Uma noite de Verão

[A quatre heure du matin, l´été, le sommeil d´amour dure encore…] Rimbaud, é preciso e precioso em tudo o que diz e sente neste poema, ele que não teve propriamente paz, e muito menos a deu, é um agente das coisas mais luminosas da nossa humana consciência. Sonharia então nestas noites de Estio da sua juventude – que ele, nunca foi velho – mas aqui mais novo ainda de quando a morte o encontrou, sentido estas coisas na hora dos condenados, que vinda a alba, o rosto da morte e das paixões se dissipam num esquecimento estratégico.

Lembra pois, corpo, de como eram radiosas estas noites! Ele não se fica por este laço do amor, e prossegue numa inspiradora manifestação para com aqueles cujo destino é muitas vezes injusto « les Ouvriers!» que “ils preparent les lambris précieux où la richesse de la ville rira sous de faux cieux”. Ele não cede ao labirinto íntimo, e o amor continua.

Nós diríamos sem grande exagero que as vozes hoje se dissociaram da sua responsabilidade que seria a de lutarem pelo lado certo da missão que sem dúvida Deus lhes concedeu, e que ao tornarem-se demasiado pessoais e confessionais nas suas “razões” mitigadas por nevroses insipientes, foram secando uma certa razão de ser. As emoções congeladas para mostrarem que sentem são bastante mais escorregadias que a falta delas, podendo chegar-nos ainda como devastações do ciclo da comoção o ardilosamente planteiam num esquema alternativo para o fim de todas estas expressões, atravessadas um dia por gente habitada. E nestas noites de Verão nada nos recorda abençoar o trabalho feito por todos aqueles de que dependemos, nem os “banhos” dos que se afogam e vêm de locais muito parecidos para onde o poeta um dia fora, nos sossegam, pois se no outrora breve, a poesia de intervenção era um estigma também nada interessante, o vazio de qualquer outra que seja, mostra-se devastador.

[Reine des Bergers! Porte aux travailleurs l´eau- de- vie] a noite curta será assim uma parte desse amor que nele pareceu ser sempre pouco, difícil e magoado, para se ir ampliando num amor total a todos, próximos de si, e neste bem-desejar, ele atinge o seu perfil de anjo. O poema chama-se então «Um bom pensamento matinal» e até ao meio-dia ele abençoará estas gentes para que as suas forças estejam em paz. Ainda crê que os trabalhos intensos venham lá de baixo, do jardim das Hespérides, e que nem sempre o mal vença tanto como se prevê – e faz bem em assim crer – pois que não se pode olhar o humano sem um misto de esperança e fantasia, se tal não acontecesse, seria tão insuportável como não ter nada mais nada para fazer, que isso é possível quando alguma coisa poderosa desiste de nós. Por ser Verão, devem ter o seu banho de mar, que bem diferente é de um tanque de água, que toda a água é pública, e quem transpira mais deve ser refrescado. Os tanques com água são as piscinas que proliferam por todos os lados individualmente e que visam refrescar as consciências que fecharam fontanários, e Fontes Luminosas, redes públicas do bem-estar operário.

Também não há jovens que invoquem a Rainha dos Pastores, já não têm recurso a «redes de cultura humanista» que lhes permitam laborar nos mitos, não havendo razão alguma para confiar no futuro breve quando o presente conseguiu abastecer cepas destas em todo os cantos da Terra. As laranjas, essas, estão por todo o lado e não são precisos Jardins tão remotos, basta um desfiladeiro de estufas de regadio até sugar todo o solo, ter bons escravos, para manter plantações exóticas, inúteis e atmosfericamente desvinculadas, e Vénus, esse, essa… é um planeta para este mundo, muito quente, de órbitra interna, incapaz da associação amante, isto, se os seres não forem agora produções sacrificiais para um terceiro sexo a nascer. Também podem ser a antevisão de um só género fenecente.

Ele, Rimbaud, evoca aqui de forma amorosíssima a justiça de que necessitam os seres. Não esquece os braços quentes dos seus sonhos de Verão, enaltece-os, indo buscar a manhã que lhes sucedem, contemplada com ternura imensa num mundo que para um poeta será sempre um lugar desconcertante. É um poema curto, límpido, magnífico. Não pretende mais que essa soberania, por que soberanos instantes, como bons diálogos, são prova de que a alma existe e regista apenas o que é essencial.
Por todos os Verões.

1 Dez 2021