Michel Reis Artes, Letras e Ideias hA Encomenda de Paul Sacher [dropcap]A[/dropcap] obra Música para Cordas, Percussão e Celesta, Sz. 106, composta por Béla Bartók aos 53 anos em 1936, por encomenda do maestro e patrono suíço da música nova, Paul Sacher, para celebrar o 10o aniversário da Basler Kammerorchester, é uma das mais conhecidas do compositor húngaro. Como o título indica, a obra foi escrita para instrumentos de cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e harpa), instrumentos de percussão (xilofone, caixa, címbalos, tam-tam, bombo e tímbales) e celesta, instrumento que não desempenha um papel tão importante como o título da obra deixa transparecer. O conjunto também inclui um piano, que pode ser classificado como um instrumento de percussão ou de cordas. Bartók divide as cordas em dois grupos que indica devem ser colocados antifonalmente em lados opostos do palco, e faz uso de efeitos antifonais particularmente no segundo e quarto andamentos, criando uma das obras mais espantosas e que provoca mais calafrios algumas vez escritas. O primeiro andamento (Andante tranquillo), uma fuga apresentada pelas violas de ambos os grupos de cordas, que se desenvolve gradualmente, começa com um murmúrio velado de vozes inconstantes nas cordas em surdina, que crescem em número com uma regularidade persistente e assustadoramente imparável. Qual é a fonte dessa música diabólica? As divagações cromáticas sugerem Wagner e o seu Tristão, que preludia Schönberg. Mas existem outros antecedentes, e estes incluem Strauss, Stravinsky, Debussy, Ravel e, crucialmente, a música folclórica da Hungria natal de Bartók e dos seus arredores. Foi este último grande corpo musical, pesquisado durante anos por Bartók, que se tornou a força omnipresente da sua criatividade, cujos elementos distintivos deram ao seu trabalho uma individualidade tão inconfundível para o ouvido quanto uma fotografia bem desenvolvida é para o olho: ritmos que batem insistentemente ou que são surpreendentemente irregulares; modos e combinações de escala exóticas; melodias severamente simples, cuja ascensão e queda resultam de padrões de fala; direcção, frequentemente energia bárbara e, em contraste, acalmias maravilhosamente provocantes; um amálgama de harmonias triádicas simples e dissonâncias ácidas. De todos estes elementos surgiu a linguagem engenhosa e inovadora de Bartók. O material do primeiro andamento pode ser visto como a base para os andamentos posteriores, e o tema da fuga reaparece em diferentes disfarces em pontos ao longo da peça. O segundo andamento (Allegro), escrito na forma-sonata, irrompe num drama rodopiante de vozes conversando. A divisão das cordas de Bartók em dois grupos, colocados em lados opostos do palco com a percussão no meio, abre a porta de uma autêntica magia antifonal. Ouvem-se glissandi nos tímbales e uma “música de perseguição” rítmica estimulantemente tensa e que parece prenunciar West Side Story de Bernstein. Esta música é derivada de uma breve peça da colecção a solo para teclados Mikrokosmos de Bartók, intitulada “A Piada de Aldeia”. O terceiro andamento (Adagio) leva-nos ao mundo misterioso e atmosférico da famosa “música nocturna” de Bartók. Ouvimos o zumbido estranho e nocturno da natureza, o canto distante dos sapos e o murmúrio abafado de um milhão de insectos zumbindo num campo solitário e iluminado pelas estrelas. O tema do primeiro andamento ressurge brevemente, o que só faz aumentar a nossa enorme consideração pela inventividade de Bartók. O finale (Allegro molto) explode numa dança folclórica vibrante e descontroladamente alegre. Especificamente, ouvimos a frivolidade irregular e desigual do ritmo folclórico búlgaro. Nos minutos finais, há um retorno triunfante do tema da fuga de abertura do primeiro andamento. A obra foi estreada em Basel, na Suíça, no dia 21 de Janeiro de 1937 pela orquestra de câmara dirigida por Sacher, e foi publicada pela Universal Edition no mesmo ano. A sua popularidade é demonstrada pela utilização de temas em bandas sonoras de filmes como por exemplo o andamento Adagio no filme The Shine de Stanley Kubrick, de 1980, e na música popular, assim como na literatura, sobretudo norte-americana. Sugestão de audição: Béla Bartók: Music for Strings, Percussion and Celesta, Sz. 106 Berlin Philharmonic, Herbert von Karajan – Warner Classics, 1961