Andreia Sofia Silva Grande BaíaPedro Paulo dos Santos, académico da Universidade Cidade de Macau: “Potencial da Grande Baía é imenso” Para construir o projecto da Grande Baía a China inspirou-se nos modelos económico e de gestão urbana desenvolvidos em Tóquio e em São Francisco. No entanto, e apesar de partilharem algumas características, a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau tem mais potencial de desenvolvimento, a começar pelo número da população de que dispõe. Pedro Paulo dos Santos, académico da Universidade Cidade de Macau, fez pesquisa em termos comparativos sobre estes três projectos e traça aqui algumas conclusões Foto de Rómulo Santos A China insiste em manter uma política de zero casos covid-19. Até que ponto esta política não está a travar projectos como o da Grande Baía e o seu potencial? Uma das pesquisas que fiz prende-se com o projecto de um estudo comparativo entre três grandes baías do mundo: a da China, de São Francisco e Tóquio. Deu para ver que a baía da China usou a baía de São Francisco como modelo. Quando digo baía falo numa estrutura organizada dentro da baía, porque há várias a nível geográfico. Mas como organização existem poucas. A China é um estudante muito bom e rápido a aplicar o que conhece, e a Grande Baía cresceu de repente, é uma ideia que não tem muito tempo, cerca de dez anos. Vejo muitas notícias sobre o desenvolvimento de infra-estruturas. Mas penso que este projecto teve sobretudo um impacto negativo com a covid-19 no primeiro ano, talvez em 2020, tendo em conta que muitos sítios na China estiveram fechados. Temos também de lembrar que a Grande Baía, na China, é um projecto nacional e não internacional. Não está dependente de outros países nem de empresas estrangeiras, como está o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. Tendo esse estatuto é mais fácil a China colocar recursos naturais, financeiros e humanos nesse projecto, e nesse ano de 2020 a indústria chinesa parou e não se avançou muito. Mas em 2021, e este ano, está a andar. Faço uma comparação porque vejo pessoalmente projectos como o da ilha de Hengqin. Em 2020 as obras estavam paradas e o ano passado continuaram a crescer e não pararam. Isso está ligado ao que vem acontecendo com a zona da Grande Baía. Acredito que o projecto possa ter abrandado mas vai continuar. Macau está ao lado de cidades com grande desenvolvimento, como Shenzhen. O território tem ainda passos a dar para chegar esse patamar tecnológico? Sim. Macau nessas áreas de tecnologia e inovação, e também nas áreas dos transportes, finanças e economia, não tem muito poder. Mas o projecto da Grande Baía não tem como objectivo a criação de uma rede de cidades iguais, bem pelo contrário. Tem sim um propósito de criar cidades diferentes cada uma com o seu potencial. E o papel de Macau não é nessas áreas, mas sim ser o centro de lazer da Grande Baía e de entretenimento relacionado com os casinos. Hengqin vai ser a Orlando [no Estado da Flórida, EUA], onde fica a Walt Disney e muitos outros parques temáticos. O papel de Hengqin será de apoio a Macau para essa indústria. Hong Kong será um centro financeiro e de transportes, Shenzhen será o centro de tecnologia e inovação, Guangdong será o centro de produção. Também se fala muito no desenvolvimento de outras indústrias em Macau devido à dependência que a economia tem da indústria do jogo. Em termos de resultados práticos muito pouco se tem assistido nessa área. Como vê o desenvolvimento a curto e médio prazo da Grande Baía? Este é um projecto que não é muito conhecido a nível internacional e provavelmente só será conhecido por pessoas que estudam a China. Mas este é um projecto enormíssimo. Se a China conseguir continuar com ele, vai-se tornar de longe a maior zona metropolitana do mundo que vai ser maior do que a baía de Tóquio. O objectivo é que só a zona da Grande Baía seja a maior zona metropolitana do mundo, um centro de inovação, economia e finanças, uma hub de transportes asiática. O grande objectivo da China é que esta zona seja líder em várias áreas e indústrias. Pelo conhecimento