João Romão VozesSingularidades de uma política económica [dropcap]A[/dropcap]inda que me me continuem a preocupar as coisas públicas, constato que cada vez me motiva menos discutir governos, ministérios e outros incidentes administrativos. Há quem diga que na infância e na velhice toda a gente é anarquista e eu já vou entrando nesta fase da existência em que a paciência para jogos de salão e truques de ilusionismo se vai reduzindo a cada dia que passa, ainda que o público e a comunidade me continuem a interessar. Afinal as coisas públicas são outras e as instituições que delas deviam tratar estão hoje demasiado entretidas com ambições pessoais de protagonistas tantas vezes desqualificados para a função. Faz parte de certa abordagem da economia pública, hoje dominante, que tratou de desarticular e destruir o estado social em nome de um individualismo feroz para mais tarde justificar a incompetência da gestão pública e a urgência inevitável das privatizações. Ensinou-se nas universidades, pelo menos desde os anos 80, também em Portugal. E foi fazendo o seu caminho, empobrecendo a política, a comunidade, e a própria economia, que vai vivendo em estado mais ou menos anémico apesar da ávida e acelerada destruição do planeta. Vem isto a propósito de querer hoje escrever sobre um ministro, um ex-ministro, aliás, da nossa República. Por acaso ou não, é também um amigo de muito longa data, coisa de infância, adolescência e até universidade, sempre com intensidade suficiente para que se mantenha uma certa ideia de proximidade, apesar de não nos cruzarmos há uns 25 anos. Foi, aliás, quando as abordagens neoliberais começavam a marcar presença nas universidades de economia e gestão em Portugal que nos licenciámos, na segunda metade dos anos 1980, em pleno apogeu do “pugresso” cavaquista, dos burgessos subitamente transformados em referências teóricas, do embrutecimento da análise económica e das suas implicações políticas, cada vez mais reduzidas a uma suposta análise da rentabilidade financeira – até essa largamente duvidosa. Foi nesse contexto de afirmação de uma certa hegemonia neoliberal em Portugal que criámos uma lista unitária de esquerda numa das maiores escolas de economia e gestão do país – e ganhámos todas as eleições enquanto lá estudei, às vezes com mais de 90% dos votos. Era já na altura uma espécie de “geringonça”, como pejorativamente veio a ser designado o governo consensualizado entre PS, BE e CDU após os anos de desastre da austeridade neo-liberal que massificaram a pobreza, mataram a esperança de um qualquer horizonte de futuro, obrigaram à emigração. Nessa segunda metade dos anos 1980, o BE estava ainda longe de nascer mas já havia o PSR e a tal lista unitária que havia de liderar a associação de estudantes incluía também pessoas do PCP (a maioria) e do PS (em clara minoria), além de outras muito boas vontades que se juntaram nesse caminho. Na realidade, quando cheguei a Lisboa para começar a licenciatura, num fim de semana de Outubro, participei imediatamente numa reunião para preparar a lista para a associação de estudantes, ainda antes sequer de ir às aulas que só começariam na segunda feira. Um ano mais velho do que eu, e por isso já a começar o seu segundo ano no ISEG, quem me levou a essa reunião foi o Mário Centeno. A dita “geringonça” não foi por isso uma surpresa: se alguém podia conceber um plano para as finanças públicas do país que pusesse de acordo PS, BE, PCP, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI, seria certamente o Mário Centeno – tecnicamente exímio, politicamente experimentado nas difíceis artes das convergências à esquerda, familiarizado com as dinâmicas institucionais do país e do mundo. A proposta possível para conciliar tão divergentes pontos de vista não podia senão estar muito para lá dos convencionais campos de possibilidades e implicava passar muito ao largo de todos os limites impostos pelas teorias económicas ortodoxas: reduzir impostos, recuperar os salários da função pública, reduzir o desemprego, equilibrar as contas públicas e reduzir a dívida pública para relançar o investimento público no futuro. Tinha razão quem criticou tão despropositado programa – e foram na altura todos os analistas, da extrema esquerda à extrema direita, além das ditas “instituições europeias”: nada naquele plano podia ser suportado pela teoria económica existente ou pelas práticas conhecidas aquém e além-mar: ou contenção das contas públicas com recessão e desemprego, ou expansão das contas públicas com crescimento e emprego