Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasO divertissement de Ravel [dropcap]Q[/dropcap]uando Maurice Ravel começou a planear o Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior em 1928, estava no auge da sua carreira, sendo a sua música o centro das atenções em numerosos festivais e celebrações, incluindo estas um doutoramento honorário pela Universidade de Oxford. Ravel decidiu que queria escrever um concerto para ele próprio interpretar numa digressão mundial de concertos planeada, e em 1929, pôs mãos à obra, tarefa no entanto interrompida pelo encomenda do pianista austríaco Paul Wittgenstein do Concerto para a Mão Esquerda. O compositor trabalhou furiosamente nos dois anos que se seguiram na composição simultânea dos dois concertos enquanto honrava compromissos de direcção e gravação. O Concerto em Sol Maior foi eventualmente concluído em 1931, mas devido à sua já delicada saúde, a estreia foi confiada à pianista a quem a obra foi dedicada, Marguerite Long, sob a direcção de Ravel, que teve lugar na Salle Pleyel, em Paris, no dia 14 de Janeiro de 1932, com a Orquestra Lamoureux, e que constituiu um sucesso imediato. O Concerto para a Mão Esquerda tinha sido estreado em Viena no dia 5 de Janeiro do mesmo ano. Os planos de Ravel de fazer uma digressão mundial com o Concerto em Sol Maior nunca se concretizaram, embora o compositor tivesse dirigido várias apresentações em vinte cidades europeias com Marguerite Long – a última em Novembro de 1933 – antes da sua saúde o ter levado a abandonar os palcos completamente. Entre as últimas obras completas de Ravel, o concerto sintetiza muitos dos seus traços mais característicos: sonoridades orquestrais sumptuosas, jazz, música espanhola, e a elegância oitocentista. O efeito geral do concerto é de uma obra impressionista com bastante impacto, uma das melhores de Ravel. Concebendo a obra com um divertissement, Ravel enquadrou este concerto de acordo com o plano clássico tradicional rápido-lento-rápido no qual o Allegramente de abertura delineia a forma-sonata, o segundo andamento apresenta um interlúdio pensativo, enquanto o finale explosivo borbulha de virtuosismo exuberante. De acordo com a máxima de Ravel “complexo mas não complicado”, a obra exibe novas texturas de cor tanto para a orquestra como para o pianista, combinado os dois numa pareceria equilibrada. A obra foi profundamente influenciada por expressões e harmonias de jazz, que na época eram muito populares em Paris e nos Estados Unidos, onde Ravel tinha viajado em digressão de recitais, observando estar surpreso que tão poucos americanos fossem influenciados por este género. O primeiro andamento, marcado Allegramente, inicia-se subitamente com o som de um chicote. O solista ao piano apresenta imediatamente o enérgico tema de abertura através de uma série de arpejos floridos no registo agudo, interrompido por um tema sonhador de blues, inspirado no jazz, o primeiro solo de piano. Segue-se uma secção jazzy que recorda as viagens do compositor pelos Estados Unidos, incluindo no entanto algumas breves citações de Rachmaninov e de um dos temas do primeiro quadro do ballet Petrushka de Stravinsky. Estas duas secções lentas representam o âmago expressivo do andamento e são o foco de uma série de efeitos tímbricos inovadores, imbuídos de coloração bitonal, tanto na orquestra como no piano. Tanto o primeiro como o último andamento (Allegramente e Presto) estão bastante imbuídos de excitantes melodias ao estilo do jazz, embora conservando elementos clássicos. O primeiro andamento é uma peça fluida e vivaz com harmonias que recordam as futuras de Aaron Copland; para logo finalizar numa estrondosa coda em modo frigio, que caracteriza Ravel em muitas obras e que o vinculam de uma maneira especial com a música popular espanhola. O formoso e contemplativo segundo andamento em Mi Maior (Adagio assai) mostra o Impressionismo típico de Ravel, iniciando-se com uma extensa melodia lírica no piano solo que, de acordo com Ravel, foi inspirada no Larghetto do Quinteto para Clarinete de Mozart. Enganador na sua simplicidade, pois as cadências estão entre as mais difíceis do repertório, este nostálgico tema é apropriado pelas madeiras, com um extenso solo de corne inglês que toca fluidas linhas de fusas, durante o qual o solista ao piano toma um papel secundário de acompanhamento. O incrivelmente rápido finale, marcado Presto, é um catalogo de virtuosismo para solista e orquestra, que emprega muitas melodias equilibradas e ligeiras combinadas com outras mais poderosas e ritmos percurssivos que a tornam uma experiência arriscada de tocar. Sugestão de audição: Ravel: Piano Concerto in G/ Rachmaninov: Piano Concerto No. 4 Arturo Benedetti Michelangeli, piano, Philharmonia Orchestra, Ettore Gracis – EMI, 1958