que tenho da China duvido que isso não irá acontecer, porque não vejo grandes projectos internacionais que queiram rivalizar com isto. Se compararmos com a baía de São Francisco, a Grande Baía na China vai pulverizá-la. Portanto este é um projecto muito ambicioso que está a avançar muito rapidamente. Nos próximos três ou quatro anos é que as pessoas, a nível internacional, vão começar a ter uma maior visão do que é realmente a Grande Baía. Como é que a China aplicou, na prática, o modelo da baía de São Francisco? A baía de São Francisco foi a primeira a organizar-se numa estrutura de desenvolvimento e cooperação entre diversas industrias numa localização geográfica de uma baía. Esta iniciou este processo após a II Guerra Mundial, mas até atingir maturidade e sucesso demorou várias décadas. Sendo a primeira, foi a que mais experimentou, que mais errou e que mais sucessos teve. A Grande Baía e outras estruturas semelhantes que apareceram mais tarde, têm como objectivo atingirem o sucesso de integração, inovação, desenvolvimento económico e qualidade de vida que este projecto em São Francisco conseguiu alcançar, e, no caso da Grande Baía, numa fração do tempo. A baía de São Francisco tornou-se, assim, o modelo para todas as futuras estruturas semelhantes. No caso da baía de Tóquio, quais foram os contributos para o projecto da Grande Baía? A Baía de Tóquio tem uma estrutura um pouco diferente da de São Francisco. Enquanto que nesta, e também no caso da Grande Baía, observamos várias cidades a contribuírem e a terem impacto nestas estruturas, no caso da baía de Tóquio temos uma grande metrópole e as suas prefeituras a liderar o desenvolvimento deste mecanismo. Também esta é muito dependente das duas grandes zonas industriais de Toquio, Keiyō e Keihin. São duas áreas com grande influência no desenvolvimento industrial da estrutura. A nível da Grande Baía e da baía de São Francisco as indústrias relevantes estão mais dispersas e distantes. Os governantes chineses e responsáveis obviamente que estudaram várias zonas mundiais com projectos semelhantes, tais como a zona metropolitana de Nova Iorque, mas o foco foi sem duvida estas baías em Tóquio e São Francisco. Podem até encontrar em websites chineses e em pequenos artigos produzidos por organizações e bancos tais como o HSBC, pequenos estudos de comparação entre destas baías. A Grande Baía na China traz mais valias e novidades em relação aos projectos de Tóquio e São Francisco? Em comparação com a baía de São Francisco, criada em meados dos anos 40 [do século XX], era apenas para unir indústrias e para a região se poder desenvolver economicamente. Mas hoje em dia olhamos para a baía de São Francisco e a área principal já não é tão composta pelo sector industrial mas pela tecnologia e inovação, pois tem a zona de Silicon Valley. Temos também a indústria do vinho, em Napa Valley. Portanto não tem assim um grande poder dentro da economia americana. São cidades ricas mas não têm esse impacto económico. A população é também pequena. Em relação à baía de Tóquio, baseada essencialmente numa cidade, depois são as prefeituras à volta. A situação aqui é diferente, pois a maior cidade nem sequer faz parte da baía, está um pouco distante. Esta zona tem um potencial maior, digamos assim, porque a população é bem maior [em relação à de São Francisco]. E depois temos, no caso da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau a investir bastante na modernização de infra-estruturas, e neste momento, a pesquisa preliminar que fiz leva-me a crer que as infra-estruturas de transportes é bem mais desenvolvida do que em São Francisco, porque basicamente estas cidades estão quase todas ligadas. Shenzhen, de um lado, e Hong Kong, até Guangzhou, e depois descem pelo outro lado até Zhuhai e Macau. Temos também a nova ponte. O que cada cidade tem de fazer está a ser preparado e o dinheiro está a ser investido para desenvolver essas indústrias específicas, portanto há diferenças. O modelo é o de São Francisco e também um pouco de Tóquio e quando a Grande Baía chinesa estiver activa vai ser algo