Publicávamos uma revista de propaganda sobre a China, sobre a qual não concordava, mas sempre pensei: “quem sou eu para concordar ou não? Para corrigir um universo, na altura de 900 milhões de pessoas?”. Aceitava. Temos de aceitar que do outro lado há um bloco sobre o qual temos a nossa opinião, mas não me compete a mim corrigir eventuais erros do PCC, até porque os erros de hoje podem ser coisas boas de amanhã. De todos os governantes portugueses quais foram aqueles que melhor lidaram com o processo de Macau, os que melhor souberam dialogar com a China? Diria que nenhum, mas não sei. A verdade é que essas visitas são sempre protocolares. Em 1995 fui com Mário Soares à China, tive a sorte de ser convidado. Estava a dar aulas de cultura chinesa na Missão de Macau em Lisboa. E aí apercebi-me que as pessoas nessa comitiva grande de empresários e jornalistas, planavam sobre a China. Chegávamos a Pequim e aquelas pessoas não entraram bem na China. O ministro dos Negócios Estrangeiros era Durão Barroso, cheio de problemas, porque era do PSD e o Mário Soares era do PS. As negociações não davam quase nada, não tinham consequência. Mesmo os empresários que os presidentes da República ou os primeiro-ministros costumam levar fazem mal o trabalho de casa. Ainda hoje? Ainda hoje. Estou a lembrar-me dessa viagem de 1995. Contaram-me depois que os 70 ou 80 empresários contactaram as comitivas chinesas e achavam que rapidamente iam fazer grandes negócios. Mas esqueceram-se de fazer o trabalho de casa. Chegamos lá, desenrascamo-nos e depois logo se vê. Muitas vezes até Macau, e o Fórum Macau não aproveitamos. Com o chinês tem de ser tudo muito bem trabalhado. Há coisas que têm sido bem feitas, há empresas que trabalham bem e que agora tem os seus escritórios em Xangai. Lembro-me da Corticeira Amorim que há 20 ou 30 anos colocava cortiça em toda a Ásia. E como vê as relações hoje em dia entre a China e Portugal? Começam a surgir algumas críticas ou receios pela forma como a China está a investir no país. Não conheço bem a parte económica, sou mais ligado à cultura. Mas pergunto-lhe a nível diplomático, com todas estas visitas que têm sido feitas. As relações são boas e tem-se procurado que não haja atritos nem conflitos. Mas é evidente que com a própria comunidade europeia tenha havido alguns problemas com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, porque Portugal embarcou rapidamente nela. Parecia um bom negócio para Portugal, mas a Europa ficou um bocadinho de pé atrás, porque a comunidade europeia disse que isso só servia a China. Portugal tem estado calado, é um país pequeno. Mesmo assim as importações e exportações para a China já começam a ter algum peso. Portugal tem tentado a nível das exportações, sobretudo da carne de porco, que os chineses precisam. Há uma série de negócios que têm de se fazer, mas que têm de ser bem preparados. As contrapartidas é que são sempre discutíveis. Os chineses têm quase liberdade plena para abrirem empresas na Europa, mas o contrário não acontece. Mas a China também está a atenuar as limitações que tem tido face ao investimento estrangeiro. O chinês gosta muito de jogar, nos negócios e na política. Portugal não é muito duro e determinado. Agora começamos a ter alguns especialistas nesta área, mas não tínhamos. Quais foram os grandes erros de Portugal em relação a Macau ao longo destes anos? Antes da transição Portugal lembrava-se muito de Macau, era uma boa fonte de rendimentos, inclusive para algumas forças políticas. Mas era assim que funcionavam as coisas. Macau foi plataforma de bons negócios e bons empregos. Mas depois começou a ficar um pouco esquecido pelo mundo da política e dos negócios. Mas, repare: há o Fórum Macau que é subsidiado pelos chineses, Portugal não investe em Macau. Mas os resultados do Fórum Macau são relativos. Quando se fala dos negócios da China, as pessoas dizem que Macau é o trampolim. Isso repete-se há 100 anos, não é de agora. Em Macau estamos na China, mas estamos a 2800 quilómetros de Pequim. Negociar com a China a partir de Macau é diferente, e os países que estão no Fórum Macau também têm as suas embaixadas e adidos comerciais, como é o caso do Brasil, que tem uma embaixada pujante, que não precisa de passar por Macau para coisa nenhuma. Há países de língua portuguesa que até desprestigiam Macau porque têm interesse em fazer os seus negócios directamente nas suas embaixadas em Pequim ou Xangai. É mais fácil porque estão mais próximos das empresas. Os negócios do petróleo entre a China e Angola não passam pelo Fórum Macau, por exemplo. Agrada-lhe o rumo que Macau está a tomar? Macau foi incorporada na grande China em 1999, e a partir daí o jogo tem sido um bocadinho diferente. Os casinos cresceram exponencialmente. Macau não é igual a nenhum outro lugar do mundo. É uma terra complexa. Em Portugal quase todos somos portugueses, mas o chinês de Macau vê a sua terra de determinada maneira, e os chineses que vivem em Macau oriundos da China já olham para a realidade da terra de maneira diferente. Temos depois os portugueses e os macaenses. Os portugueses conseguem sobreviver porque tem a arte de saber viver em Macau. Penso que aqueles que amam mais Macau são os macaenses e os chineses nascidos em Macau. Em Hong Kong, chineses lá nascidos são mais de quatro milhões, e a população é de sete milhões. E Macau é pequena. Hong Kong podia ser independente, porque além de ser uma grande praça financeira, tem o maior porto de contentores do mundo. Tem um grande poder económico e uma pujança que lhe iria permitir não depender da China, a não ser para os negócios. Aí tem de saber negociar. As pessoas de Hong Kong que se manifestam nas ruas têm a percepção de que o território tem de ser uma coisa muito diferente da China, em termos de direitos e liberdades. Eu compreendo-os, mas Hong Kong está inserido no grande mundo chinês, onde essas grandes liberdades e direitos, que fazem parte do nosso mundo ocidental, ainda não prevalecem. Deng Xiaoping dizia que o primeiro direito humano é podermos comer todos os dias. Muitas pessoas na China não se preocupam com a ditadura. Podemos estar a falhar ao avaliar a China de acordo com os nossos conceitos ocidentais, o que não quer dizer que não haja valores universais. Penso que os chineses querem mais liberdades, mas toda a gente quer mais liberdade, é da natureza humana. Por exemplo na Internet. Xi Jinping quer reforçar o poder do partido, porque os chineses têm muito medo do caos. Se as manifestações de Hong Kong entrassem pela China adentro, imagine o que acontecia ao país. Caía o poder? Podia dar uma guerra civil. E um dia isso vai acontecer, talvez no seu tempo, não no meu. Daqui a 30, 40 ou 50 anos a China vai passar por grandes convulsões. É inevitável e os chineses sabem isso há muitos anos. O partido vai-se desagregar. Isso será mau para a China e para o mundo inteiro. E os negócios?
