Trump diz que avença a advogado cobria pagamento a actriz porno

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] presidente norte-americano disse ontem que o valor pago ao seu advogado pelo silêncio da actriz porno Stormy Daniels correspondia a uma avença mensal e assegurou que não foi usado qualquer dinheiro da campanha eleitoral.

Donald Trump escreveu no Twitter que o seu advogado Michael Cohen recebia uma avença mensal através do qual pagava “um contrato privado entre duas partes, conhecido como acordo de confidencialidade” e que era usado para impedir “as acusações falsas e extorsionárias” da actriz sobre a relação que mantiveram.

As declarações de Trump surgem depois de o ex-presidente da Câmara de Nova Iorque Rudy Giuliani ter dito numa entrevista à estação de televisão Fox News, que Trump “reembolsou” o advogado pelo pagamento dos 130 mil dólares acordado com a actriz de filmes pornográficos, numa aparente contradição com as alegações anteriores do presidente de que desconhecia a origem do dinheiro.

“Pelo que sei, Trump não conhecia os detalhes, mas tinha conhecimento de que havia a possibilidade de um acordo e que Michael (Cohen) ia encarregar-se do assunto”, disse ainda Rudy Giuliani.

Stormy Daniels e Donald Trump enfrentam-se num processo judicial desde que, no princípio do ano, foi publicado na imprensa que Cohen fez um pagamento à actriz antes das presidenciais norte-americanas em 2016. Supostamente, o pagamento terá sido efectuado para que Stormy Daniels não revelasse a relação sexual que manteve com Trump em 2006, pouco depois do casamento com a actual primeira dama dos Estados Unidos, Melania Trump.

A transacção pode configurar como violação das leis norte-americanas sobre financiamento eleitoral, caso se considere que o pagamento teve como finalidade manter a imagem de Trump, como candidato, num momento especialmente delicado da campanha. Giuliani afirmou na entrevista à Fox News que o pagamento não transgrediu a lei eleitoral, porque o montante referido não saiu das contas da campanha do Partido Republicano.

No início de 2018, Stormy Daniels, nome artístico de Stephanie Gregory Clifford, 39 anos, recorreu aos tribunais para renunciar ao pacto, um litígio judicial que ainda não foi resolvido.

O advogado Michael Cohen pediu, entretanto, uma quantia milionária à actriz por não cumprimento do pacto de confidencialidade ao tornar pública a ligação que, supostamente, manteve com Donald Trump.

 

4 Mai 2018

Toque

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual é o maior órgão do corpo responsável pelo prazer? A pele. Acho que esta pergunta já foi usada em tom de anedota – não tenho muito jeito para anedotas – mas as palavras ‘prazer’ e ‘grande’ leva a pensarmos em formas fálicas, muito naturalmente.

Temos a pele como a estrutura que nos protege do mundo exterior e a que conduz as mais variadas sensações, sejam elas de dor ou de prazer. No sexo, este prazer do toque é central para uma união sexual mais inteira, mas todos estão convidados a discordar. Desde cedo que aprendemos que os órgãos genitais estão no centro do prazer sexual sem reflectir acerca das periferias do corpo e o seu contributo. Quem tem fetiches particulares provavelmente terá uma noção mais alargada do sexo – para além dos seus genitais. A pele tem um papel importante nisto, ou por outra, o toque subtil ou violento estimula os nossos centros de prazer de forma mais integrada para quiçá, um bom preliminar ou um bom orgasmo.

Temos o toque tão garantidamente presente. Quando nos privamos do toque enlouquecemos. Não me refiro somente ao contexto sexual, mas em tudo das nossas vidas. Quando é que sentiram que um abraço com o toque de um corpo com o outro poderia fortalecer o sentido de ser, um sentido de ligação quando estamos particularmente sozinhos na nossa experiência. Seres intelectuais que somos vivemos preocupados com a nossa mente, preocupamo-nos em viver com a ‘cabeça’, com racionalidade. Esquecemo-nos das sensações do corpo e da pele que a acompanha em formatos mais ou menos do nosso agrado – quem é que se sente totalmente confortável na sua pele? Vão-se perdendo sentidos porque vivemos demasiado agarrados ao passado ou no futuro, nunca no presente.

O sexo vive disso também, de uma sensação de presença temporal que deveria ser obrigatória, e facilitadora pela pele. Prendemo-nos no(s) outro(s) à espera de percebermos mais sobre nós próprios, sobre o nosso corpo e a nossa sensação. Nada de pensar na lista de compras, nas tarefas ainda por fazer, nos problemas familiares ou num outro qualquer macaquinho na cabeça. Não – deixem-se ir.

