Sofia Margarida Mota Política“De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming” publicado pelo IC “[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming” é o livro de Armando J. G. Sabrosa apresentado recentemente pelo Instituto Cultual (IC) que se baseia “nos dados obtidos através de trabalhos arqueológicos do autor numa abordagem que destaca o processo de transação comercial de porcelanas chinesas ao longo dos séculos XVI e XVII”. A investigação foi realizada recorrendo aos vestígios de peças encontrados enterrados e submersos, “uma área de investigação ainda pouco desenvolvida”, aponta o organismo em comunicado. Entre portos Segundo o IC, os objectos locais, revelam o espólio de “um grande centro exportador de porcelana chinesa, originário tanto de contextos religiosos e nobiliárquicos, como da área mercantil”. Já as peças de Lisboa, reflectem o que chegava a “um grande centro importador e receptor daquelas cerâmicas asiáticas, nomeadamente na zona ribeirinha, no antigo palácio dos Corte-Reais, e na Rua da Judiaria, em Almada”, aponta a mesma fonte. Além dos objectos, “De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming” aborda “o meio de transporte, ou seja, o que liga aqueles dois centros por via marítima: uma das naus da Carreira da Índia, a presumível Nossa Senhora dos Mártires, que, com o porto de destino à vista, naufragou na barra do Tejo com toda a sua valiosa carga”. Armando Sabrosa foi bolseiro do Investigação Académica do IC em 2001. A investigação então realizada deu continuidade aos trabalhos arqueológicos em que participou em Macau, em 1995-96, no Colégio de São Paulo e na Fortaleza do Monte, bem como ao estudo que efectuou sobre o espólio recolhido nas obras dos jardins da Igreja de Santo Agostinho, no mesmo ano. O autor morreu vítima de um acidente, em 2006, deixando um número considerável de manuscritos científicos inéditos ou inacabados. De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming é um destes exemplos.
Diana do Mar EventosFundação Oriente | Exposição de porcelanas da China até ao próximo dia 21 A Fundação Oriente inaugurou ontem uma exposição que tem as porcelanas da China do século XVI até ao XVIII como protagonista. A mostra, do antiquário Luís Alegria, segue depois para Hong Kong e para Pequim [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]para as porcelanas da China do século XVI até ao XVIII que se voltam os holofotes da exposição patente desde ontem e até ao próximo dia 21 na Fundação Oriente. A mostra, composta por mais de 200 peças, chega pelas mãos do antiquário português Luís Alegria, considerado um dos maiores especialistas na área. Cada peça conta uma história e Luís Alegria, no ramo há 38 anos, descreve-as todas minuciosamente, das origens até às características que as tornam verdadeiras preciosidades. A mais valiosa peça da exposição é um conjunto de cinco vasos de porcelana. Luís Alegria explica porquê: “É uma ‘garniture’ para decorar o fogão de sala de um palácio francês que tem a particularidade de reproduzir uma francesa com os trajes exóticos de 1680, retratadas em gravuras dos irmãos Bonnart enviadas na época do rei Luís XIV para a China, onde foram copiadas para decorar estes vasos de porcelana. É uma coisa única, porque não há referência nenhuma de nada europeu no século XVII”. O conjunto – da propriedade de um português – está à venda por 850 mil euros. Outra ‘garniture’ também feita para França, datada do período de Yongzheng (1723-1735) da dinastia Qing, chama a atenção. Em vez do azul e branco, a decoração é em tons “ruby-ground”, existindo um conjunto igual no Museu Metropolitano de Nova Iorque, explica Luís Alegria. Em exposição encontram-se variados tipos de peças de porcelana que remontam a diferentes períodos da dinastia Ming (1368 e 1644) e Qing (1644 a 1912). “As mais antigas em decoração azul e branco são as da dinastia Ming. Na época de Kangxi também há bastante, mas tem outras muito interessantes da família verde que foram encomendadas