Andreia Sofia Silva EntrevistaDireitos humanos | Académica diz que Portugal não quer “beliscar” relação com a China Carmen Amado Mendes, professora na Universidade de Coimbra, defendeu ao HM, referindo-se à área dos direitos humanos, que “sempre houve, do ponto de vista de Portugal, uma preocupação muito grande em não ofender a parte chinesa”. Portugal condenou, de forma multilateral, a situação em Xinjiang no contexto das Nações Unidas e dificilmente o irá fazer de forma bilateral, adiantou a académica. Carmen Amado Mendes diz ainda que o proteccionismo no Brasil face à China é anterior a Jair Bolsonaro [dropcap]P[/dropcap]rofessora de relações internacionais na Universidade de Coimbra (UC) e especialista em assuntos relacionados com a China e Macau, Carmen Amado Mendes falou esta terça-feira em Lisboa numa palestra promovida pelo espaço Casa Ninja e que teve como tema “A presença da China nos países de língua portuguesa”. À margem do encontro, a académica disse ao HM que, em matéria de direitos humanos, os parceiros lusófonos da China nunca quiseram por em causa a relação diplomática estabelecida, pelo que preferem o silêncio face a muitas questões. “Não tem havido interesse por parte destes países em referir a questão dos direitos humanos. Por parte dos países africanos as razoes são óbvias, porque eles próprios tem problemas a este nível e a relação foi estabelecida do ponto de vista das elites que se protegem mutuamente e que fazem as negociações, muitas vezes, sem terem consideração os interesses da população.” No que diz respeito a Portugal, Carmen Amado Mendes recorda que “sempre houve uma preocupação muito grande em não ofender a parte chinesa, mas é uma questão que vem da nossa história”. DR Neste sentido, a professora universitária dá o exemplo de Macau. “A nossa presença em Macau, com excepção de alguns episódios críticos da história, foi sempre uma presença muito passiva ou muito reactiva relativamente ao que o lado chinês nos ia permitindo ou às portas que se iam abrindo. Penso que nenhum líder português vai querer algo que belisque ou possa beliscar a relação com a China.” Recentemente, o semanário Expresso noticiou a tomada de posição de Portugal sobre à situação em Xinjiang. A notícia, com o título “Costa irrita Pequim ao defender uigures”, dava conta de que Portugal é um dos Estados-membros da União Europeia “que querem que ‘as autoridades chinesas respeitem os direitos dos uigures e de outras minorias da província de Xinjiang’”, numa iniciativa feita “no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas”. O mesmo jornal adiantou que o facto de Portugal ter tomado uma posição “terá irritado as autoridades de Pequim, que se sentiriam protegidas de críticas pelos avultados investimentos chineses em Portugal sem sectores como a banca, energia, seguros e saúde”. Uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em Portugal referiu ao Expresso que “as autoridades chinesas conhecem as posições de Portugal a respeito das questões dos direitos humanos”, sendo que é uma área em que os dois países “tem posições distintas”. Carmen Amado Mendes destaca o facto de essas “manifestações acontecerem num contexto multilateral”, pois, a nível bilateral, “as coisas são feitas de forma a que não constituam um entrave ao bom relacionamento”. “Essas declarações são sempre feitas em contexto que não põe em perigo o bom relacionamento bilateral, essa é a preocupação principal de Portugal”, acrescentou. Reacção “não é tardia” O posicionamento dos Estados-membros da UE e os argumentos constam de uma carta datada de 22 de Julho e que será tornada publica quando o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos assim o entender, disse o MNE em resposta escrita ao HM. O ministério liderado por Augusto Santos Silva entende que esta tomada de posição “não foi tardia”. “As autoridades chinesas conhecem as posições de Portugal a respeito das questões dos Direitos Humanos. Conhecem também a convergência da posição portuguesa com a da União Europeia e ambos, Portugal e China, sabem que este é um domínio em que as posições dos dois países são distintas. Recorda-se que a UE e a China têm um diálogo regular sobre Direitos Humanos e que ainda na última Cimeira de Abril reafirmaram a importância que concedem a tal diálogo”, adiantou o MNE na mesma resposta. Questionado sobre se esta tomada de posição pode vir a afectar o relacionamento bilateral entre a China e Portugal, ou potencialmente afastar investimentos do país, o MNE rejeitou essa possibilidade. Proteccionismo pré-Bolsonaro “Não podemos generalizar o investimento chinês nos PALOP” Carmen Amado Mendes alertou ainda para o facto de “o contexto diplomático ter mudado” entre a China e o Brasil com a tomada de posse do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro, mas defende que o proteccionismo económico sempre foi adoptado pelo país. “Esse proteccionismo é muito anterior a Bolsonaro. Poderia não ser visível do ponto de vista diplomático mas era muito visível quando falávamos com pessoas de topo, por exemplo na Federação das Indústrias de São Paulo ou com uma série de instituições do Governo brasileiro que tinham a seu cargo a relação com a China. Na própria Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), ou no Conselho Empresarial Brasil-China, há décadas que se faz a advocacia de medidas proteccionistas.” Carmen Amado Mendes destaca o facto das autoridades brasileiras terem alterado a lei de terras para evitar que empresários chineses adquirissem terrenos para a produção de soja. Ainda assim, “não nos podemos esquecer que a China e o Brasil precisam um do outro no contexto internacional da sua afirmação enquanto potências emergentes”. “Isso ficou muito visível desde a criação do grupo dos BRICS, que foi uma ligação que estes países aproveitaram do ponto de vista diplomático e foi uma ideia que foi lançada com motivações puramente financeiras pela Goldman Sachs, mas que os países aproveitaram porque que isso lhes traz visibilidade no plano internacional.” Grupo dos três Carmen Amado Mendes defende que o investimento chinês nos países de língua portuguesa é diferenciado, estabelecendo três grupos distintos de países: de um lado, os africanos, do outro o Brasil e Portugal, e depois Timor-Leste. “Não podemos generalizar o investimento chinês nos países de língua portuguesa, porque é distinto. Temos, por um lado, os países africanos e Timor, e, por outro lado, o Brasil que compete com a China no mercado interno e critica imenso a China pela exportação de produtos manufacturados, nomeadamente no ramo automóvel, o que acaba por competir ou impedir o desenvolvimento das empresas brasileiras.” A docente universitária acredita que “o investimento da China nestes três grupos de países vai-se ajustando às imposições que estes países fazem face à presença chinesa”. “Só o comportamento destes países dirá o que vai acontecer no futuro”, frisou. Ajudar a China fora dela No que diz respeito aos países africanos, o investimento chinês tem vindo a fazer-se de outra forma. “Até ao momento o investimento que a China tem feito nos países de língua portuguesa tem sido ditado pelos padrões estabelecidos pela própria China. Isto é principalmente visível nos países africanos, em que foi a China que ditou as regras do jogo, estabeleceu um modus operandi muito próprio, com o modelo em que constrói infra-estruturas em troca de recursos naturais, levando mão-de-obra.” Com este modelo, a China encontrou “uma forma de combater o desemprego interno, com uma preocupação social evidente, pois ao exportar a sua mão-de-obra, exporta os seus materiais de construção, o que faz com que continue a promover o desenvolvimento da China fora do próprio país.” “Isto foi definido pelo lado chinês e aceite pelo lado africano talvez por não existir uma alternativa viável para a construção dessas infra-estruturas, por falta de massa crítica, de recursos humanos, de capacidade de organização”, adiantou Carmen Amado Mendes. A professora universitária, que falou ontem no espaço Casa Ninja, em Lisboa, denota uma “apatia” na sociedade civil em Portugal no que à China diz respeito. “Acho importante debatermos estas questões em Portugal porque noto que há uma diferença enorme entre a sociedade civil portuguesa e a de Macau. Parece que há um desinteresse ou uma grande apatia em relação às questões da China, apesar do forte investimento chinês em Portugal. Daí que tenha aceite falar neste debate. Em Portugal falta debater este tema e está na altura da sociedade civil ser alertada.”
Hoje Macau China / ÁsiaRelações luso-chinesas sobem de patamar político com contactos anuais [dropcap]P[/dropcap]ortugal e a China formalizam hoje, através de um memorando de entendimento, um novo patamar nas relações bilaterais, que passam da parceria estabelecida em 2005 para um “diálogo estratégico”, com contactos anuais. O “memorando de entendimento sobre diálogo estratégico entre Portugal e a República Popular da China” vai ser formalizado hoje no Grande Palácio do Povo, em Pequim, onde o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, será recebido pelo seu homólogo chinês, Xi Jinping, confirmou à Lusa fonte diplomática. Com este memorando, os dois países acordam em proceder a consultas políticas regulares sobre temas bilaterais e de política internacional e em aumentar os contactos entre as autoridades governativas, com visitas mútuas, uma vez ao ano, ora na China, ora em Portugal, ao nível dos ministros Negócios Estrangeiros. O relacionamento de Portugal com a China passa da actual “parceria estratégica” assinada em 2005 para o patamar da França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos da América, referiu a mesma fonte diplomática. À chegada à China, na sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa fez alusão a este novo patamar político nas relações luso-chinesas, referindo que estava em curso “um salto qualitativo em termos bilaterais” e que Portugal passaria para o mesmo “nível de potências mundiais ou de países de grande afirmação europeia”. “É o salto qualitativo que é dado durante esta visita, passando de um memorando, que já é do ponto de vista de parceria estratégica muito importante, agora no plano bilateral para mais do que isso”, afirmou. Em declarações feitas na Grande Muralha, ao norte de Pequim, o chefe de Estado acrescentou que Portugal passava assim a ter com a China “um relacionamento político ao nível de países como a França, como o Reino Unido, como os Estados Unidos da América”. Já quando recebeu Xi Jinping em Lisboa, no início de Dezembro do ano passado, o Presidente português tinha falado na vontade de “continuar a construir” a parceria entre Portugal e a China “com diálogo político regular e contínuo”. Na actual legislatura, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, teve uma curta reunião com o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, durante uma escala na Base das Lajes, nos Açores, em Setembro de 2016, e no mês seguinte o primeiro-ministro português, António Costa, visitou a China. Em Julho de 2017, o então presidente do comité permanente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, Zhang Dejiang, esteve em Lisboa, onde os dois parlamentos assinaram um memorando de entendimento. Em 2018, houve visitas recíprocas dos ministros dos Negócios Estrangeiros, em Maio e Outubro, do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, à China, em Novembro, e do Presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal, em Dezembro. Agora, Marcelo Rebelo de Sousa retribui essa deslocação, iniciando hoje uma visita de Estado de três dias à República Popular da China, dividida entre Pequim, Xangai e a RAEM, após participar na segunda fórum “Rota e Faixa”, na capital chinesa.
Hoje Macau China / ÁsiaCidade Proibida abre-se para celebrar 40 anos de relações diplomáticas com Portugal [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] guitarrista Pedro Jóia já tinha actuado em Pequim, mas o concerto de ontem teve um sabor especial: decorreu no Antigo Palácio Imperial chinês e assinalou o 40.º aniversário das relações entre Portugal e China. “É, de facto, de uma grande carga simbólica”, reconheceu, à agência Lusa, o músico português, no final de um espectáculo conjunto com Duan Chao, uma das mais aclamadas instrumentistas do ‘erhu’, instrumento musical originário da China, de duas cordas e tocado com um arco. O concerto, de cerca de uma hora, esgotou a sala de espectáculos da Cidade Proibida, complexo construído durante a dinastia Ming (1368-1644) e onde residiram 24 imperadores chineses, que se sucederam durante mais de 500 anos. “Caiu mesmo bem”, afirmou Ricardo Oliveira, professor de português numa universidade de Pequim, sobre o concerto. “A amizade entre Portugal e a China reflectiu-se na conjugação musical”, considerou. Mas se espectáculos de fado não são novidade no país asiático, o último foi com a fadista Cuca Roseta, assim como reportórios conjuntos, António Chainho tocou com a cantora Gong Linna, o espaço escolhido foi algo “sem precedentes”, afirmou o embaixador de Portugal em Pequim, José Augusto Duarte. “Abrir a Cidade Proibida à noite, para um espectáculo nosso, é inédito”, disse. “Estamos muito lisonjeados com esta atitude das autoridades chinesas”, contou. Emoções conjuntas Outrora fechado aos cidadãos comuns, sendo a entrada punível com pena de morte, o antigo Palácio Imperial é hoje a principal atracção turística da capital chinesa. Para muitos na plateia, a oportunidade de aceder ao Antigo Palácio Imperial, já depois das horas de encerramento – o espectáculo começou às 18:30 em Pequim -, foi mesmo um incentivo extra. “Muito raramente a Cidade Proibida abre durante a noite”, lembrou uma estudante chinesa. O complexo encerra para turistas às 16:30, no Inverno, e às 17:00, no Verão. Apenas convidados de alto nível, incluindo o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante uma visita a Pequim, no ano passado, têm normalmente o privilégio de admirar o complexo à noite. O clima era igualmente convidativo: lá fora, a temperatura ultrapassava os dez graus, assegurando o fim do rigoroso Inverno pequinês. Portugal e a República Popular da China estabeleceram relações diplomáticas em 8 de Fevereiro de 1979, mas devido àquele dia ter coincidido este ano com a celebração do Ano Novo Lunar – a principal festa das famílias chinesas – a celebração acabou por decorrer ontem. Outros eventos culturais vão realizar-se ao longo de 2019, incluindo festivais de cinema, literatura, teatro ou música, em paralelo com o ano da China em Portugal, num programa pensado pelos dois Governos. “A cultura é um instrumento fundamental para aproximar os povos, dialogar e criar emoções conjuntas”, sublinhou Augusto Duarte. “Este será um ano que reforçará em muito a visibilidade do grande talento dos portugueses junto da opinião pública chinesa”, disse.