Se esta fosse a normal perspectiva do sexo, teríamos pessoas mais felizes? É provável que sim. Não que seja a solução perfeita para a doença mental, mas ajuda – nascemos sensíveis em todas as pontas do corpo para nos protegermos do perigo, para nos mantermos vivos, para nos sentirmos. Quantas vezes já se queimaram com água a ferver e tiveram a perfeita sensação de alívio por só ser uma pequena área do dedo? O contrário do prazer é a dor, e por mais que nos confundamos com a linha ténue de diferença, o prazer – mais ou menos intenso – ensinou-nos como é que nos tratamos bem. Mas é isso, somos tanto pelo hedonismo simplificado – da mesma forma que se criam robôs hedonistas sensíveis à aprendizagem pelo prazer  – que bem podíamos dar complexidade ao prazer e à sensação, para nos deixarmos de prazer básico, e de consumo rápido.

Queremos o prazer certeiro de roçar de genitais, ou será que queremos perder mais tempo (eu sei, ninguém tem tempo estes dias) a procurar formas de prazer mais sofisticadas, pele com pele, corpo com corpo e mente? Não quero complicar a vida de ninguém, mas se somos seres conscientes com potencial de prazer imenso, porque é que nos acomodamos? Procurem o prazer, conscientemente, lentamente. Compliquem o prazer para descomplicar tudo outra vez.

1 Nov 2017

Do prazer

Time is what you make of it.

Anúncio aos relógios Swatch, 1996

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á muitos tipos de prazeres.

Há os prazeres prazerosos, claro.

Há os prazeres que acarretam algum sofrimento.

E há, também, o prazer da dificuldade. Este, regra geral, decorre de dois aspectos: o trabalho que foi necessário à sua fruição e o facto de esta implicar o encontro com outro – o criador – que trilhou esse caminho, incomum no seio de um tempo de facilitismos.

É esse o prazer que sempre me deram algumas obras de arte. E, a dado momento, quando esse mecanismo está em nós bem oleado, funcionando por si só, sem necessidade de manutenção, esses prazeres tornam-se imediatos, físicos, exactamente como os prazeres menos exigentes.

Blake, Pound, Joyce, Beckett, Lowry, o dadaísmo, o letrismo, etc, cabem, claramente, nesta categoria. (Permitam-me que lhes acrescente um português, quase desconhecido: Alberto Velho Nogueira).

O mesmo acontece, na música, com Kurt Schwitters, Luigi Russolo, John Cage, Luciano Berio, Mauricio Kagel, Frédéric Acquaviva, etc. Ou com o free jazz e a música improvisada. Sem Leroy Jenkins ou Kazushige Kinoshita, sem Derek Bailey ou Hans Reichel, a minha vida seria bem mais pobre e menos prazerosa.

Nas artes visuais, o mesmo sucede com Marcel Duchamp, Joseph Beuys e as suas extensas descendências.

Mas, claro está, estes prazeres não devem excluir o enorme prazer que nos dão a limpidez ascética, preclara, da música de Bach ou de Sainte-Colombe, ou dos versos de Camões, ou a pureza lúdica, essencial, dos pincéis de Raoul Dufy, Miró ou Calder.

Nada nasce de nada. E o sentido das vanguardas funda-se, profunda e solidamente, nas razões destes. Quando não, estamos no território do vómito sem sentido, que, oportunista, sempre alaga algumas frestas das vanguardas. E para esse não deve haver tolerância.

O mesmo acontece com a comida. A grande cozinha de autor é rara. A má cozinha de autor é ridícula. Serve, normalmente, para disfarçar a preguiça. Um grande cozinheiro não tem, necessariamente, de saber fazer uma perdiz à Convento de Alcântara, mas tem, pelo menos, de saber que ela existe e como é feita. Quando não, dêem-me, mil vezes, uma boa sertã de iscas e guardem para os CEOs as espumas e as granitas.

Há, ainda, outro tipo de prazer, que se vai tornando raro neste tempo de seriedades cosméticas, e que é, porventura, o que me cala mais fundo e melhor me individualiza. Falo do diletantismo, do apego a certas artes e ciências sem que se pretenda obter qualquer proveito pessoal que não o esclarecimento da curiosidade e, portanto, sem grandes preocupações estruturais e, sobretudo, sem qualquer remuneração.