por França – onde começou esse gosto que acabou por ser copiado por outros países”, salienta o antiquário do Porto. Já na época dos imperadores Yongzheng (1723-1735) e Qianlong (1736-1795) ganha destaque a a decoração da chamada “família rosa”. As primeiras do tipo aparecem no reinado de Yongzheng, indica Luís Alegria, realçando as suas características: “São peças muito detalhadas, com um desenho muito miúdo e delicado a toda a volta e a porcelana muito fina e até quase transparente em alguns casos”. Foi, com efeito, na época de Qianlong que ocorreu “uma explosão enorme da decoração ‘família rosa’, que inundou Portugal e outros países”, com diferentes motivos, desde brasões, a figuras, animais ou barcos, representados com as bandeiras dos países que encomendaram as peças. A “muito importante” vitrine das figuras e animais é, aliás, a próxima paragem da visita guiada. “São talvez as peças mais raras destas dimensões e só existem em grandes colecções”. São do século XVIII – todas do período Qianlong – à excepção de uma e de um par de papagaios, as quais remontam à época de Kanxing. “Há coleccionadores que só coleccionam bichos e só pássaros, pelo que é talvez das colecções mais importantes do mundo porque são coisas muito difíceis de encontrar”, sublinhou. O biombo para Macau Mas nem só de porcelanas se compõe a exposição. A ocupar uma parede inteira encontra-se um imponente biombo em tom encarnado que, diz Luís Alegria, “terá sido feito para Macau”. O biombo, encomendado por Portugal, representa a vida de S. Domingos de Gusmão (1170-1221), fundador da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) e encontra-se escrito em português. “É muito raro encontrar um conjunto completo, mesmo em museu, porque normalmente falta um painel, por exemplo, ou então são aqueles biombos com motivos chineses normais, mas não é o caso”, realçou o antiquário. Também possivelmente feito para Macau foi um jarrão “muito especial” que tem as insígnias da Ordem dos Agostinhos, lado a lado com elementos chineses, como os guardiães do templo. “É uma peça É com uma história extraordinária e praticamente desconhecida nesta época, porque é a primeira vez que se vê uma peça destas do período Kangxi”, explica Luís Alegria. Já na zona dos brasonados ganha protagonismo “uma peça única encomendada para o bispo do Porto. Em causa figura uma terrina que o antiquário português estima ser a única que se encontra fora do Museu Soares dos Reis. Mas a grande particularidade – enfatiza – tem que ver com o facto de ser “a única encomenda de uma cópia da porcelana de Sèvres”. “Os portugueses normalmente mandavam certas peças para os chineses copiarem e eles copiavam coisas ao gosto de cada país. A porcelana francesa de Sèvres era muito requintada naquela época, porque tem um verde muito especial que só os franceses conseguiam fazer. Os chineses conseguiram copiar esta porcelana e esta cor e fazer uma coisa extraordinária. É um serviço muito valioso de facto”, explica Luís Alegria. Na mesma vitrina figuram diversos brasonados portugueses, também considerados “muito importantes”, bem como peças variadas da Companhia das Índias Holandesa, entre outros com motivos europeus, nomeadamente de teor religioso (com o retrato da ressurreição e ascensão de Cristo, por exemplo). “Quase todas estas peças vêm reproduzidas em livros e eu tenho aqui um dossiê com a cópia dos livros que mostram essas peças, o que é uma garantia para as pessoas”, realça o antiquário do Porto. Também “muito raros” são os “refrescadores de copos e garrafas”, porque “estamos a falar do século XVII”, enaltece Luís Alegria. Logo ao lado surge uma “importantíssima” cruz processional italiana, “uma verdadeira peça de museu”, que remonta ao século XV. Outra preciosidade é um par de floreiras da transição de Yongzheng para Qianlong. “Estou há 38 anos no ramo e é a primeira vez que vejo um par intacto, porque normalmente, dado que eram usadas para acolher vasos grandes ou árvores, aparecem partidas. Estão