mas mais défice e mais dívida pública. E no entanto, moveu-se. Não só a prática, mas a teoria. Quem estude economia pública sabe do extraordinário contributo teórico que o exemplo prático das finanças públicas portuguesas deu a conhecer. A haver casos semelhantes em todo o mundo, serão raríssimos. E jamais tratando-se de uma economia mergulhada numa recessão profunda como era a portuguesa até 2014. Esse contributo teórico e prático foi largamente reconhecido na Europa, com entusiastas declarações de governantes à esquerda e à direita, num continente com uma economia à deriva, sem soluções técnicas convincentes, quanto mais políticas: fala-se de inovação mas pouco se inova e as economias vão sobrevivendo sem grandes horizontes de um futuro melhor mas com a perspectiva do colapso ambiental eminente. À falta de soluções, o plano português, recebido com a natural desconfiança que o desafio às ortodoxias teóricas impunha, acabou a ser visto como uma oportunidade para a abertura de novos caminhos – o que obviamente não tem grande suporte entre quem beneficia dos caminhos velhos. O percurso percorrido até ao fim de 2019 corresponde com precisão às ambições planeadas e não ao que estipulava a teoria económica dominante. Compreendo as críticas que fui lendo, à esquerda e à direita, garantindo que jamais tal programa teria a mínima hipótese de funcionar. Mas funcionou: as contas públicas registaram um equilíbrio jamais conhecido na democracia portuguesa, ao mesmo tempo que o salário mínimo tinha um crescimento sem precedentes históricos no país; diminuíram desigualdades, com os salários a ganhar importância na riqueza nacional e o rendimento disponível das famílias a subir drasticamente; o emprego aumentou rapidamente e a dívida pública desceu. Não vi nenhum dos críticos que apontou as contradições evidentes entre as propostas de Mário Centeno e as ortodoxias teóricas vir a terreno assumir que se tinha enganado: sim, foi possível implementar políticas públicas em Portugal que desafiaram o que até então se pensava sobre o assunto: comentadores sempre a postos para a crítica mais contundente mas afinal desconhecedores das possibilidades da auto-crítica. Passei a dedicar-me a outras leituras, portanto. Este caminho de matemático rigor e precisão era desconhecido até então em Portugal, com orçamentos das contas públicas que dispensaram rectificações sistemáticas e que revelaram no final de cada ano o realismo de propostas que estavam muito para além dos limites do que parecia possível. Talvez não seja esta combinação única entre rigor técnico e criatividade teórica que fez de Mário Centeno um Ministro das Finanças com inusitada popularidade entre a população. Talvez tenha sido só mesmo a constatação óbvia de uma súbita e significativa melhoria das condições de vida de quem trabalha. A observação de que políticas diferentes podem trazer resultados diferentes. Hoje, observo com satisfação que, da esquerda à direita, todos os partidos e grupos de opinião têm melhores soluções para as finanças públicas do que as que o Mário Centeno trouxe ao país. O futuro está garantido e só pode ser radioso.
Hoje Macau China / ÁsiaPanda Bonds | Portugal paga 0,62% após cobertura de risco cambial O ministro das Finanças português afirmou que a taxa da emissão de dívida em moeda chinesa, as ‘Panda Bonds’, que Portugal realizou em 30 de Maio, é de 0,62 por cento a três anos após aplicada a cobertura de risco [dropcap]A[/dropcap] taxa equivalente, e depois de devidamente protegida com ‘swaps’ do risco cambial, é de 0,62 por cento a três anos, o que compara mal com a taxa a que a República se financia a três anos, é verdade”, afirmou na quarta-feira Mário Centeno, sobre a emissão de ‘Panda Bonds’ de Portugal, ao falar na audição regimental da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) no parlamento. Em 30 de Maio, Portugal colocou dois mil milhões de renmimbi em ‘Panda Bonds’ a três anos, naquela que foi a primeira emissão em moeda chinesa de um país da zona euro e a terceira de um país europeu. Segundo um comunicado divulgado no ‘site’ do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, a procura dos investidores pelos títulos “foi forte”, 3,165 vezes o montante colocado, tendo permitido rever em baixa a taxa de juro para 4,09 por cento. O ministro das Finanças admitiu, no parlamento, que os 0,62 por cento correspondem a “um esforço muito grande da República Portuguesa”, sublinhando que “o prémio que está a ser pago é exactamente” aquele, “para diversificar as suas fontes de