Mais uma vez, os britânicos (alguns, claro está) servem-me de exemplo:

O birdwatching, a observação de aves, empenhada e informada, contará no Reino Unido com cerca de um milhão de praticantes.

O mudlarking, esmiuçar das lamas das margens dos rios em busca de antiguidades é, também, uma prática popular, desejavelmente realizada em articulação com arqueólogos e museus, cujas colecções amiúde enriquece.

A malacologia e a lepidopterologia amadoras, a recolha e o estudo de gastrópodes e bivalves e de borboletas, se praticadas conscienciosamente, são actividades extremamente gratificantes.

A filatelia, se saltar do patamar da mera acumulação para o da verdadeira curiosidade organizada, é um instrumento pedagógico valioso. Muito jovem, com ela aprendi, entre muitas outras coisas, boa parte do que ainda hoje sei de geografia política e da sua evolução.

Em todas estas actividades, existe o prazer de ir entendendo cada vez melhor o que se observa e os factores que o determinam, mas, à partida, tudo começa pelo simples prazer da contemplação. Da silhueta de uma pega rabilonga ou de um fragmento de cuspidor em porcelana, das pregas radiantes de uma concha de vieira ou dos padrões laranjas e negros das asas de uma monarca, ou, ainda, de um selo representando qualquer uma das coisas anteriores…

Recordo-me de, quando era miúdo, passar horas a olhar um conjunto de selos das ilhas Ryukyu estampados com belíssimos gastrópodes. E onde seriam as ilhas Ryukyu? Era imperativo esquadrinhar o globo terrestre até dar com elas, e que alegria ao encontrá-las!

Esse fascínio inicial por um objecto ligou-me, ao primeiro encontro, ainda numa ilustração de um livro, a algo que a maior parte das pessoas considerará tétrico, quando não mesmo repugnante — as cabeças humanas mirradas pelos índios jivaros da América do Sul. Trata-se de cabeças de inimigos, a que são retirados os crânios e que tomam então as dimensões de um punho fechado, mantendo, contudo, as suas feições e as longas cabeleiras.

Mais tarde, no Museu da América, em Madrid, e nos fundos do Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, tive a oportunidade de vê-las ao vivo. Que alegria, também então!

A surpresa, o inesperado, sobretudo numa época em que, desde tenra idade, somos bombardeados por informações que nos retiram quase todas as virgindades e, por conseguinte, a probabilidade dessas surpresas, têm um valor intrínseco, nas artes ou em quaisquer outras matérias. Convém, pois, estarmos abertos às surpresas ou deixaremos a vida passar-nos ao lado.

Uma história que ilustra bem este princípio é a seguinte:

Quando Georges Simenon propôs a primeira novela protagonizada pelo Comissário Maigret ao seu editor, Arthème Fayard, este respondeu-lhe:

— Estou disposto a publicar os seus “Maigret”, mas digo-lhe de antemão que não obteremos qualquer resultado. E isso por quatro razões: a) as suas histórias não são técnicas o suficiente; b) não há intriga amorosa; c) não existem nelas personagens suficientemente simpáticas ou antipáticas; d) acabam todas mal.

Os livros de Simenon, e os Maigrets em particular, tornar-se-iam, em breve, dos livros mais vendidos do mundo, para mais com um sem-número de adaptações cinematográficas e televisivas, em diversas línguas. Com os Maigret, Simenon fez-se um homem muito rico e enriqueceu muito os seus editores.

Fayard estava erradíssimo, é certo. Mas, honra lhe seja feita, editou o que lhe era proposto.