que o mundo não conhece e vai ser o exemplo para futuras áreas económicas em baías. Penso que é um projecto que vai surpreende muita gente. Acredita que o projecto da Grande Baía chinesa tem maior potencial de desenvolvimento face às outras duas baías? Porquê? Eu diria que o potencial é imenso. O rápido desenvolvimento da China, o poderio económico chinês, a vontade política e o facto de a província de Guangdong ser perfeita para uma estrutura desta dimensão contribuem para que a Grande Baía possa de facto ultrapassar o valor e o sucesso de outros mecanismos semelhantes. Mas não será um processo de poucos anos, será de décadas potencialmente. Estes projectos precisam de investimentos avultados e direccionados para áreas como o transporte, conectividade, indústria, lazer, tecnologias ou ambiente. Os níveis de cooperação e de organização terão de ser elevadíssimos. A China já demonstrou a sua eficácia e comprometimento em grandes iniciativas nacionais mas também internacionais, como a Nova Rota da Seda. A ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai é um claro exemplo do compromisso que a China está disposta a fazer nesta estrutura. Os grandes avanços neste momento são mais a nível da infra-estrutura de transportes. Este projecto é, decididamente, de nível nacional, e isso ajuda em termos burocráticos. Se continuar a ter apoio financeiro governamental então podemos esperar desenvolvimentos rápidos nos próximos anos. Na ligação de Macau com Hengqin como lugar de entretenimento, qual será o posicionamento do jogo, tendo em conta que se verifica uma tendência de quebra do sector? A aposta será nos hotéis e resorts, e parques temáticos, e não tanto no jogo em si? A tendência de quebra no sector de jogo irá continuar enquanto se mantiverem as restrições devido à política de zero casos covid-19. Em condições normais iríamos continuar a assistir ao crescimento da indústria do jogo. Hotéis e casinos continuam a ser construídos com o pensamento no eventual relaxamento das restrições, sabendo que a indústria irá recuperar eventualmente. A discussão da diversificação da economia local continua, mas voltando ao mesmo assunto, com as restrições qualquer plano está em standby. Penso que as limitações territoriais de Macau irão sempre ter um impacto em qualquer diversificação da economia. Os novos aterros serão para habitação, portanto vejamos talvez grandes infra-estruturas apenas em Hengqin, como parques temáticos e esse tipo de lazer. A Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin precisa de se interligar mais com o projecto da Grande Baía? É inevitável e certamente que será o caso. Ajudará Macau e os macaenses quando eventualmente os direitos e privilégios dos residentes locais nessa zona ficarem sujeitos a um melhor entendimento, pois de momento há alguma confusão e incerteza. Macau tem capacidades para ser um centro financeiro, um objectivo que também está intrínseco no projecto da Grande Baía? Não sou um especialista financeiro, mas não creio muito nessa possibilidade, tendo em conta que um grande centro financeiro mundial já existe a apenas 65 quilómetros e as limitações que existem na economia de Macau. Penso que o projecto da Grande Baia define cada cidade com uma ou várias especialidades e contribuições, com base na suas economias e indústrias. Macau é uma economia de turismo e este sector tem sido o seu motor de desenvolvimento e a sua especialidade. Penso que será nesta área que Macau poderá contribuir para a Grande Baía no futuro.