Manuel Vicente | Moradores vão manter cores das torres residenciais da Barra

Erguidas entre a metade da década de 70 e inícios da década de 80, as torres residenciais da Barra, um projecto do arquitecto Manuel Vicente, necessitam de obras de reparação, que deverão começar até ao final deste ano. Um membro da comissão de condóminos garantiu que as icónicas cores serão mantidas para respeitar o projecto original

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o carro, a caminho da Barra, o arquitecto disse da sua obra ao voltar a ela, anos depois: “Digo sempre aquela história que vos contei. Um dia o imperador resolveu mostrar o palácio ao seu poeta, e no meio desta viagem começa por descrever que começou a ver, ao longe, um conjunto de torres, e que à medida que se iam aproximando reparavam que nenhuma tinha a mesma cor mas que havia graduações da mesma cor. E eu tinha muita vontade de criar essa situação nas torres aqui da Barra, em que as cores iam sempre variando com os tons, umas depois das outras.”

É assim que Manuel Vicente se refere, no documentário sobre a sua carreira, transmitido pela RTP, ao projecto das torres residenciais da Barra que desenhou, em parceria com Manuel Graça Dias, entre a metade dos anos 70 e inícios dos anos 80.

Destinadas a albergar funcionários públicos, tendo sido, por isso, uma encomenda da Administração portuguesa, as torres apresentam hoje problemas decorrentes da passagem do tempo. A torre 3, de cor salmão, sofreu obras de renovação há oito anos, sendo que as obras de renovação das duas primeiras torres deverão começar até ao final deste ano. Ao HM, Alexandre Victal, um dos membros de uma comissão composta por oito administradores, moradores do prédio, garantiu que a mudança da coloração das torres nunca se colocou.

“As cores foram definidas pelo arquitecto na altura da construção, em parceria com o Governo. Em princípio, não as vamos alterar. O arquitecto quis definir três cores diferentes. Pelo respeito do arquitecto não vamos alterar as cores e não há moradores que queiram ver uma mudança”, explicou ao HM.

Renovar a torre número três custou três milhões de patacas e não há, para já, um orçamento definido para estas obras. “Na assembleia-geral definimos quais serão as obras a realizar, foi aprovado por uma maioria. Todos os anos, na assembleia-geral da comissão de gestão, falamos da realização das grandes obras, mas acima de orçamentos de 30 mil patacas não estamos autorizados a decidir nada. Fazemos a gestão corrente [dos assuntos] e temos esse orçamento por obra. Acima desse valor terá de ser aprovado em assembleia-geral da associação de condóminos”, adiantou Alexandre Victal.

A necessidade de realização das obras começou a ser discutida por um grupo de moradores que, de forma voluntária, avançaram para a resolução do problema. “Há dois anos que estamos a pensar resolver este assunto. Os administradores têm os seus trabalhos e temos preferência pelo fim do ano [para a realização das obras], para que seja mais conveniente”, explicou o responsável.

As três torres residenciais da Barra, com vista para o delta do rio das pérolas, albergam cerca de 144 apartamentos. Alexandre Victal adiantou que o Executivo pode disponibilizar um empréstimo de 50 mil patacas para cada condomínio que deseje fazer obras ao exterior dos edifícios, além de existir um fundo financeiro criado pelos próprios moradores.

Num território onde é difícil fazer a manutenção dos edifícios residenciais, por ser difícil chegar a um consenso no seio dos moradores, situação que não é atenuada pela actual lei, Alexandre Victal defende que a renovação das torres residenciais da Barra é um caso de sucesso, uma vez que não houve vozes contra as obras de renovação.

Além disso, sempre houve a preocupação de cumprir a lei neste ponto, pois é obrigatório fazer renovações às fachadas a cada dez anos. “Como funcionários públicos, quisemos cumprir esta regra”, frisou.

Uma boa notícia

Tratando-se de uma encomenda da Administração, estamos perante um projecto residencial que é parcialmente privado e que não está classificado. A preservação das cores poderia não acontecer, mas o facto dos moradores terem decidido manter o projecto original deixou o filho de Manuel Vicente, Lourenço Vicente, muito feliz.

“É uma boa notícia”, disse ao HM. Poderia, nestes casos, criar-se uma base legal específica para evitar mudanças bruscas em edifícios icónicos como este? A questão é velha, mas continua sem solução.

Teria de ser analisado “caso a caso, edifícios mais importantes, porque nos tais edifícios classificados a cor é muito importante”. “Isto dava pano para mangas, mas acho importante pensar-se nisso. A cor faz parte da entidade de um edifício. Seria uma alteração ao projecto inicial e aí obrigaria a um projecto de alterações junto das obras públicas”, adiantou Lourenço Vicente.