Hoje Macau EntrevistaEmbaixador da China em Portugal, Cai Run: Relações entre a China e Portugal na “melhor fase” Em entrevista colectiva, o Embaixador da China em Portugal, Cai Run, realça o momento único que se vive em termos de relações entre os dois países, o papel de Macau para o futuro das relações diplomáticas e a posição da China no panorama global Este ano assinala-se o 40.° aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre Pequim e Lisboa e o 20° aniversário do retorno de Macau à China. Como avalia as relações sino-portuguesas? Quais são as suas expectativas? [dropcap]A[/dropcap]China e Portugal estabeleceram relações diplomáticas oficiais a 8 de Fevereiro de 1979, inaugurando assim um novo capítulo. Desde então, o relacionamento bilateral tem percorrido um caminho de desenvolvimento extraordinário, com entendimento, respeito e confiança mútuos, assim como cooperação reciprocamente benéfica e de ganhos compartilhados. Em 1999, a China e Portugal resolveram a questão de Macau de forma apropriada, estabelecendo um paradigma de adoptar negociações amistosas para resolver questões bilaterais do passado. Depois, em 2005, foi estabelecida a Parceria Estratégica Global, levando a cooperação sino-portuguesa a entrar numa via expressa, com todos os sectores de ambas as partes a abraçarem um espaço de desenvolvimento mais amplo com perspectivas mais promissoras. Actualmente, as relações encontram-se na sua melhor fase histórica, com a frequente troca de visitas de alto nível e confiança política mútua cada vez mais profunda. Desenrolam-se de forma abrangente as cooperações pragmáticas bilaterais em várias áreas como a economia e comércio, investimento, energia, ciência e tecnologia, mar, finanças, educação, cultura, turismo, entre outras, criando benefícios tangíveis para os povos dos dois países. Em 2018, o comércio bilateral cresceu 7,27 por cento para 5,24 mil milhões de euros e o investimento chinês em Portugal – que é superior a 9 mil milhões de euros – abarca diferentes sectores, como a energia, electricidade, finanças, seguros ou saúde, tem-se traduzido em contribuições activas para o desenvolvimento socioeconómico português e o investimento de Portugal na China também regista um crescimento estável. Portugal foi o primeiro país da União Europeia a estabelecer oficialmente a Parceria Azul com a China, o primeiro a emitir cartões Unionpay na Europa e também o primeiro europeu a construir uma Oficina de Luban [a sexta no mundo] junto com a China. Em paralelo, hoje em dia, há mais de 30 universidades chinesas que ensinam a língua portuguesa e mais de 21 escolas portuguesas que ensinam mandarim, [demonstrando] que os dois povos têm um entusiasmo cada vez maior em aprender a língua do outro. Na primeira fase depois do estabelecimento das relações diplomáticas, o intercâmbio interpessoal entre os dois países foi de uma dimensão extremamente reduzida, mas actualmente centenas ou até milhares pessoas circulam entre os dois países diariamente. Constatamos com satisfação que a cooperação pragmática sino-portuguesa em diversas áreas já se tornou num paradigma de uma relação bilateral entre países de histórias, culturas, sistemas sociais e fases de desenvolvimento distintos, caracterizada pela coexistência pacífica e ganhos compartilhados, expondo um enorme potencial e uma perspectiva risonha de desenvolvimento. As relações sino-portuguesas situam-se num novo ponto de partida histórico e têm pela frente novas oportunidades de desenvolvimento, havendo muito a trabalhar e a lograr ao nível da cooperação. Durante a visita de Xi Jinping a Portugal, os dois governos assinaram um Memorando de Entendimento no Quadro de ‘Uma Faixa, Uma Rota’. Como é que avalia a cooperação neste âmbito? Portugal é uma nação marítima antiga e figurou como ponto de encontro importante das Rotas da Seda Terrestre e Marítima. Portugal constitui um parceiro importante na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e foi um dos 57 países fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura. O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, manifestaram claramente os apoios da parte portuguesa no âmbito da iniciativa, a vontade de Portugal de ser o ‘hub’ europeu que liga as Rotas da Seda Terrestre e Marítima bem como os desejos para alargar a cooperação pragmática entre a China e Portugal em diversas áreas neste enquadramento. A parte chinesa atribui grande importância ao papel marcante que Portugal desempenha na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e a assinatura do Memorando de Entendimento marca os novos passos dados no âmbito da cooperação no enquadramento da iniciativa, reforça a sinergia das estratégias de desenvolvimento, amplia as trocas comerciais e investimentos bidireccionais e forja novos focos de incremento da cooperação, a fim de conseguir mais êxitos. Que actividades comemorativas estão previstas para celebrar o 40.º aniversário das relações diplomáticas? A comemoração dos 40 anos das relações diplomáticas entre a China e Portugal constitui uma efeméride relevante, sendo também uma oportunidade muito importante para o desenvolvimento das relações bilaterais. Durante a visita de Estado a Portugal de Xi Jinping, as duas partes chegaram a consenso sobre a realização, este ano, do Festival Cultural Chinês em Portugal e do Festival Cultural Português na China, abrangendo uma série de actividades. As actividades importantes já realizadas ou a serem realizadas incluem o lançamento em conjunto dos selos evocativos dos 40 anos de relações diplomáticas por ambos os países e outras iniciativas comemorativas, como seminários, exposições, espectáculos artísticos e competições culturais e desportivas. Acredito que vão promover o novo clímax do intercâmbio e cooperação amistosa, criando uma atmosfera positiva para o desenvolvimento das relações bilaterais. Como vê o papel de Macau no contexto das relações luso-chinesas? 2019 marca o 20.º aniversário do retorno de Macau à China. Desde o regresso à Pátria, a política de ‘Um País, Dois Sistemas’ e os princípios de ‘Macau governado pelas suas gentes’ e de ‘alto grau de autonomia’ têm sido implementados integralmente conseguindo êxitos notáveis, com um panorama positivo de estabilidade social, desenvolvimento económico, bem-estar da população e coesão harmoniosa das diversas culturas. Aproveitando a sua vantagem da língua, história, cultura, excelente localização geográfica, infra-estruturas e o bom ambiente comercial, a RAEM destaca-se cada vez mais como uma ponte importante que liga a China e Portugal, desempenhando um papel cada vez mais significativo nas relações entre a China e os países da língua portuguesa. O Governo chinês continua a apoiar Macau como plataforma para a cooperação entre a China e os países da língua Portuguesa e como Centro Mundial de Turismo e Lazer, encorajando o território na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’, da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau e da cooperação regional do Pan-Delta do Rio das Pérolas. Estou convicto de que, com o apoio firme do Governo Central, sob os esforços conjuntos do Governo da RAEM e dos seus habitantes, Macau terá um espaço de desenvolvimento ainda maior e um futuro mais promissor e contribuirá ainda mais para impulsionar a cooperação sino-portuguesa. Como descreve o desempenho e posicionamento da China e quais são as perspectivas relativamente ao futuro? A economia chinesa em 2018 vinha a registar um progresso constante com base na estabilidade geral, apresentando um panorama positivo. O Produto Interno Bruto da China do ano passado ultrapassou, pela primeira vez, os 90 biliões de yuans, traduzindo um aumento de 6,6 por cento, com a taxa de crescimento económico a manter-se na vanguarda das maiores economias do mundo. O volume comercial do ano de 2018 ultrapassou também pela primeira vez os 30 biliões de yuans, alcançando um recorde histórico. À medida que a reforma estrutural no lado da oferta se desenrola profundamente, a estrutura económica da China continua a melhorar e a nova força motriz continua a aumentar de forma acelerada. O papel do consumo consolidou-se ainda mais como o principal motor do crescimento económico e as indústrias emergentes mantiveram uma tendência de crescimento rápido. Aceleram-se os passos para a reforma e o ‘upgrade’ das indústrias tradicionais e o empreendedorismo e inovação popular desenvolveram-se continuada e aprofundadamente, fornecendo um suporte muito mais firme para a estabilização do crescimento, o aumento de empregos e a promoção de um desenvolvimento de qualidade. Registou-se uma melhoria contínua da vida de população, um ‘upgrade’ e melhoria de qualidade do consumo, um reforço da garantia básica de uma vida digna do povo e a construção de uma sociedade pacífica e bem ordenada. Ao mesmo tempo, também estamos com a clara consciência de que a economia chinesa se confronta com uma circunstância externa complexa e austera, igualmente com a pressão de desaceleração. No entanto, a economia chinesa dispõe de um grande potencial, uma forte resiliência e um amplo espaço de manobra que nos permite ter a base, as condições, a confiança e a capacidade para um desenvolvimento sustentável e saudável. 2019 marca o 70. ° aniversário da fundação da República Popular da China, um ano chave para concretizar a construção de uma sociedade modestamente confortável em todos os aspectos. Nos 70 anos após a fundação, particularmente nos 40 desde a Reforma e Abertura, a China tem percorrido uma trajectória extraordinária e conquistou grandes êxitos do desenvolvimento. Da escassez à suficiência, da pobreza a uma vida modestamente confortável, mais de 700 milhões de pessoas saíram da pobreza, o que representa 70 por cento da totalidade global do mesmo período, dando um grande contributo para as causas da paz e desenvolvimento da Humanidade. Com uma taxa de contribuição à economia mundial superior a 30 por cento por muitos anos seguidos, a economia chinesa já se tornou num estabilizador e uma fonte de forças motrizes para a economia mundial. As práticas bem-sucedidas do desenvolvimento da China provaram plenamente uma filosofia profunda: quando o mundo está bem, a China fica melhor; com uma China melhor, o mundo ficaria melhor ainda. Perspectivando o futuro, a China continuará firme na promoção da reforma e na ampliação da abertura e continuará a empenhar-se na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’, beneficiando mais países e povos, inclusive Portugal, com os resultados obtidos ao seu abrigo. Prevê-se que nos próximos 15 anos, as importações de mercadorias da China superem 30 biliões de dólares e as de serviços a marca de 10 biliões de dólares, o que fornecerá oportunidades significativas de cooperação para diversos países, incluindo Portugal. A parte chinesa está disposta a trabalhar, em conjunto com a portuguesa, assim como com outros países, para aprofundar ainda mais a cooperação pragmática, com adesão aos princípios de igualdade, benefício mútuo e cooperação de ganhos compartilhados, melhor beneficiando os povos e fazendo contributos positivos para a paz, estabilidade, desenvolvimento e prosperidade do mundo. Nota editorial: Aquando da edição especial dedicada aos 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e China, o HM endereçou um pedido de entrevista ao Embaixador da China em Lisboa, Cai Run. Depois de submeter-nos uma lista de questões recebemos o convite para participar numa entrevista colectiva, solicitação tida como natural, por parte da Embaixada, devido ao facto das nossas perguntas estarem em linha com as submetidas pelos outros órgãos de comunicação social. Além disso, a Embaixada da China em Portugal assegurou-nos o envio da transcrição para publicação, gentileza de que resulta esta entrevista.