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Macau | A antevisão de uma reunião há muito esperada A reunião extraordinária ministerial do Fórum Macau vai acontecer finalmente no próximo domingo, depois de a pandemia ter atrasado um novo encontro para definir objectivos de actuação. Investigadores acreditam que vêm aí novas medidas de combate à pandemia, de fomento económico e de maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda Desde 2019 que o Fórum Macau trabalha sem novos objectivos definidos. A pandemia veio atrasar a realização da sexta conferência ministerial depois de ter sido definido um plano de acção para os anos de 2017 a 2019. Este domingo, dia 10, acontece finalmente uma reunião extraordinária ministerial (REM), exclusivamente online, e o HM procurou saber o que poderá estar em cima da mesa. Pedro Paulo dos Santos, investigador da Universidade Cidade de Macau (UCM), actualmente a trabalhar no doutoramento sobre o Fórum Macau, acredita que deverá ser apresentado “um plano mais curto do que os emitidos nas conferências anteriores”. “O título da reunião, ‘Um mundo sem pandemia, Um desenvolvimento comum’ indica que as medidas principais neste plano de acção serão na cooperação no combate à pandemia. Podemos esperar também medidas para estimular o crescimento económico entre os membros do Fórum e em reforçar Macau como a plataforma entre a China e os PLP.” No caso de Cátia Miriam Costa, investigadora e docente no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, lamenta que o encontro de domingo seja online, “o que, de facto, não facilita um diálogo mais próximo”. “O contexto internacional em que decorrerá é bastante diferente dos anteriores, dada a situação de guerra na Europa, e a tensão comercial entre os EUA e a China. Acresce a estes factores o facto de o próprio Secretariado do Fórum ter agora novos representantes nos diferentes cargos. Creio que dado este enquadramento, poderemos esperar que seja reforçado o papel económico do Fórum”, começou por dizer. A responsável frisou também que poderá ser alargado o âmbito das actividades do Fórum Macau, nomeadamente para um espectro mais cultural. “Espera-se igualmente que a China proponha aos países de língua portuguesa um maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda. A nova dinâmica, representada pelo novo Secretário-Geral, que se tem multiplicado em contactos com os representantes dos vários países de língua portuguesa aponta nesse sentido.” Segundo uma nota de imprensa, a REM de domingo “estabelecerá consensos para o desenvolvimento cada vez mais consistente do papel do mesmo enquanto mecanismo de cooperação multilateral para o desenvolvimento comum”. Será assinada uma “Declaração Conjunta” que vai reflectir “uma nova fase de trabalhos, em diversas áreas, nomeadamente, o combate à pandemia, a restauração do crescimento económico e o aperfeiçoamento do funcionamento de Macau enquanto plataforma de intercâmbio entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. A ideia é “elevar a cooperação nas áreas de economia, comércio, cultura e saúde entre o Interior da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa, para um novo patamar”. Atraso, que efeitos? Questionada sobre o facto de este atraso poder ter condicionado, nos últimos anos, a actuação do Fórum Macau, Cátia Miriam Costa defende que houve “uma diminuição de algum entusiasmo por parte dos países de língua portuguesa que já estavam a retomar, em pleno, a sua actividade política internacional, e não havia uma previsão para este encontro”. “Esta situação pode explicar parcialmente a actividade de contacto directo com os vários estados-membros por parte do novo Secretário-Geral, de forma a reactivar uma certa proximidade a esta organização internacional que estava a perder dinâmica ao nível do contacto político. Relativamente à China, estou segura de que se manteve a trabalhar no tema e a avaliar as propostas que considerou mais adequadas para apresentar nesta Conferência Ministerial”, adiantou Cátia Miriam Costa. Pedro Paulo dos Santos acredita que as autoridades de Macau e da China têm continuado a trabalhar nos bastidores para manter o funcionamento do Fórum Macau de forma regular, bem como os serviços do foro comercial e económico que tem prestado. “O atraso no anúncio das datas deve-se apenas à situação da pandemia. A China tem, neste momento, em mãos uma crise de infecções que é, sem dúvida, a sua prioridade nesta conjuntura”, apontou. O investigador recorda que “havia grandes planos e mudanças em vista no Fórum para 2021 que infelizmente não se realizaram devido à pandemia”. No entanto, “todos os envolvidos mantiveram as suas funções e