Rui Leão, arquitecto que trabalhou com Manuel Vicente, também considera ser fundamental a criação de um quadro legal sobre esta matéria. “Não haveria problema de existir uma classificação para este tipo de edifícios, porque são edifícios que ainda têm uma longa utilização e a sua manutenção não é uma questão complicada. Faria sentido criar uma classificação, porque este caso é feliz mas se calhar noutros não há essa sensibilidade de manter a fachada ou as cores.”

“Em Macau há muita selvajaria nesse sentido, na maneira como são preservados os edifícios. Não sei se a classificação faria sentido, mas talvez criar um quadro legal para que não fique tudo nas mãos dos utilizadores”, acrescentou Rui Leão.

A cor de Barragán

No documentário da RTP, Manuel Vicente recorda um projecto em que aliou a cor à geometria. “Achei muito engraçado porque fiz aquilo em muito pouco tempo, muito à minha maneira, e de repente compus o conjunto das três torres. Fiz tudo octogonal e a dada altura chamava-lhe a ‘inglesa curta’, porque se cruzavam em mim as influências do brutalismo inglês, que se reclamava muito do Corbusier, com os princípios muito rígidos, mas que eram uma nova ortodoxia, um movimento moderno, e estava-me a fugir a mão para essa aproximação.”

Manuel Vicente, falecido em 2013 aos 78 anos de idade, saiu, portanto, de uma posição de relativa rigidez para brincar com a diversidade de cores. “Deixei aquilo que era mais a minha origem, e da minha geração, das influências de Frank Lloyd Wrigt, de uma geometria rígida, que caracterizava muito as coisas dele, com figuras geométricas que se iam transformando. Eu ali andava à volta do quadrado, a figura geométrica que era o tema, e também com a ópera do Wagner, com variações e reconfigurações”.

Para as torres residenciais da Barra terá contribuído a influência do arquitecto mexicano Luís Barragán, que, segundo Lourenço Vicente, usava as cores como ninguém.

“Ele tinha cores maravilhosas e o meu pai chegou a visitá-lo quando vivia na América, talvez em 1967. O meu pai gostava muito da maneira como ele aplicava as cores.”

Também Rui Leão destaca a referência ao trabalho do arquitecto mexicano. “As cores iniciais, o azul e o rosa, estão muito associadas a um tipo de arquitectura, a mim faz-me muito lembrar o uso da cor pelo [Luís] Barragán.”

A terceira torre, que foi alvo de obras há oito anos, é cor salmão, mas não era para ser assim. “Lembro-me que ele tinha um frustração muito grande porque queria fazer uma mistura entre a cor da primeira e da segunda torre. A terceira torre deveria ter um cruzamento do azul e do rosa. Só que era um projecto encomendado pela Administração e houve a decisão de usar a tinta salmão. Foi uma coisa que não foi feita de acordo com o projecto dele.”

Além da cor, as torres residenciais da Barra fizeram a diferença por apresentarem também casas diferentes para se viver. “O tipo de apartamentos é muito diferente [face ao que era construído na altura] e era muito mais adequado ao tipo de utilização que havia na altura, com famílias portuguesas. Eram, sobretudo, funcionários públicos e havia um arranjo mais moderno e mais de acordo com o estilo de vida dessas famílias.”

Entre o final da década de 70 e inícios da década de 80, a zona da Praia Grande e da Barra não tinham praticamente construção, recordou Rui Leão. Por isso, as torres residenciais da Barra representaram “uma proposta muito urbana e, ao mesmo tempo, com uma nova tipologia de habitação”.

Com o passar dos tempos, alguns funcionários públicos acabaram por conseguir comprar as casas que lhes foram atribuídas, tendo-as vendido no mercado privado. Os compradores que as adquiriram representam hoje entre 50 a 60 por cento dos moradores. A Direcção dos Serviços de Finanças é ainda responsável pelo arrendamento de algumas fracções, assumindo 40 por cento. Há também algumas fracções que foram atribuídas ao Montepio Geral de Macau, em troca do imóvel que foi cedido para a Administração atrás das Ruínas de São Paulo.

28 Mai 2018

Manuel Vicente | As rotinas na Central Termoeléctrica de Coloane

Engenharia de olhos virados para o mar

 

No espaço desenhado por Manuel Vicente entre os anos de 1985 e 1988 habitam engenheiros e técnicos que todos os dias fazem o mesmo trabalho mecânico a olhar para máquinas. Todos os esforços são depositados para que não falte electricidade em cada casa do território. Dizem que o trabalho é monótono, mas têm compensações: a luz que entra e que embate nas escadas em espiral ou a vista diária para o mar do sul da China

 

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] entrada invade-nos um cheiro nauseabundo a produtos químicos e a processos industriais, enquanto a paisagem de Coloane nos consome as artérias e o olhar. Lá em baixo, muito para lá do portão fechado a cadeado, as janelas da central termoeléctrica desenhada por Manuel Vicente deixam entrar a luz natural de uma cidade em dia de sol.