Hoje Macau EntrevistaEmbaixador português destaca relação “descomplexada” com a China João Pimenta, da agência Lusa [dropcap]O[/dropcap] embaixador português em Pequim destacou ontem a relação “descomplexada” entre Portugal e China, lembrando que Lisboa “não está refém” das suas alianças tradicionais, numa altura de crescente desconfiança no Ocidente face ao país asiático. “O facto de não haver trauma na relação é uma coisa muito particular e que nos dá uma enorme vantagem num diálogo aberto e descomplexado”, afirmou José Augusto Duarte, por ocasião dos 40 anos de relações diplomáticas entre os dois países, que se celebra este mês. Em entrevista à agência Lusa, o diplomata lembrou que, em “épocas de apogeu ou de fragilidade” da China, Portugal “nunca alinhou em tentativas coloniais ou em guerras” contra o país. “Isso é extremamente importante: marca a diferença face a relações que são reféns das épocas em questão”, disse. O diplomata referia-se ao ressentimento da China para com as potências ocidentais, pelo século de “humilhação nacional”, na sequência da Guerra do Ópio (1839 – 1860), que marcou o declínio do país como potência mundial e a sua subjugação aos Tratados Desiguais. O fim da ocupação estrangeira, com a fundação da República Popular, em 1949, e, nos últimos anos, o restabelecimento do estatuto internacional do país, são duas das principais fontes de legitimidade do Partido Comunista Chinês, partido único no poder. José Augusto Duarte destacou ainda a forma como a presença portuguesa se manteve em Macau “sem nunca Portugal ter tido um conflito militar com a China”. “Os portugueses chegaram ao Delta do Rio das Pérolas em 1513. E foi através de Macau que a presença se manteve, mas sem ser com base num conflito com a China, ou em algo que não fosse por consentimento do lado chinês”, explicou. “É uma coisa única no âmbito das relações internacionais”, realçou. No final de Abril, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, vai estar presente na segunda edição do fórum “Uma Faixa, Uma Rota” e fará uma visita de Estado à China, numa altura de crescente suspeição no Ocidente, face às ambições geo-estratégicas de Pequim. Desde a ascensão ao poder do líder chinês Xi Jinping, em 2013, a China adotou uma política externa mais assertiva, que se materializa no gigantesco plano de infra-estruturas ‘Uma Faixa, Uma Rota’, que visa conectar o sudeste Asiático, Ásia Central, África e Europa. A iniciativa é vista como uma versão chinesa do ‘Plano Marshall’, lançado pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, e que permitiu a Washington criar a fundação de alianças que perduram até hoje. As ambições de Pequim suscitaram um reforço do escrutínio sobre os investimentos chineses em setores estratégicos, em vários países, e o despoletar de disputas comerciais com Washington. José Augusto Duarte admitiu que “há neste momento evoluções que tornam mais complexa a relação da China com uma série de países ocidentais”, mas que Portugal “não confunde os seus papéis”. “Nós temos que, respeitando os compromissos internacionais de Portugal, que deriva do facto de sermos membros da NATO e da União Europeia, termos assentes muito bem os nossos valores, mas provavelmente podemos defendê-los de forma especifica nossa”, disse. E lembrou que a “situação na qual estamos agora não é nova na História”. “As Guerras do Ópio, que aconteceram em meados do século XIX, foram extremamente complexas, mas Portugal nunca deixou de ser um aliado de Inglaterra, como também nunca participou na aliança britânica que levou a uma guerra contra a China”, disse. “Nós não acreditamos numa via conflitual para tentar mudar o nosso interlocutor, seja ele qual for. Portugal não tem, nem nunca teve essa perspetiva”, acrescentou.
Hoje Macau China / ÁsiaPortugal/China | Jorge Sampaio: “A questão de Macau já está arrumada” O reforço da Parceria Estratégica Global entre Portugal e China, adoptada em Dezembro, ”abre vias de aprofundamento da cooperação em inúmeras áreas que são de grande relevância”, como no caso do porto de Sines, declarou o antigo Presidente Jorge Sampaio [dropcap]A[/dropcap] declaração conjunta sobre o reforço da Parceria Estratégica Global, adoptada em Dezembro último por ambos os países, bem como os instrumentos bilaterais que foram assinados, abrem vias de aprofundamento da cooperação em inúmeras áreas que são de grande relevância”, afirmou o antigo Presidente. “Por exemplo, na iniciativa conhecida como ‘Uma Faixa, Uma Rota’, Portugal pode desempenhar um papel próprio, podendo afirmar-se como ponto de encontro entre a rede ferroviária e a rede marítima no contexto da nova Rota da Seda”. “Como foi várias vezes sublinhado pelo Governo português, em Dezembro passado, o nosso porto de Sines pode muito bem ser o ponto em que a Rota da Seda e a Faixa se encontram, sendo o porto mais próximo do Canal do Panamá, ou seja, mais próximo do ponto de ligação marítima entre o Atlântico e o Pacífico”, disse. “Isto é um exemplo de uma cooperação promissora, com ganhos para todos os lados”, avaliou. Após a transferência de Macau para a China, a “normalização das relações não deveria significar nunca um nível político menos elevado das relações bilaterais”, referiu Sampaio, lembrando importância que Macau teve no contexto de reunificação nacional da China (juntamente com Hong Kong). Segundo o antigo Presidente português, as duas partes conseguiram entender, ao longo do processo de transição de Macau, que deviam reconhecer este facto – a importância da transferência de Macau no contexto da reunificação – “preservando a qualidade das suas relações políticas”. “Isto explica porque, em 2005, seis anos depois da transferência de soberania em Macau, Portugal e a China tenham assinado uma Parceria Estratégica Global, um passo inédito, uma vez que o nosso país foi o primeiro pequeno país europeu com o qual a China estabelecia a tal Parceria Estratégica”. “Os anos seguintes consolidaram esta relação especial”, disse, referindo ainda as visitas oficiais dos mais altos cargos políticos dos dois países. “Nos últimos anos, quer a expansão das relações económicas – não esquecer que a China é hoje o sexto fornecedor de bens a Portugal e o décimo cliente de bens de Portugal e que, por outro lado, Portugal é actualmente o quatro país onde a China mais investiu na década e o sétimo país europeu com mais investimento chinês – quer o desenvolvimento das relações no âmbito científico, cultural e turístico, provou nestas vertentes a qualidade excepcional das relações políticas construídas durante os anos de transição”, avaliou. Macau arrumada Para Jorge Sampaio, Portugal “só terá a ganhar se souber articular os seus interesses estratégicos com o relacionamento especial que tem sabido manter com a China”, considerando o futuro, “em termos de turbulência e de enorme incerteza no plano internacional”. “Assim, creio também que para além dos elementos da cooperação concreta, no plano bilateral e multilateral, o maior e mais relevante desafio será o da preservação e o desejável aprofundamento da qualidade das relações políticas luso-chinesas marcadas pela excepcionalidade”, declarou. “No plano do relacionamento da China com um pequeno país europeu, como é Portugal, temos a afirmação da nossa capacidade de interlocução com a China, quer no plano bilateral quer no quadro dos nossos relacionamentos vários e na defesa de interesses de geometria variável, que ao meu ver, nunca deverão deixar de ser pautados pelos princípios subjacentes a nossa política externa, orientados para a salvaguarda da paz e da segurança internacionais, estabilidade do desenvolvimento sustentável, a prosperidade da proteção dos direitos humanos”, argumentou. Para Sampaio, encontrar um equilíbrio certo entre as variáveis numa paisagem internacional marcada pela instabilidade, talvez não seja tarefa fácil, mas deverá “permanecer o objectivo de um relacionamento luso-chinês forte”. “A questão de Macau já está arrumada”, referiu. Macau, segundo o antigo Presidente português, serviu também ao Governo chinês para provar que a política de ‘um país, dois sistemas’ estava certa.