responsabilidades”, além de que, após a realização desta reunião e de “alguma normalidade pós-pandemia, iremos assistir a um Fórum mais activo e dinâmico”. Cenário internacional Desde 2019 que o mundo e a diplomacia têm sofrido várias crises de grande dimensão, primeiro com a pandemia e agora com o conflito na Ucrânia. Questionados sobre se a situação na Europa pode, de certa forma, ter impacto na realização deste encontro, ambos os analistas acreditam que os efeitos serão reduzidos. “A pandemia, em particular, tem tido um grande impacto em todas as organizações internacionais, e o Fórum Macau não é excepção. Quando temos representantes de várias nações que não podem viajar para conferências, reuniões ou eventos, obviamente que interfere com o dia a dia e com os objectivos traçados. O facto de a última conferência ter sido em 2016 obviamente que tem condicionado os trabalhos do Fórum.” Tal facto deverá também “condicionar o plano de acção que será emitido nesta reunião extraordinária”, frisou. Relativamente a outros conflitos internacionais, tal como na Ucrânia, Pedro Paulo dos Santos não acredita “que tenham um grande impacto nesta reunião ou no Fórum Macau em si”. Cátia Miriam Costa alerta para o facto de a conjuntura internacional “ser sempre muito relevante”. “O caso da existência de uma guerra na Europa e de uma competição comercial e até económica mais incisiva entre os EUA e a China não vão estar ausentes da conferência. Contudo, não me parece que o cenário de guerra seja determinante na negociação das áreas de cooperação a aprofundar. É preciso lembrar que apenas um país está mais envolvido nessa guerra, se bem que não seja de forma directa, que é Portugal”, concluiu. A 10 de Janeiro deste ano tomou posse o novo secretário-geral do secretariado permanente do Fórum Macau, Ji Xiazheng, anteriormente subdirector-geral do departamento de assuntos europeus do Ministério do Comércio da China, tendo sido responsável pelos assuntos económicos e comerciais entre a China e os Países europeus. Nos últimos meses, o diplomata tem tido diversos encontros com entidades públicas de Macau e os seus dirigentes, incluindo com Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Na reunião de Fevereiro, Ji Xianzheng mostrou disponibilidade para “continuar a reforçar o contacto e a cooperação com o consulado-geral, de modo a conjugar esforços no apoio à construção de Macau enquanto Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, aponta uma nota então publicada. Alguns dos objectivos traçados para o último triénio, passam por uma maior “conexão das indústrias e a cooperação da capacidade produtiva” entre a China e os países de língua portuguesa através do Fórum Macau. Segundo o último plano de acção aprovado, o Fórum Macau trabalhou no sentido de “estimular as empresas a construírem ou renovarem as zonas de cooperação económica e comercial nos referidos países, para além de promover a industrialização dos países de língua portuguesa da Ásia e África”. Para atingir este objectivo, o Fórum Macau propôs-se conceder empréstimos concessionais acima dos dois mil milhões de renminbis para os países de língua portuguesa a fim de “promover a conexão industrial e cooperação na capacidade produtiva”. Ainda em matéria de cooperação para o desenvolvimento, a China prometeu isentar os países de língua portuguesa presentes no Fórum das dívidas já vencidas provenientes de empréstimos sem juros no valor de 500 milhões de renminbis.
Andreia Sofia Silva Entrevista ManchetePedro Paulo dos Santos, académico: “Macau está perfeitamente integrado na China” Prestes a terminar a sua tese de doutoramento, Pedro Paulo dos Santos defende que sem uma data para a nova conferência ministerial o Fórum Macau tornou-se numa “entidade adormecida”, mas que pode ter um papel importante a desempenhar em Hengqin. O académico da Universidade Cidade de Macau acredita que os países de língua portuguesa continuam a responder de forma diferente ao potencial da entidade que é ainda pouco conhecida na RAEM Devido à pandemia não há ainda uma data para a conferência ministerial