financiamento”. Mário Centeno admitiu que “se calhar [a decisão] é hoje mais questionável do ponto de vista estritamente financeiro do que quando foi tomada”, porque se trata de “um processo muito longo” e actualmente as taxas dos títulos de dívida de Portugal estão muito mais baixas no mercado. O ministro referiu também que a operação foi “pequena do ponto de vista da dimensão”, mas foi “um sinal muito positivo da necessidade de diversificar os custos de financiamento”. Cobrir riscos Em declarações à Lusa, Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, explicou que, “a taxa relevante da operação são os 0,62 por cento porque analisando os ‘cash-flows’ finais em euros, entre entradas e saídas, Portugal irá pagar o equivalente a 0,62 por cento em euros”. O economista adiantou que, “de uma forma sensata e como faz normalmente nos casos em que incorre em risco cambial, o IGCP recorreu a instrumentos derivados de cobertura de risco”, que reflectem o diferencial de taxas de juro entre o euro e o yuan de uma forma inversa à da tomada do financiamento. “De facto, Portugal paga uma taxa de juro mais alta na emissão em yuan, mas é beneficiado ao cobrir o risco cambial da operação, mitigando a maior parte dessa diferença. Portanto, a cobertura cambial compensou grande parte do diferencial de taxas de juro entre as duas moedas, o que acontece pelas tecnicidades do processo de cobertura”, adiantou Filipe Garcia. Dito de outra forma, segundo o economista, “ao cobrir o risco, o IGCP também faz baixar a taxa de juro ‘implícita’ final a pagar”. Filipe Garcia admitiu também, à Lusa, que o custo final em euros foi mais alto do que um financiamento que fosse realizado nos mercados mais habituais. “Mas parece-me que a operação teve objectivos de cariz político e simbólico, deixando o ângulo financeiro para um segundo plano, até pelo montante da emissão”, frisou, acrescentando que “é uma forma abrir uma porta para diversificar fontes de financiamento e sinaliza ao mercado que Portugal tem flexibilidade nesta matéria”. A presidente do IGCP, Cristina Casalinho, disse, na semana anterior à operação, que a emissão de ‘Panda Bonds’ surgiu como “uma oportunidade” para Portugal continuar a alargar a base de investidores e adiantou que a operação demorou dois anos a ser negociada.
Hoje Macau Internacional MancheteMário Centeno eleito presidente do Eurogrupo [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo, esta segunda-feira, em Bruxelas. O ministro das Finanças português foi eleito à segunda volta porque à primeira não conseguiu alcançar os 10 votos necessários (em 19 possíveis). A segunda volta da eleição para presidente do Eurogrupo disputou-se entre Mário Centeno e o luxemburguês Pierre Gramegna, após o eslovaco Peter Kazimir também ter abdicado, tal como a candidata da Letónia. Horas antes da eleição, o Presidente da República português já dava por adquirida a vitória de Centeno. Para Marcelo Rebelo de Sousa, Portugal vai ter “uma voz mais forte” nas instituições europeias, mas também “um preço de exigência acrescida” em termos financeiros. “Quando olham agora para Portugal olham para o país que tem o presidente do Eurogrupo. Não é exactamente a mesma coisa. Era um patinho feio, para muitos, muito feio, há dois anos, e agora, de repente, é um cisne resplandecente. Isso faz toda a diferença”. “Agora, tudo tem um preço na vida. E o preço é o seguinte: é que não se brinca em serviço. A execução de 2018 e o Orçamento para 2019 têm de corresponder àquilo que é a exigência de alguém que dá o exemplo no Eurogrupo”, acrescentou. Consensos e críticas Consensos, consensos, consensos. É esta a receita do sucessor de Jeroen Dijsselbloem para o seu mandato à frente do órgão informal que reúne os ministros das Finanças dos países do euro. Quando apresentou a sua candidatura, o ministro português das Finanças assumiu como seu principal desafio “alcançar os consensos indispensáveis para reforçar o euro”. Numa conferência de imprensa na semana passada, Centeno prometeu também dar um “contributo construtivo, crítico às vezes para encontrar caminhos alternativos”, dando como exemplo o sucesso das políticas alternativas nos resultados económicos portugueses como trampolim para este projecto europeu. Centeno, que foi esta segunda-feira eleito à segunda volta, garantiu que Portugal vai ter uma voz activa e nas decisões, afirmando Portugal no contexto europeu. “Vivemos num tempo de decisões importantes na zona euro. Portugal deve participar de forma activa neste processo, oferecendo o seu