Hoje Macau China / ÁsiaPortugal quer aumentar parcerias com a China, diz Secretário de Estado O alargamento das relações entre os dois países, para além das parcerias nos sectores financeiro, energético e segurador, é uma das ambições nacionais assumidas pelo secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias [dropcap]P[/dropcap]ortugal pretende alargar a cooperação com a China “além dos sectores já explorados e também para outros territórios”, salientou sexta-feira em Lisboa o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias. “Portugal tem a ambição de alargar esta cooperação para outros sectores e outros territórios”, disse o governante português, acrescentando que “as relações (entre Portugal e a China) não se esgotam no mercado financeiro, energético e segurador. Começam a estar nos serviços, indústria e mobilidade eléctrica”. O secretário de Estado considerou ser importante proporcionar um “investimento de tração”, com o envolvimento das pequenas e médias empresas. Eurico Brilhante Dias, que falava na conferência “Quarenta Anos de Relações Diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China”, na Fundação Oriente, em Lisboa, disse ainda que é preciso, dentro do quadro dos acordos e parcerias, um “reforço no âmbito fitossanitário” e ainda “na exploração em conjunto de ligações por mar e aéreas”. “É preciso um reforço nos instrumentos de operacionalização”, dos tratados e parcerias entre os dois países, referiu. A parceria económica e empresarial entre Portugal e China, com os acordos assinados – nomeadamente a Parceria Estratégica Global Portugal-China, assinada em 2005 – “tem tido uma importância no desenvolvimento da internacionalização da economia portuguesa”, acrescentou. Eurico Brilhante Dias também destacou a cooperação luso-chinesa “em relação aos países de língua portuguesa”, que considerou ter um potencial de aprofundamento nas relações económicas, comerciais, culturais e de criação de conhecimento. Datas redondas Há quarenta anos, a 8 de Fevereiro de 1979, Portugal e a República Popular da China estabeleceram relações diplomáticas oficiais. Ao longo de 2019, para além dos 40 anos do restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, assinalam-se também os 70 anos da proclamação da República Popular da China e os 20 anos do retorno de Macau à China. As comemorações em Portugal destas datas só “fortalecem e aprofundam” as relações sino-portuguesas, de acordo com o secretário de Estado. A China “avançou” com investimentos em Portugal quando o país passava por uma grave crise económica em 2008, com restrições nos mercados financeiras e com a intervenção da ‘troika’. “Quando vivemos uma situação difícil, com a crise económica em 2008, com restrições no mercado financeiro e com o acordo realizado com a ‘troika’, foi o investimento chinês que avançou” na economia portuguesa, recordou Eurico Brilhante Dias, sublinhando a importância desta acção na economia portuguesa. “Temos uma relação de confiança mútua”, disse Brilhante Dias, referindo que Portugal tem tentado “aproveitar esta boa relação”. Segundo o secretário de Estado, a boa relação entre os dois países pode ser demonstrada por dois momentos importantes, nomeadamente o apoio da China para a eleição de António Guterres como secretário-geral da ONU e de António Vitorino para responsável da Organização Internacional para as Migrações (OIM). “Foi um momento muito importante, um momento de confiança” por parte dos responsáveis chineses em Portugal, referiu Brilhante Dias. “A China é um parceiro único, um país amigo e estratégico, sem prejuízo ao enquadramento de Portugal no âmbito da União Europeia e da NATO”, disse o secretário de Estado. Bons parceiros Segundo o responsável português, “a rede diplomática portuguesa estende-se a Pequim, Macau, Xangai e Cantão e ainda há três centros da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] em território chinês. Em 2019, um quarto centro da AICEP será aberto, em Cantão”. Brilhante Dias destacou o carácter único e distintivo que Macau trouxe para as relações sino-portuguesas. Igualmente presente na conferência, o embaixador da China em Portugal, Cai Run, destacou “a confiança mútua” e um relacionamento saudável com Portugal. Com a assinatura do acordo de Parceria Estratégica Global, em 2005, as relações entre os dois países, segundo o embaixador, entraram “numa via expressa”. Cai Run destacou o aprofundamento das relações económicas e comerciais com Portugal, com uma “cooperação pragmática” que deve ser aprofundada neste sector e noutros, como o ensino de línguas, cultura, entre outras áreas. “Actualmente, há 30 universidades chinesas que ensinam português e 21 centros portugueses que ensinam chinês”, sublinhou o embaixador. O diplomata recordou ainda que em Dezembro de 2018, durante a visita do Presidente chinês Xi Jinping a Portugal, os dois países assinaram 17 acordos, nomeadamente um memorando de entendimento sobre a cooperação no quadro da chamada “Rota da Seda”. Lançada em 2013, por Xi Jinping, o projecto de infra-estruturas internacional ‘Uma Faixa, Uma Rota’ ou ‘nova rota da seda’, inclui a construção de portos, aeroportos, auto-estradas, centrais elétricas ou malhas ferroviárias ao longo da Europa, Ásia Central, África e sudeste asiático. A iniciativa é vista como uma versão chinesa do ‘Plano Marshall’, lançado pelos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, e que permitiram a Washington criar a fundação de alianças diplomáticas e militares que perduram até hoje.
Hoje Macau ReportagemPortugal-China, 40 anos | As peripécias que levaram Ramalho Eanes a Pequim em 1985 O estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a China, há 40 anos, e a preparação das negociações sobre o futuro de Macau estiveram envoltas em peripécias e obrigaram o então Presidente da República a deslocar-se a Pequim [dropcap]E[/dropcap]m 8 de Fevereiro de 1979, o embaixador de Portugal em Paris, António Coimbra Martins, e o homólogo chinês, Han Kehua, assinaram na capital francesa o acordo sobre o estabelecimento das relações diplomáticas. O acordo diplomático previa também que Portugal reconhecia a soberania chinesa sobre Macau e que o futuro do território seria alvo de negociações entre os dois países num momento considerado oportuno. O antigo chefe de Estado António Ramalho Eanes (1976-1986) recordou, em entrevista à Agência Lusa, o processo de aproximação entre os dois países. “Houve algumas peripécias que demonstram bem quanto os chineses são prudentes (…). Depois de concluídas as negociações, depois de aprovado o texto final, que era do meu conhecimento, obviamente do conhecimento [do Ministério] dos Negócios Estrangeiros e do primeiro-ministro, Mota Pinto, na véspera da assinatura do tratado, o Governo, o professor Mota Pinto, propôs quatro alterações, o que naturalmente muito me surpreendeu e surpreenderia certamente os chineses e eu fiquei convencido que os chineses diriam pura e simplesmente, não”, contou. Sem especificar que alterações eram, Eanes lembrou que os chineses disseram que sim a três e não a uma, mas depois “estranhamente, o Governo português resolveu dizer que não, nenhuma das alterações propostas deviam ser consideradas, mas tinham uma outra… e os chineses aceitaram tudo isto pacificamente”. A negociação decorreu “de uma maneira que eu não esperava e acabámos por estabelecer o acordo que restabelecia as relações diplomáticas entre Portugal e a China”, recordou. Passo em falso Ramalho Eanes, 84 anos, o primeiro Presidente eleito em democracia, disse estar convencido de que os chineses “terão chegado à conclusão que aquilo eram pequenos pormenores que teriam mais a ver com a política interna do que propriamente com as relações entre Portugal e a China”. Em 1983, o então vice-primeiro-ministro, Mota Pinto, deslocou-se à China e foi abordado no sentido de que Portugal considerasse a hipótese de se abrirem negociações para a devolução de Macau, tendo-se comprometido que respeitariam os interesses de Portugal em Macau. Segundo Ramalho Eanes, o vice-primeiro-ministro “concordou e aceitou” estes princípios. No entanto, disse Ramalho Eanes, no ano seguinte, em 1984, o primeiro-ministro, Mário Soares, foi ao Japão e declarou à agência noticiosa France Presse: “bom, Macau há de ser devolvido à China, mas a gente há de estabelecer a data lá para dois mil e tal”. “De imediato, o embaixador da China pediu para ser recebido por mim e perguntou-me o que é que aquilo significava, se aquilo representava uma alteração significativa da posição assumida por Portugal, se Portugal não respeitava ou não respeitaria aquilo que estava acordado em conjunto e eu, que já tinha falado com o primeiro-ministro, disse-lhes que não estivessem preocupados porque aquilo era um erro de interpretação”, recordou. Estas declarações de Soares não deixaram o chefe de Estado tranquilo e Ramalho Eanes foi à China em 1985, sabendo que seria “uma visita politicamente muito complicada”. Eanes pretendia transmitir às autoridades asiáticas que desde a “história das alterações sem significado no dia antes à assinatura oficial do acordo”, em 1979, até às afirmações de Mário Soares, em 1984, não se tinha modificado “em nada a posição portuguesa”. “Portugal tinha assumido compromissos, Portugal era responsável, Portugal ia assumir os compromissos, foi esse objectivo de dizer à China que estivesse descansada, que Portugal era um país sério, enfim diplomaticamente sério”. Conversa com Deng O antigo Presidente da República contou que quando se encontrou com o líder chinês em Maio de 1985, em Pequim, lhe falou na importância de a sociedade civil justificar que a população se pronunciasse em eleições. “Ele sorriu como quem diz ‘eu estou a perceber’ e disse-me: ‘sabe que nas pequenas comunidades e em várias áreas da China há eleições, o partido apresenta o seu candidato, mas os cidadãos podem apresentar outros candidatos”, contou Ramalho Eanes, que era Chefe de Estado quando os dois países estabeleceram relações diplomáticas. O general Eanes referiu que no Ocidente não se conhece esta situação e que Deng lhe explicou que “o Presidente [norte-americano Jimmy] Carter mandou para [a China] observadores e ninguém referiu isso”. Por isso, “a China não é como nós julgamos, um regime totalitário ‘tout court’”, concluiu Ramalho Eanes.