do Fórum Macau. Isso faz com que pareça uma entidade adormecida? Diria que, devido à covid-19, o Fórum Macau abrandou os seus deveres. As conferências ministeriais são o seu ponto alto e é a ocasião onde estão representados os mais altos dignatários. É nessas conferências ministeriais que são apresentados os planos de acção para os três anos seguintes. Assumo que tudo o que tenha sido proposto no plano de acção anterior foi aprofundado ou estabelecido. Sem uma nova conferência ministerial não se sabe muito bem o caminho que o Fórum Macau vai fazer, porque as suas iniciativas estão paradas. Este vive destas pequenas iniciativas empresariais, porque não é propriamente uma grande organização internacional, não tem um grande impacto nas relações entre os países. Sem estas conferências é uma entidade adormecida, de facto. O Fórum Macau já existe há 19 anos. Quais as grandes lacunas em termos funcionais? O Fórum é ainda muito pouco conhecido, até mesmo em Macau. Antes de começar a minha tese de doutoramento fiz um questionário para tentar perceber a sua visibilidade no território, na China e nos países de língua portuguesa. E no seio de 40 pessoas, a maioria portugueses residentes em Macau, diria que apenas três ou quatro conseguiram dizer alguma coisa sobre o Fórum. Isso acontece talvez também por sua própria culpa. Em que sentido? Porque não tem feito grandes projectos internacionais, não aparece nas notícias como a entidade responsável por grandes acordos. Logo aí o seu impacto é muito limitado. Mas será que o Fórum Macau foi criado para melhorar o lado visível das relações bilaterais entre os países de língua portuguesa e a China? Penso que não. A China tem cerca de dez organizações internacionais semelhantes ao Fórum Macau, e a nível regional também tem vários. No trabalho que estou a desenvolver para a minha tese de doutoramento foquei-me em seis pontos em particular, e em todo o hemisfério sul apenas três ou quatro países não fazem parte de um fórum chinês. Talvez aí o fórum mais conhecido seja o FOCAC (Fórum para a Cooperação China-África), porque conta com todos os países africanos. Estes fóruns não foram criados para ter um grande impacto nas relações económicas ou nas trocas comerciais, e são essas coisas que têm mais visibilidade. Qual foi então o grande propósito para a criação destas entidades? Os fóruns foram criados para permitir à China mostrar um pouco um outro lado. O país criou estas plataformas multilaterais às quais chamou fóruns, e a maneira como funcionam está ligada à discussão de ideias. Apesar de a China ser a líder, quando os países se sentam à mesa todos participam na criação dos planos de acção, e isso ajudou a criar confiança, pois essas mensagens passam para os governos. Pelo estudo que tenho feito, e usando o Fórum Macau [como base], o foco [destes fóruns] foi mais para as áreas relacionadas com cultura, educação, recursos humanos, e isso ajudou a China a promover mais a sua cultura e língua. Isso tem mais impacto em países em desenvolvimento, e não tanto com o Brasil e Portugal, por exemplo. Com o Fórum Macau, de certa forma, tem sido esse o cenário. Este tem tido um impacto secundário na ajuda das relações entre os países de língua portuguesa e a China. Não tem projectos muito visíveis. Há aqui duas questões, e uma delas é a falta de conhecimento sobre o Fórum Macau. Esta conferência que deveria acontecer agora seria um ponto de viragem, com novas instalações que são bem maiores e mais visíveis do que as anteriores. Com a nova conferência ministerial haveria maior atenção da imprensa e era falado que a China iria apresentar novas medidas, e isso não aconteceu. Então o Fórum manteve-se estagnado. Estamos numa situação de hibernação que não sei quando irá acabar. Que outras conclusões da sua investigação pode avançar? A tese tem um estudo comparativo de seis fóruns chineses para entender como funcionam e qual o seu propósito, e também para distinguir o Fórum Macau dos outros. Tem também um capítulo sobre o papel do Fórum Macau na política externa chinesa, bem como um estudo aprofundado sobre a