contributo”, disse. Mais transparência e mais reformas O reforço da transparência e a reforma da zona euro são os principais desafios que o novo presidente do Eurogrupo enfrenta. “Desde a crise financeira, há uma pressão popular para aumentar a visibilidade do Eurogrupo em termos de maior transparência e de responsabilização” das decisões tomadas, afirmou ao “Público” Robin Huguenot-Noël, do “think tank” Centro de Política Europeia, em Bruxelas. Também o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, criticou, num texto citado pelo “Público”, as decisões tomadas pelo Eurogrupo, “à porta fechada, muitas vezes depois de discussões muito limitadas, sem regras formais”. Mário Centeno nunca escondeu as suas divergências em relação às políticas europeias e à União Económica e Monetária, que ainda recentemente acusava de estar a criar divergência e não convergência. Apoiante de reformas mais profundas, defende, por exemplo, a necessidade de mecanismos comuns de estabilização macroeconómica e a conclusão da união bancária. Começar pelo topo Mário José Gomes de Freitas Centeno ocupou o seu primeiro cargo político há apenas dois anos. A 26 de Novembro de 2015, assumia o cargo de ministro das Finanças, entrando assim na vida política pela porta grande. Para trás ficava toda uma carreira técnica no Banco de Portugal, onde entrou no ano 2000 como economista, chegando, quatro ano depois, ao cargo de director-adjunto do Departamento de Estudos Económicos. O deslize de Dijsselbloem: “Sou presidente até dia 12 de Janeiro e Centeno a 13” Nasceu em Olhão, a 9 de Dezembro de 1966. É licenciado em Economia e mestre em Matemática Aplicada pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, e mestre e doutorado em Economia pela Harvard Business School da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A par da sua carreira no Banco de Portugal, foi também presidente do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento das Estatísticas Macroeconómicas, no Conselho Superior de Estatística e professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Integrou ainda o Comité de Política Económica da União Europeia. Chega agora à presidência do Eurogrupo. Apoiado, mas… A nível interno, a escolha de Mário Centeno merece o aplauso de todos os partidos, mas com reservas. À direita, causa embaraço porque permite sustentar que é possível políticas alternativas. À esquerda, provoca desconforto nos partidos que apoiam o Governo, mas não apoiam a união monetária. Assunção Cristas, a líder do CDS, apressou-se a dizer que quando um português está num lugar relevante de decisão numa instituição internacional é um aspecto positivo, mas que não considera que “o ministro das Finanças em Portugal tenha desenvolvido, ou esteja a desenvolver um trabalho efectivamente relevante do ponto de vista da transparência, do ponto de vista da forma como actua, daquilo que diz aos portugueses”. Por isso, Cristas mantém todas as críticas a Mário Centeno. Da parte do PSD, o presidente do partido e os seus principais dirigentes têm preferido o silêncio, mas os dois candidatos à sucessão de Pedro Passos Coelho revelaram-se satisfeitos. “Parece-me bem para Portugal. Sempre que um português se candidata a um cargo de relevo nas instâncias internacionais, isso deve ser motivo de satisfação. Neste caso há uma preocupação conexa que é o modo como irá funcionar o Ministério das Finanças”, afirmou Pedro Santana Lopes. Embora considera que o cargo de líder do Eurogrupo não é absolutamente determinante, Rui Rio reconhece que “pode ter alguma influência sobre aquilo que podem ser as políticas europeias.” Para o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, a escolha de Centeno para a presidência do Eurogrupo não vai determinar as políticas da União Europeia nem significa melhorias para o país, como, disse, demonstraram experiências anteriores. Já para Catarina Martins, a coordenadora do Bloco de Esquerda, “ter ou não ter um responsável português à frente de uma instituição europeia não significa nada em concreto para Portugal. Não é condição de melhoria para o país, até porque o problema não é quem preside ao Eurogrupo, mas sim o Eurogrupo”. Finalmente, o Presidente da República avisa que Centeno não se pode “esquecer que começou por ser ministro das Finanças português e que só chega lá por se ministro das Finanças português. Não caiu do céu”. Por isso, considera fundamental que o ministro não perca o pé dentro de fronteiras com a eventual nova tarefa, até porque ainda faltam dois anos para 2019.