Andreia Sofia Silva EntrevistaJoão Amorim: Protocolo com IC foi “empurrãozinho político” [dropcap]Q[/dropcap]ue balanço faz dos 30 anos de existência da FO? rinta anos é muito tempo e obviamente que o balanço é positivo. A fundação foi criada a partir de Macau e, na década de 90, criámos as delegações de Macau e da Índia. Criámos depois a delegação em Timor-Leste e em 2008 conseguimos criar o nosso projecto, que foi pensado e construído ao longo de dez anos: o Museu do Oriente. Foi algo que nos trouxe uma nova visibilidade aqui [em Portugal], porque até aí não tínhamos um local próprio para poder mostrar as nossas colecções e desenvolver outras actividades culturais. Houve então um novo fôlego? Sim. Em Macau, houve uma certa mudança de estratégia, não muito acentuada, entre a Administração portuguesa e chinesa, e mantivemos actividades ligadas ao ensino do português. O ensino do português é algo a que estamos ligados desde o princípio, em Macau, Índia e mais recentemente em Timor. A nível cultural desenvolvemos as nossas actividades nessas delegações e aqui em Lisboa temos o museu, que é um organismo vivo. Temos um programa de espectáculos, fazemos muitas conferências, workshops. O nosso centro de documentação funciona para dar apoio a investigadores. A criação da FO esteve envolta em alguma polémica. 30 anos depois, esse capítulo está encerrado? Não diria que a criação esteve envolta em polémica. Houve alguma no período que antecedeu a transição de Macau, e resolveu-se o problema com o Grupo de Ligação Luso-Chinês. A FO sempre foi portuguesa, mas o pensamento dos chineses não era exactamente igual ao nosso e foi necessário negociar o estatuto da FO em Macau, já que em Portugal nunca esteve em causa. Esse período coincidiu com a minha passagem por aí, na qualidade de responsável pela delegação, e foi, diria, muito interessante. Tudo se resolveu bem, tivemos que fazer umas escolhas, mas foi bom resolvermos isso com um acordo entre as duas partes, porque potenciou a continuação da ligação da fundação à China. Sinal disso é que mantemos, desde 1998, o protocolo com o Ministério da Cultura da China. Foi assinado recentemente um protocolo com o Instituto Cultural (IC). Porquê tanto tempo para assinar um acordo desta natureza? Que actividades serão desenvolvidas? Não fazia muito sentido termos um protocolo de cooperação cultural com a China e não termos com Macau. Demorou muito tempo, mas também as duas partes não tinham pensado nisso de modo muito activo. Há uns dois anos, com a visita do secretário a Portugal [Alexis Tam], ficou decidido que faria todo o sentido. O protocolo abre as portas para uma colaboração mais institucionalizada, e o que vamos fazer cabe agora às duas partes. Vamos propor actividades de Macau em Portugal e vice-versa, e queríamos explorar parcerias com os museus de Macau. O protocolo é mais um empurrãozinho político. Uma questão formal que estava por concretizar. Tem significado político e é importante continuarmos as boas relações que temos com Macau. É continuar o trabalho que tem vindo a ser feito. Daqui a semanas o presidente Xi Jinping estará em Lisboa. Está prevista alguma visita ao Museu do Oriente? Não fomos contactados para esse efeito. Fizemos alguns contactos para a realização de eventos ligados à visita do presidente, nomeadamente o lançamento de um livro do próprio presidente chinês. Por uma questão de espaço, o lançamento será feito no Palácio Nacional da Ajuda. Com esta visita talvez se fortaleçam investimentos e relações político-económicas entre os dois países, e dá-me impressão que o Governo português acordou agora para essa realidade. Sobre a delegação da FO em Macau, quais os planos para o futuro? Prevêem-se mudanças no modelo de funcionamento? Em equipa que ganha não se mexe. É natural que daqui a um ano ou assim possamos fazer uma avaliação do trabalho e, eventualmente, explorar novas coisas. Mas nesta matéria não há muito a inventar. A gestão da fundação é bastante descentralizada, e as delegações podem propor o que acham melhor e nós aqui analisamos.
Hoje Macau EventosNova associação pretende promover “compreensão e amizade” entre Portugal e China [dropcap]A[/dropcap] Associação Portuguesa dos Amigos da Cultura Chinesa, apresentada hoje, pretende “promover a compreensão e a amizade” entre Portugal e China, que, em 2019, assinalam 40 anos do restabelecimento das relações diplomáticas. A presidente da Associação Portuguesa dos Amigos da Cultura Chinesa, Wang Suoying, ressalvou a importância da associação para “divulgar em Portugal a língua e a cultura chinesas” e sublinhou que os dois países, com uma ligação secular, “estão unidos por uma faixa, por uma rota”, em alusão à Nova Rota da Seda. O atual traçado oficial das novas rotas da seda é um movimento de globalização de Pequim e contempla múltiplas oportunidades no comércio para Portugal, através da sua vocação europeia e atlântica. “A associação tem o objetivo de criar, promover e desenvolver atividades de caráter cultural, desportivo, recreativo e social que contribuam para dignificar o prestígio e a divulgação da cultura e língua chinesas”, referiu Suoying, no Centro de Intercâmbio Cultural Molihua, em Lisboa. A dirigente, que assinalou também a importância de a associação estabelecer colaboração para as comemorações em 2019 dos 20 anos da transferência de administração de Macau para a China, vincou que a nova organização pretende, também, promover “todas as formas de intercâmbio cultural, social, educacional e formativo e de solidariedade social entre Portugal e China”. Depois da cerimónia de apresentação da associação, antecedida pelo recital de “Guzheng”, pela jovem de 10 anos Humag Lirong, foi lançado o livro “Obras Corais em Mandarim”, de Carlos Santos Silva, e assistiu-se à atuação do Coro Molihua.
Hoje Macau China / ÁsiaMNE | Relações com Pequim atravessam um momento “particularmente auspicioso” [dropcap]O[/dropcap] ministro dos Negócios Estrangeiros português destacou hoje, em Pequim, o momento “particularmente auspicioso” nas relações com a China, numa deslocação que serviu para preparar a visita do Presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal. Antes da visita a Pequim, Augusto Santos Silva esteve em Macau onde reuniu, entre outras entidades, com Chui Sai On, Chefe do Executivo. “As relações entre os dois países atravessam um momento particularmente auspicioso”, disse Augusto Santos Silva a Yang Jiechi, membro do Gabinete político do Comité Central do Partido Comunista Chinês, durante um encontro em Zhongnanhai, sede oficial do governo chinês, a oeste da Cidade Proibida. O responsável português garantiu que a visita de Xi a Portugal, agendada para 04 e 05 de dezembro, “será coroada de todo o êxito”. “Vai ser o assinalar da excelência das relações políticas e diplomáticas entre os nossos países, assim como do desenvolvimento da relação económica entre Portugal e a China”, afirmou Santos Silva, no mesmo dia, durante uma reunião com o homólogo chinês, Wang Yi. “É uma visita à qual damos muitíssima importância”, afirmou. Augusto Santos Silva agradeceu ainda o apoio da China às candidaturas de António Guterres, para secretário-geral das Nações Unidas, e António Vitorino, para diretor-geral da Organização Internacional das Migrações. A última visita de um chefe de Estado chinês a Portugal foi em 2010, na altura Hu Jintao. Entretanto, a China tornou-se um dos principais investidores em Portugal, comprando participações em grandes empresas das áreas da energia, seguros, saúde e banca, enquanto centenas de particulares chineses compraram casa em Portugal à boleia dos vistos ‘gold’. Em 2017, as trocas comerciais entre os dois países fixaram-se nos 5,60 mil milhões de dólares, com as exportações chinesas a somarem 3,48 mil milhões de dólares e vendas de Portugal à China a ascenderam aos 2,12 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 34,69%. Em declarações à agência Lusa, Santos Silva revelou que as negociações para autorizar a exportação de carne de porco para a China estão na “fase final”. “Já foi realizada uma missão técnica chinesa, para verificar in loco, em Portugal, a conformidade dos matadouros portugueses envolvidos nesta operação com as respetivas normas sanitárias. Do nosso lado também já enviamos os documentos necessários, para que as autorizações possam ser concluídas”, disse. A China é o maior consumidor do mundo de carne de porco, que é parte essencial da cozinha chinesa, compondo 60% do total do consumo de proteína animal no país O ministro português considerou que a “abertura do mercado chinês significará um incremento qualitativo do valor” das exportações agroalimentares, acrescentando que “abrirá certamente o caminho para outras exportações em áreas em que a agricultura portuguesa é muito competitiva, como a área das frutas”.
