Um pianista de jazz lendário

[dropcap]O[/dropcap] pianista de jazz americano McCoy Tyner faleceu no passado dia 6 de Março, aos 81 anos de idade.

Na conta de Facebook do músico, a sua família escreve: “É com pesar que anunciamos a morte da lenda do jazz, Alfred ‘McCoy’ Tyner”. McCoy era um músico inspirado que dedicou a sua vida à sua arte, à família e à espiritualidade. A música e o legado [de McCoy Tyner] continuarão a inspirar os seus seguidores e os talentos futuros”, conclui a mensagem.

McCoy Tyner nasceu em 1938 em Filadélfia, no estado da Pensilvânia, e começou a estudar piano aos treze anos. Era filho de um homem que trabalhava numa fabricante de cremes e que também cantava na igreja e de uma mulher que trabalhava numa loja de produtos de beleza. Aos 17 anos, o músico, que por essa altura começara há um ano a tocar profissionalmente em bandas de rhythm-and-blues, converteu-se ao Islão.

Iniciou a sua carreira em orquestras da cidade natal, durante a década de 1950, altura em que se iniciou com músicos como o trompetista Kenney Dorhan, o saxofonista Jackie McLean e o baterista Max Roach. O seu percurso ganhou fôlego quando conheceu o lendário saxofonista John Coltrane, em 1956, que considerou determinante na sua carreira.

Desempenhar um papel de suporte para uma força da natureza é um desafio difícil em qualquer forma musical e nos meandros da improvisação de jazz ainda mais. McCoy Tyner respondeu a esse desafio quando, no início dos anos 1960, com apenas 21 anos, iniciou uma parceria com John Coltrane, o génio da improvisação. McCoy Tyner passou apenas cinco anos como membro integrante da formação de Coltrane, um conterrâneo seu, também nascido em Filadélfia, em conjunto com o contrabaixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones. Ainda assim, foi absolutamente decisivo no som de alguns dos discos mais importantes da carreira de Coltrane, editados nos primeiros cinco anos dessa década (e também alguns postumamente), como por exemplo “My Favorite Things” (editado em 1961), “Impressions” (1963) ou “A Love Supreme” (editado em Janeiro de 1965), além de diversos álbuns clássicos gravados ao vivo. É também o pianista de “Both Directions At Once: The Lost Album”, o álbum perdido de John Coltrane, que se manteve inédito durante 55 anos, até à publicação, em 2018.

Depois das aventuras musicais ao lado de John Coltrane, McCoy Tyner lançou-se a solo e gravou álbuns como “The Real McCoy” (1967), “Time For Tyner e Expansions” (ambos de 1968). Na década de 1970, o pianista prosseguiu na senda da edição regular de álbuns e de actuações, já não na editora Impulse!, a que esteve contratualmente ligado no início dos anos 1960, nem na Blue Note Records, na qual editou mais álbuns durante a segunda metade dos anos 60, mas na discográfica Milestone. Tyner continuou a gravar discos até aos anos 2000. O pianista participou ainda em álbuns de músicos e compositores como o guitarrista e cantor George Benson, o baterista Art Blakey, o trompetista e vocalista Donald Byrd, o saxofonista Lou Donaldson, o trompetista Freddie Hubbard e os saxofonistas Wayne Shorter, Joe Henderson e Hank Mobley, entre vários outros.

McCoy Tyner fez ainda parte de formações como o Jazztet, com o trompetista Art Farmer, o saxofonista Benny Golson e o trombonista Curtis Fuller, e firmou uma carreira como líder e solista, tendo trabalhado com músicos como os trompetistas Freddie Hubbard, Donald Byrd e Lee Morgan, os saxofonistas Sonny Rollins, Eric Dolphy, Stanley Turrentine, Hank Mobley e Wayne Shorter, o contrabaixista Ron Carter e o baterista Al Foster, entre outros.

Gravou para editoras de referência como a Blue Note, Atlantic, Milestone e Impulse!, deixando álbuns que marcaram o jazz e as suas expressões, ao longo de mais de 50 anos, como “Inception” (1962), “Nights of Ballads and Blues” (1963) e “Tender Moments” (1967). “Sahara” e “Song for My Lady” (1972) assinalam o seu reaparecimento na década de 1970. “Enlightenment” (1973), gravado no Festival de Jazz de Montreux, inclui “Walk Spirit, Talk Spirit”, uma das suas mais conhecidas composições. Sucederam-se então discos como “Looking Out” (1982), “It’s About Time” (1985), “Things Ain’t What They Used to Be” (1989), “Manhattan Moods” (1993), “Prelude and Sonata” (1994), “Autumn Mood” (1997), “McCoy Tyner & the Latin All-Stars” (1999).

Considerado por toda a crítica um dos pianistas mais influentes da história do jazz, Tyner não gostava de falar sobre a sua expressão, considerando-a fruto de aprendizagem e experiência de vida, como disse em diversas entrevistas.

Nos últimos anos, destacam-se ainda “McCoy Tyner Plays John Coltrane” (2001), “Suddenly” (2002) e “Illuminations” (2004) que se juntaram aos mais de 70 álbuns que editou em nome próprio, desde o início da década de 1960, que lhe valeram dezenas de prémios, entre os quais cinco Grammys e dezenas distinções, como um doutoramento ‘honoris causa’, no Berklee College of Music, no Massachusetts.

Na notícia a propósito da sua morte, o The New York Times considera-o uma das referências maiores da história do jazz, a par de outros pianistas como “Bill Evans, Herbie Hancock, Chick Corea e apenas alguns outros, poucos”.

“É impossível expressar como McCoy era importante, foi e sempre será importante para a música”, escreve a Blue Note, na sua página na Internet. E acrescenta: “A imensidão de beleza que deu ao mundo é simplesmente impressionante (…), e a sua influência nos pianistas de jazz que surgiram nos últimos 60 anos não tem fim”. “Que descanse em paz, um dos maiores de todos os tempos”, conclui a Blue Note.

24 Mar 2020