estrutura organizacional do Fórum e o seu funcionamento, para ver se há uma paradiplomacia ou se existe segundo o modelo diplomático tradicional. E há de facto uma paradiplomacia, há outros actores nesse relacionamento? Sim. Este estudo conseguiu provar que há um sistema híbrido na estrutura organizacional do Fórum Macau. Há alguns elementos diplomáticos, e nas conferências ministeriais temos representantes dos governos a participar, e há uma clara linha de comunicação do Fórum a nível governamental. Mas em termos de paradiplomacia existe a participação de membros não ligados aos governos, mas que tentam puxar agendas ligadas aos seus países. E isso consegue-se ver em determinadas áreas. Como por exemplo? Inicialmente, o Fórum Macau tinha um foco nas áreas comerciais e na economia, mas começou a mudar para outras áreas, como a cultura, começamos a ver outros elementos a participar. Falo de elementos que fazem trabalho exterior aos governos e isso era impossível não acontecer. Há vários elementos paradiplomáticos em funcionamento no Fórum Macau. Macau está a caminhar para a integração regional. Qual será o papel do Fórum Macau em projectos ligados a Hengqin ou Grande Baía, por exemplo? Deveria mudar a sua linha de actuação neste contexto? Macau está perfeitamente integrado na China, como sempre foi um objectivo. O acordo assinado para 50 anos [Declaração Conjunta] foi sempre pensado para a integração das duas regiões administrativas, e sem dúvida que Macau está muito mais integrado do que Hong Kong, e assim irá continuar. Nota-se que cada vez mais a RAEM se aproxima das políticas chinesas. Em relação ao futuro do Fórum, temos de analisar também [além de Hengqin] a Grande Baía, que é talvez o maior projecto da China a nível nacional neste momento. A nível internacional, é o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. E Hengqin vai ter um papel importante. A China não está a entregar Hengqin a Macau, nem nada que se pareça. Está a tentar criar mais uma zona neutra onde negócios dos países de língua portuguesa, e até estrangeiros, possam entrar na China através desta zona. E aí o Fórum Macau poderá ter um papel importante, e os países de língua portuguesa deveriam tomar atenção a isso, pelo ponto de ligação que se pode criar. Já existem os acordos CEPA que facilitam a importação, exportação e transporte de produtos para a China, mas tendo uma zona neutra como Hengqin, que pode receber escritórios de empresas, isso iria ajudar bastante os países de língua portuguesa a entrar no mercado chinês, com a ajuda do Fórum. Há ainda desigualdades na reacção dos países de língua portuguesa sobre o potencial do Fórum Macau? Sem dúvida. Vemos isso de uma maneira mais flagrante no facto de os países africanos de língua portuguesa, desde o início, terem enviado os seus representantes que fizeram o seu trabalho a tempo inteiro. Portugal só enviou os seus representantes há seis ou sete anos e o Brasil só agora tem o seu representante a tempo inteiro, e não completamente, porque é o cônsul-geral do Brasil para Hong Kong e Macau que também tem essa função. O Brasil nunca teve um representante a tempo inteiro e isso dá-nos uma ideia de que alguns membros aderiram mais rapidamente à iniciativa do que outros. Como explica a postura do Brasil? O país é uma grande economia e vai continuar a ser, pode ter uma certa rivalidade com a China, sobretudo ao nível da cooperação sul-sul, e África também, que sempre olhou com alguma desconfiança para o Fórum Macau. Talvez tenha havido alguma desconfiança no início em relação a Portugal, e tem agora um participante activo. Mas a nível geral penso que todos os grandes países de língua portuguesa deveriam levar o Fórum Macau um pouco mais a sério, talvez não pelo que tenha feito até aqui, mas pelo seu potencial. E não pode ser só a China a tentar levar esta iniciativa para a frente. A China sabe que não consegue tirar benefícios se outros países não os tiverem. O Fórum Macau não está a ser bem utilizado pelos países de língua portuguesa e a pandemia não ajudou, mas tem de haver uma mudança de mentalidade.