Andreia Sofia Silva PolíticaDireitos Humanos | MNE português reiterou diferenças entre Portugal e a China O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, foi informado da saída dos juristas Paulo Cardinal e Paulo Taipa do hemiciclo, mas defendeu que, caso fizesse comentários, seriam “ilegítimos e inapropriados”. Na visita a Macau, Santos Silva lembrou que, em matéria de direitos humanos, Portugal e China não convergem [dropcap]P[/dropcap]ortugal opta por não reagir à saída dos juristas portugueses Paulo Cardinal e Paulo Taipa da Assembleia Legislativa (AL), na sequência da não renovação dos contratos. Em conferência de imprensa, no âmbito da visita oficial a Macau que terminou ontem, Augusto Santos Silva, ministro português dos Negócios Estrangeiros, não quis fazer comentários. “Estou informado. É uma prerrogativa e uma responsabilidade própria da AL proceder às renovações ou não desses contratos. Devo dizer que não aceitaria que uma autoridade da RAEM se pronunciasse sobre decisões soberanas da Assembleia da República portuguesa, em matéria de contratação de pessoal, e também não sou eu que farei comentários, pois seriam ilegítimos e inapropriados, sobre a política de contratações da AL.” Questionado sobre a tendência de diminuição dos quadros portugueses na área jurídica, Augusto Santos Silva defendeu que a Lei Básica deve ser sempre cumprida. “Sobre a situação desses dois concidadãos, tal como outros, têm direito à protecção consular e tal não foi pedido. Quanto à evolução profissional dos cidadãos portugueses em Macau, o que interessa é que os termos da Lei Básica sejam cumpridos por todos.” A vinda do ministro a Macau ficou marcada por um almoço de trabalho com o Chefe do Executivo, Chui Sai On, bem como por reuniões com empresários locais e um encontro com a comunidade portuguesa. Na bagagem, Santos Silva leva um acordo assinado com o Governo que incide sobre cinco projectos comuns de cooperação nas áreas de economia, educação, ciência e tecnologia. Especificamente, é objectivo apostar na cooperação na área da defesa dos consumidores, “na intensificação da presença de empresas portuguesas em Macau”, na criação de um fundo comum destinado a apoiar projectos na área da ciência e tecnologia (a lançar até ao final do ano) e também no âmbito da mobilidade no ensino superior e reconhecimento recíproco de graus académicos. O ministro visitou também a Escola Portuguesa de Macau (EPM), onde ouviu e declamou poemas, ”algo bom para manter a sanidade mental”. E agradeceu o facto das autoridades de Macau financiarem a escola, tratando-se de “um sinal muito concreto do empenhamento das autoridades macaenses na preservação da herança portuguesa e na difusão da língua”. Marcelo na China A visita oficial serviu também para preparar a visita de Xi Jinping a Lisboa, que acontece nos dias 4 e 5 de Dezembro, tendo Augusto Santos Silva adiantado que Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República portuguesa, irá retribuir o gesto diplomático. “O relacionamento político-diplomático entre os dois países está ao seu mais alto nível e a consequência lógica será a retribuição, num futuro próximo, por parte do nosso Presidente, da visita que agora teremos a honra de receber.” Augusto Santos Silva também mostrou vontade do restabelecimento da rota aérea entre Pequim e Lisboa, e até entre Xian e Lisboa, um projecto que ainda não foi concretizado. “Esperamos que essa suspensão seja temporária e que essa ligação seja retomada. Sabemos que a mesma companhia coloca a hipótese de constituir outra ligação directa com outra cidade chinesa, não temos nenhuma objecção a que essa ligação exista, bem pelo contrário.” Diferenças à parte No que diz respeito às relações Portugal-China, está a ser preparado um memorando de entendimento no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”, centrada no investimento de infra-estruturas, mas o ministro não referiu se será assinado aquando da visita de Xi Jinping a Lisboa. Augusto Santos Silva também disse esperar que a ligação ferroviária no âmbito de “Uma Faixa, Uma Rota” chegue até Lisboa ou Sines. Aliás, neste capítulo importa salientar que está também em curso um projecto de expansão do Porto de Sines. “Só saberemos onde vão amarrar as ligações marítimas e ferroviárias quando o mapa de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ estiver plenamente desenhado, e isso está em curso. Um dos instrumentos desse desenho é um memorando de entendimento entre a RPC e Portugal. Já falta pouco, faltam algumas semanas, para sabermos se Portugal se associa a esta iniciativa e em que termos o faz.” Apesar das relações diplomáticas entre os dois países estarem de vento em popa, o ministro esclareceu que há diferenças profundas entre Portugal e a China. “Os direitos humanos encaixam-se na parte em que nós não convergimos. A nossa posição é absolutamente clara: nós convergimos com a RPC na defesa da importância de enfrentar as alterações climáticas, de promover o desenvolvimento sustentável, de apoiar realmente o desenvolvimento dos países africanos, de criar parcerias norte-sul que possam favorecer esse desenvolvimento, preservar o multilateralismo. Temos áreas em que estamos muito próximos e distantes, Portugal é um país farol e é um país bandeira quanto à luta internacional pela eliminação da pena de morte. Podia dar outros exemplos, este chega”, rematou.
Hoje Macau PolíticaVisita MNE | Portugal e China ultimam acordo sobre infra-estruturas [dropcap]P[/dropcap]ortugal e a China estão a ultimar um memorando de entendimento no âmbito da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, centrada no investimento de infra-estruturas, anunciou em Macau o ministro dos Negócios Estrangeiros português. Augusto Santos Silva não adiantou se este memorando pode vir a ser assinado durante a visita oficial do Presidente chinês Xi Jinping a Portugal, anunciada para 4 e 5 de Dezembro, sendo que mais de três dezenas de Estados já assinaram acordos de cooperação relevantes com a China no quadro deste projecto. Em Macau, onde realiza uma visita oficial, o governante sublinhou o interesse de Portugal em contribuir na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, proposta em 2013 pelo Presidente chinês e que tem como objectivo reforçar as ligações e dinamizar o comércio entre várias economias da Ásia, do Médio Oriente, da Europa e de África, através do investimento em infraestruturas. Santos Silva destacou a importância do porto de Sines, que considera estratégico do ponto de vista de ligação aos continentes africano, americano e da conectividade euro-asiática, num momento em que o Governo português se prepara para lançar um concurso internacional que garanta o alargamento do terminal de contentores, actualmente gerido por uma empresa de Singapura. “É um porto de águas profundas, o porto europeu mais perto do Canal do Panamá, com uma mais-valia logística já que permite o ‘transshipment’, uma operação que permite poupar muito tempo e custos, que tem crescido a uma taxa muito interessante”, acrescentou. As importações intermediadas pelos portos comerciais do Continente português atingiram em 2017 um valor recorde, destacando-se o contributo do porto de Sines, com uma quota de 56,1%, e registando uma evolução média anual de 9,4% nos últimos cinco anos. As declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros foram realizadas numa conferência de imprensa no Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, após uma reunião entre empresários e conselheiros da comunidade portuguesa.
Hoje Macau PolíticaVisita MNE | Marcelo Rebelo de Sousa visitará China em breve [dropcap]O[/dropcap]ministro Augusto Santos Silva indicou que a visita de Xi Jinping a Portugal vai ter lugar a 4 e 5 de Dezembro e que o Presidente da República vai “retribuir brevemente” a deslocação do líder chinês com uma visita de Estado à China. As declarações de Santos Silva foram realizadas no final da 5.ª Reunião da Comissão Mista Macau-Portugal, que decorreu na sede do Governo de Macau, numa conferência de imprensa na qual só foi permitido colocar uma questão ao ministro, que chefiou a delegação portuguesa, e ao chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Chui Sai On. Nos últimos anos tem-se verificado “uma intensidade no relacionamento político e diplomático”, sublinhou o governante português. “Esperamos ansiosamente a visita de Estado do Presidente chinês Xi Jinping a 4 e 5 de Dezembro”, acrescentou. Augusto Santos Silva adiantou ainda que o Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, vai estar em Novembro na China. O ministro dos Negócios Estrangeiros chefia uma delegação numa visita oficial à China que teve início na sexta-feira e termina no domingo. A delegação inclui o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, o embaixador de Portugal em Pequim, José Augusto Duarte, o director-geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Pedro Costa Pereira, e o presidente do conselho de administração da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Luís Castro Henriques. Ontem Santos Silva co-presidiu à 5.ª Reunião da Comissão Mista Macau-Portugal, para analisar os resultados das relações bilaterais e perspectivar o aprofundamento da colaboração entre a RAEM e Portugal.