24 Out 2017

Extâse

Heddy
Hedy Lamarr tinha 18 anos quando protagonizou o filme Ecstasy em 1933

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]edy Lamarr protagoniza em 1933 o primeiro orgasmo feminino no grande ecrã, e, numa ousadia não-pornográfica, cenas de nudez a correr atrás de um cavalo. Trata-se do filme Ecstasy, filme mudo de uma natureza progressiva surpreendente que leva a jovem actriz de 18 anos a representar a complicada realidade da necessidade sexual e romântica, quando se vê casada com um senhor muito simpático, mas impotente. Pessoalmente, na expectativa pela grandiosidade do momento dito orgásmico, tive que timidamente rebobinar a fita para confirmar se esse era mesmo de um orgasmo que se tratava. Orgasmo discreto. Li algures pelo mundo cibernético que nossa querida Hedy Kiesler (Lamarr, só em Hollywood, para fugir do estigma do seu filme europeu de natureza erótica) sofreu de umas picadas no rabinho provocadas por alfinetes de dama, para atingir a expressão de clímax satisfatória ao realizador. O que nos diz sobre o orgasmo feminino? Nada que não saibamos: uma possível expressão de sofrimento (de expressão somente) parte do imaginário erótico e romântico desde há muito tempo. Apesar do seu já mediatismo em 1933, continua a ser tratado com as suas suposições cliché, com alguma complicação e desconhecimento. Para os homens mais altruístas tratado como uma meta cumulativa, a prova de que o seu envolvimento na actividade sexual satisfaz, para as mulheres, por vezes tratado da mesma forma. Ora isto obriga-me a fazer uma afirmação um tanto ou quanto óbvia: sexo não é orgasmo. É-me incrivelmente difícil não remeter a outras realidades cinematográficas neste tema tão pertinente, e.g., orgasmatron. E ainda mais difícil será não falar do orgasmo masculino, mas desse gostaria de dedicar toda uma outra secção, e ao Woody Allen também.

Lá está, se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino? Teoricamente se desenvolveram algumas ideias sobre o assunto, como a teoria da fidelidade, i.e., quando mais satisfeita com o tal parceiro orgásmico, menor a probabilidade de desenvolver relacionamentos extra-conjugais… Entre outras introspecções teóricas das quais o meu feminismo se queixou um pouco.

Mais complicado nas entranhas do mistério feminino ainda é a diferenciação de Freud entre orgasmo vaginal e clitoriano, ainda desenvolvendo umas ideias das quais me dou autorização de julgar loucas, a mais surpreendente sendo que a inexistência de orgasmos vaginais poderá trazer consequências psíquicas graves, como a tão famosa histeria. Mais controverso e contemporâneo ainda, não é só a ideia do orgasmo vaginal mas a da existência de um ponto G e ademais uma ejaculação vaginal aquando encontrado. É claro que toda esta informação anda à deriva entre o pensamento socio-psicológico científico do século XIX, revistas cor-de-rosa ou cor-de-azul-bebé e da comunidade científica actual. Eu que gosto de pregar o sexo de um entendimento social, considero o orgasmo feminino o resultado directo do constante opinanço entre todos os actores de nível mais ou menos especializado.

[quote_box_right]Se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino?[/quote_box_right]

Parece que é consensual o entendimento do orgasmo clitoriano, o vaginal, nem por isso. Se há quem defenda que não existe, outros usam a expressão com alguma facilidade e legitimidade e com pouco conhecimento sobre o assunto. Na comunidade científica bem que podia existir uma preocupação especial em defini-lo. São muitos os estudos que se baseiam em auto-relatos onde, por isso, a única evidência para a existência do orgasmo de tipo vaginal é a dita participante dizer que os tem. Certo. Sexo com penetração com alguma sorte nos traz um orgasmo, se a causa é de facto uma zona especial no interior das paredes da vagina, o mais provável é que não seja: é o clitóris a fazer o seu trabalho de novo, resultado de uns bons movimentos de anca e as coreografias que a actividade de fazer o amor incita. Há evidência em algumas mulheres (poucas) acerca da existência de uma possível estrutura nervosa dentro das paredes da vagina que de alguma forma se conecta com… o clitóris. Por isso querida Humanidade: no orgasmo feminino a chave está no clitóris, no clitóris e no clitóris.

O interruptor de prazer infindável também conhecido como ponto G, esse já vi referido como o UFO ginecológico. Foram muitas as pessoas que perderam tempo em autópsias para perceber se há uma condição fisiológica para a crença dos tempos modernos. Não há. E agora sinto-me numa daquelas posições estranhas, a destruir fantasias, o irmão mais velho que diz que o Pai Natal não existe. Na verdade nem sei até que ponto as pessoas já sabem disto ou não, mas que a internet está cheia da ideia errada, está. De qualquer forma, não quero de maneira nenhuma menosprezar todo o acto sexual a uma massagem no clitóris, nada disso. Há que atentar a um holismo do sexo, desde preliminares até aos ocasionais mimos pós-coito. O segredo do orgasmo feminino não está tanto na posição geográfica mas de toda a retroalimentação da hormona oxitocina que se exalta das mais variadas maneiras e feitios, de acordo com os desejos de cada um. Existem estudos sobre diferentes tipos de orgasmo que baseiam a sua taxonomia na sensação e intensidade e que variam de acordo com coisas tão simples como ouvir a voz do seu amado, umas fantasias criativas ou outra qualquer taradice, enfim, you name it. Para o lado que o apetite vos virar.

25 Jun 2015