perfeitas”, enfatiza. Mobiliário português A exposição também inclui móveis, destacando-se os que integraram o espólio de dois reis de Portugal. Luís Alegria destaca, em primeiro lugar, o par de mesas D. José I (1750-1777). “Foi uma encomenda única. Não se conhece mais nenhuma em Portugal. Estas mesas, chamadas mesas de encosto, em pau santo, têm um duplo tampo, pelo que funcionam também como mesa de jogo, porque uma das pernas rebate e deita para assentar”. Já junto à entrada da exposição figura uma mesa do tempo do seu antecessor. “Deve ser a melhor que existe em Portugal pelas suas proporções. É uma peça excepcional, também toda em pau santo”, indica Luís Alegria. De acordo com o antiquário trata-se de uma verdadeira preciosidade, dado que, na sequência do terramoto de 1755, do espólio do tempo de D. João V (1706-1750) restou apenas o que estava fora de Lisboa. A mostra inclui ainda outras peças de mobiliário, como cómodas iguais às que existem em palácios reais franceses, contadores (uma espécie de escrivaninha de viagem), candelabros ou quadros. A esmagadora maioria das peças foi encomendada à China, mas há excepções. É o caso de uma tapeçaria encomendada a Bruxelas para a família Mascarenhas em Portugal, para o palácio que existe em Benfica, explica. “Existe outra no Museu Nacional de Arte Antiga. É uma peça catalogada, referenciada no património português e uma das muito poucas a Bruxelas de tapeçarias com armas portuguesas”. Os pioneiros Grande parte das peças foram encomendadas por Portugal – aliás o primeiro a introduzir a porcelana da China na Europa. Assim, explica Luís Alegria, as peças da dinastia Ming “são muito importantes e raras”, dado que foram as primeiras que os portugueses trouxeram da China”. O antiquário dá o exemplo de uma peça na forma de elefante que figura como uma espécie de cantil de porcelana. Em paralelo, há provas no livro do Museu de Istambul de que “fomos os primeiros inclusive a ter peças brasonadas na época Ming”, complementa, referindo-se às peças com armas dos Almeidas. “Há tradição das peças de porcelana brasonadas, mas não desta época”, frisa. Todas as peças, grande parte na mão de particulares, estão para venda, com os preços a oscilar entre 2.000 e 850.000 euros. Esta mostra figura como a primeira grande exposição de Luís Alegria em Macau. Embora trazido ao Venetian, em 2014, uma mostra de pintura moderna, o antiquário entende que “não foi uma grande referência”. Não só porque o local não era o adequado, como o espaço era diminuto. “Em Hong Kong convenceram-nos a vir fazer, mas não tinha nada a ver connosco”, observa. “Queria fazer uma coisa diferente porque gosto muito de Macau e queria ver se funcionava de forma a vir todos os anos”, adianta Luís Alegria. Porquê Macau? “Porque em Macau e na China não há nada disto”, responde, sem hesitações, o antiquário. “Estas peças eram peças de exportação, está tudo na Europa, mas os chineses têm começado a tentar recuperar o seu património, dado que, na sequência de Mao Tsé Tung, a China ficou vazia da sua história”. “Em particular, os museus – e eu vendo para vários chineses –andam à procura de coisas importantes feitas pelos chineses. Há um crescente interesse tanto de museus como de particulares”, sublinha. É, aliás, por essa razão que Luís Alegria vai expor, a 20 de Outubro, pela primeira vez na China, depois de uma passagem por Hong Kong, onde já esteve. “Vamos dar-nos a conhecer, chegar directamente aos particulares, sem passar pelos comerciantes”, realça o antiquário. “Vamos levar o que não for vendido em Macau e em Hong Kong. Há peças para todos os preços. Não é preciso ter uma fortuna incalculável para se comprar uma peça da Companhia das Índias, mas claro que existem outras que não são para qualquer um”, observa. Luís Alegria, nascido numa família de coleccionadores, participa regularmente nas mais importantes feiras de arte, como a Feira de Arte e Antiguidades da European Fine Art Foundation (TEFAF), em Maastricht, na Holanda, uma das maiores do mundo.