Andreia Sofia Silva China / Ásia MancheteRelações China-Portugal | Tese conclui que Portugal não tem estratégia definida A 9 de Dezembro de 2005 Portugal e a China assinavam a Parceria Estratégica Global, um documento que marcou uma nova fase das relações bilaterais após a transferência de Macau. Pedro Galinha, antigo jornalista em Macau e autor da tese de mestrado sobre o tema, concluiu que falta aos portugueses uma estratégia concreta e que o investimento chinês no país não gerou mais emprego. O Fórum Macau é burocrático e dependente da China, aponta o autor [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á muito que se fala das relações diplomáticas entre Portugal e a China, sobretudo desde que as empresas chinesas começaram a investir no país. Contudo, não existia, até à data, um trabalho de investigação sobre a Parceria Estratégica Global, acordo de cooperação assinado em 2005. Pedro Galinha, antigo jornalista em Macau, defendeu há semanas na Universidade Nova de Lisboa a tese de mestrado “China e Portugal: Dez Anos de Parceria Estratégica Global”, que veio colmatar essa lacuna. A tese analisa o período de relações entre o momento em que foi assinado esse documento, a 9 de Dezembro de 2005, e o ano de 2015. “A Parceria Estratégia Global actualizou a relação bilateral sino-portuguesa, que tinha perdido dinamismo após a transferência de administração de Macau”, adiantou ao HM Pedro Galinha. Uma das conclusões deste trabalho prendem-se com a ausência de uma estratégia concreta da parte do Governo português entre 2005 e 2015, por contraste com os investimentos em áreas estratégicas que os chineses têm vindo a fazer. “A nível político e diplomático, cerca de 30 responsáveis de topo dos dois países fizeram visitas oficiais. Representantes de províncias e municípios chineses, como Guizhou, Zhejiang, Hubei, Guangdong, Pequim e Xangai também estiveram em Portugal. Este aspecto pode levar a que Portugal se direccione para áreas específicas da China. Mas para isso é preciso uma estratégia, que continua a ser quase inexistente”, conclui o autor. Nesse sentido, Pedro Galinha considera que “seria bom explorar, cada vez mais, as redes de empresários chineses radicados em Portugal, que têm ligações às regiões de origem e até desempenham cargos em conselhos consultivos”. O autor da tese de mestrado conta que decidiu partir para a investigação dada a inexistência de estudos sobre esta matéria. “É necessário criar um debate e massa crítica para as questões da China. Seria essencial promover as relações sino-portuguesas e, em concreto, a Parceria Estratégica Global a diferentes níveis: empresarial, cultural e académico”, contou. Na conclusão da dissertação lê-se que, para Portugal, “a entrada de capital chinês cumpre uma necessidade imediata de liquidez”, dada a crise económica que levou à venda de capital de empresas públicas como a REN ou a EDP. Além disso, “é apontada a falta de reciprocidade, isto é, a dificuldade das empresas portuguesas em aceder ao mercado da República Popular da China (RPC)”. Do lado chinês a postura é totalmente diferente. Luís Amado, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal por um longo período de tempo entre 2005 e 2015, disse ao autor da tese que constatou “uma consistente e progressiva ambição” da China face a Portugal. “Isso é fruto de uma estratégia, assente em políticas centrais, como a internacionalização das empresas privadas ou estatais. Os interesses chineses em Portugal estão alinhados com as directrizes do Ministério do Comércio da China: energia, ambiente, seguros e saúde. Aqui, vemos a diversificação do investimento no estrangeiro, em áreas que correspondem ao interesse interno chinês”, explicou Pedro Galinha. O trabalho de investigação concluiu também que “as aquisições e fusões de empresas europeias por grupos chineses configuram uma estratégia de médio-longo prazo, diferente do peso do turismo ou da compra de imóveis”. O autor não deixa, no entanto, de notar o surgimento de algumas estruturas associativas que tentam promover as relações entre Portugal e a China. “O número de associados da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa tem crescido. Há ainda espaço para o surgimento de estruturas como a Associação de Jovens Empresários Portugal-China.” Há, no entanto, uma lacuna na área cultural, sobretudo na área da sinologia, observa o autor. “O Observatório da China vai desenvolvendo algum trabalho, mas, por outro lado, deixou de ser organizado o Fórum Internacional de Sinologia, após a morte da investigadora e principal impulsionadora da iniciativa, Ana Maria Amaro.” Investimento sem mais emprego Os anos de uma crise económica mais acentuada que se viveram em Portugal tiveram algumas consequências nos resultados práticos da implementação da Parceria Estratégica Global. “É muito difícil estabelecer uma relação causa-efeito entre a assinatura da Parceria Estratégica Global e o aumento do investimento chinês em Portugal. A crise financeira foi o factor-chave nesse fenómeno”, concluiu Pedro Galinha. Isto apesar das “empresas chinesas terem apresentado as propostas mais vantajosas, o que, de certa forma, legitimou a entrada no mercado português”. Apesar dos inúmeros e estratégicos investimentos efectuados, estes não se traduziram em mais postos de trabalho em Portugal, que continua a sofrer com uma elevada taxa de desemprego. “É visível que os investimentos não corresponderam a mais emprego em Portugal. Essa é uma área que deve ser aprofundada a um alto nível”, frisou Pedro Galinha. O autor, que alerta para o facto do Porto de Sines “se perspectivar como o grande dossiê no futuro”, defende que “os responsáveis políticos portugueses devem procurar captar investimento em indústrias transformadoras ou na agricultura”. Uma relação “sem atritos” Para analisar a posição da China no contexto da relação com Portugal, Pedro Galinha consultou uma publicação anual do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China “que detalha o estado das relações com os vários Estados”. “Pequim tem reafirmado a importância e o interesse em aprofundar a Parceria Estratégica Global sino-portuguesa, reconhece o sucesso do processo de transferência de poderes de Macau, refere-se a Portugal como potência histórica e ponte para a lusofonia.” Contudo, para que esta relação bilateral funcione, é “absolutamente essencial a inexistência de atritos”. “Ao longo do tempo Portugal tem reafirmado a defesa do princípio de ‘Uma só China’”, acrescentou Pedro Galinha. “Não constituem polémica os temas mais sensíveis na relação com a União Europeia, como os direitos humanos, a situação no Tibete ou a autonomia de Taiwan. Isto deveu-se à não interferência dos sucessivos Governos portugueses nas questões internas da RPC”, lê-se na conclusão. O embargo das armas Pedro Galinha fez ainda referência a questões como o embargo de armas da União Europeia à China, e que não tem sofrido qualquer desenvolvimento. “Persistem questões como o embargo de armas à RPC, que vigora desde 1989, e o estatuto de economia de mercado da China. No texto da Parceria Estratégica Global Lisboa declarou apoio para discutir os temas, mas ainda não foi atingido qualquer resultado”, aponta. O autor adianta também que “é possível afirmar, através deste tipo de acordo, que Pequim tenta enfraquecer a existência de uma frente unida europeia”. “Procura evitar posições coordenadas em assuntos sensíveis, que também se estendem à implementação dos pactos internacionais em matéria de direitos humanos”, lê-se ainda na conclusão da tese. Ao assinar com a China a Parceria Estratégica Global, Portugal adquiriu “uma posição de realce, visto que é o nível mais elevado, atribuído por Pequim, numa relação bilateral ou multilateral”, lê-se na conclusão da tese de mestrado. O documento levou a “uma actualização do relacionamento notória, com o alargamento da cooperação nas áreas político-diplomática, comercial e de investimento”. Houve ainda uma intensificação dos contactos bilaterais “visível no aumento do número e estatuto das visitas de alto nível”. Contudo, antes de 2005 as relações dos dois países sofreram altos e baixos. Primeiro, Portugal não reconheceu a República Popular da China quando esta foi estabelecida, em 1949, tendo reatado a relação com o país em 1979. Entre essa data e 1999 “o futuro da administração de Macau e a negociação dos termos da transferência de poderes dominaram os contactos”. Depois de 1999, e antes da assinatura da Parceria Estratégica Global, só a criação do Fórum Macau, em 2003, foi um marco importante. “Fórum Macau está à mercê da iniciativa chinesa” Apesar da tese de mestrado não se focar no funcionamento do Fórum Macau, como o próprio autor faz questão de frisar, a verdade é que no contexto da Parceria Estratégica Global a entidade sediada na RAEM assume importância. “Apesar de Portugal ter know-how nas áreas referidas [educação, formação, agricultura], o Fórum Macau está à mercê da iniciativa chinesa. Os resultados do Fórum Macau são de difícil mediação, já que as relações de cada Estado-membro com a RPC antecedem o surgimento desta plataforma multilateral”, aponta o autor na conclusão da dissertação. Ainda assim, Pedro Galinha assume que “o principal papel que tem [o Fórum Macau] passa pela formação de quadros e pelo intercâmbio de profissionais”. Em relação ao Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, que terá a sua sede transferida de Pequim para Macau, “continua a ser demasiado burocrático e dependente do lado chinês”. Características que também estão associadas “a toda a dinâmica do Fórum Macau”. Pedro Galinha adiantou ainda que Pequim “tem defendido o estabelecimento de cooperações trilaterais, enquadradas no Fórum Macau, com China, Portugal ou Brasil e um país terceiro”. Apesar disso, trata-se de “uma ideia repetida, sem desenvolvimentos”, sendo que, “a confirmar-se, está sempre dependente de Pequim”. “Do lado dos países africanos e de Timor-Leste poderá existir alguma resistência. Já Portugal ou o Brasil não estão muito interessados em passar know-how porque já sentem muita competição chinesa no terreno. Será difícil criar uma convergência de interesses”, concluiu o autor da tese. Transição: “Portugal não protegeu os seus interesses em Macau” Pedro Galinha recorda, na conclusão do seu trabalho académico, que o dossiê Macau acabou por revelar “falta de experiência [da parte de Portugal] para lidar com a China”. Isto após 1987, data em que foi assinada a Declaração Conjunta e em que se iniciou um longo processo de negociações sobre a transição de poderes do território. D.R. “Durante as negociações Portugal não incluiu qualquer representante ou residente de Macau e revelou, mais uma vez, falta de experiência para lidar com a China”, assumiu Pedro Galinha, que lembrou também que, “numa fase inicial dos contactos [a partir de 1979], a parte portuguesa revelou falta de experiência em lidar com as questões da China”. Isto porque “os contactos passaram sempre por Macau. No que diz respeito ao processo de transferência de soberania, Pedro Galinha defendeu que “a postura de Lisboa evitou conflitos, permitindo a Pequim definir a agenda”. “Entre os principais temas que conduziram a um impasse estiveram a data da transferência e a questão da nacionalidade de entre 80 a 100 mil chineses de Macau que possuíam passaporte português. No final, Portugal não protegeu os seus interesses em Macau.” Isto porque “a maior parte dos quadros qualificados nacionais não ficou na máquina da administração e os macaenses não foram apoiados para ocupar cargos de topo antes da transferência de poderes”. Além disso, “o êxodo de outros profissionais também foi uma realidade”, concluiu o autor do trabalho de investigação.