Isso mesmo nos faz notar Jimmy Cheung, engenheiro que trabalha para a Companhia de Electricidade de Macau (CEM) desde 1998. “Para mim este edifício é muito interessante, as escadas são em espiral e as janelas deixam entrar a luz”.

Há muito que o cheiro nauseabundo deixou de se fazer sentir. Junto a caixas onde se lê a palavra “Frágil”, os funcionários de sempre fazem o trabalho igual todos os dias. Enquanto isso, uma empregada de limpeza vai removendo os detritos que se espalham pelo chão logo no arranque do dia.

Inaugurado em 1988, a central termoeléctrica de Coloane, concebida pelo arquitecto português e por Ana Fonseca, nasceu para ser um projecto de pequena dimensão. Na altura, ou seja, até aos anos 90, eram apenas duas turbinas a funcionar. Mas desde então que o espaço sofreu uma expansão. Entre a primeira obra e a segunda, de ampliação, passaram dez anos.

Trabalhadores da central termoeléctrica de Coloane. Foto: HM

No primeiro andar das chamadas oficinas da CEM, o chão deixa denotar os limites do que foi desenhado por Manuel Vicente e daquilo que foi sendo concebido e construído ao longo da história. Por isso vemos, ao lado de paredes com janelas cheias de quadrados de vidro com laivos amarelos, chão e paredes com azulejos de tons azul claro. Talvez o arquitecto pop na China não se importasse com a mistura de cores.

À saída, uma porta leva-nos às escadas em espiral que denotam o traço característico do arquitecto português. Mais uma vez a luz a invadir as entranhas. No chão, permanecem resquícios daquele que outrora foi o logótipo oficial da CEM, com ladrilhos de cor azul escura. O dia arranca sem parar, tal como o trabalho dentro das oficinas.

Trabalhar com a luz natural

Leong Pak Lok é técnico nas oficinas da CEM, onde trabalha desde o primeiro dia da sua inauguração. Quando acabou o ensino secundário, onde tirou um curso profissional na área, foi na CEM que encontrou o seu primeiro trabalho. O primeiro dia de trabalho fez-se em 1985, enquanto que em 1987 foi transferido para as novas oficinas. Ainda se recorda do rebuliço dos primeiros dias, em que máquinas, materiais e trabalhadores tinham de ser transferidos para o novo local.

“Penso que o arquitecto pensou no ambiente de trabalho (quando concebeu o espaço). Muitas coisas tiveram de mudar de lugar porque não sabíamos onde pôr algumas máquinas”, disse ao HM Leong Pak Lok, que actualmente trabalha com uma equipa de 16 pessoas.

Jimmy Cheung, que está na empresa desde 1991, recorda uma época em que Macau ainda não tinha o desenvolvimento económico que hoje tem desde que o jogo sofreu o boom. “Já cá estou há mais de 20 anos. Na altura Macau não tinha muitas indústrias, e como estudei engenharia na universidade (em Taiwan), achei que trabalhar para esta empresa seria a melhor opção para mim”, recorda.

Convidado a descrever o local onde trabalha, o engenheiro considera-o “compacto”. “Temos oficinas de trabalho, diferentes escritórios, uma cantina, chuveiros para os colegas tomarem banho quando transpiram depois do trabalho (risos). Todos gostam do edifício. A maioria dos escritórios são virados para o mar, então temos uma boa vista durante o trabalho, e a luz também nos ajuda. Todos esses elementos fazem com que este edifício seja bom para nós trabalharmos”, defendeu Jimmy Cheung.

Uma família em Coloane

Como é um dia-a-dia comum numa central termoeléctrica? O trabalho não pára e aqueles que fizeram o turno da noite têm de prestar contas do que aconteceu a quem entra ao serviço logo de manhã.

“Nas equipas de manutenção temos funcionários a trabalhar de forma permanente, temos cerca de 97 a 98 pessoas. A maioria dos membros da equipa trabalham na área da engenharia, mas claro que muitos trabalham na parte mais logística. Então todos os dias de manhã temos reuniões com as equipas de operação durante a última noite, se houve alguns episódios de emergência que precisam de ser resolvidos durante o dia seguinte. Depois vemos quais são os trabalhos prioritários para aquele dia que depois são distribuídos pelas equipas.”

A segurança é um dos pontos fulcrais do trabalho diário da central. “Vemos quais as medidas que a equipa tem de seguir nos trabalhos. Então nas manhãs a equipa de engenharia está muito ocupada a resolver problemas técnicos, enquanto que a equipa de execução muitas vezes tem de ser chamada a resolver um problema. Às tardes muitas vezes temos de resolver questões de prevenção, se não houverem mais incidentes para resolver. Durante o ano também temos de cumprir inspecções”, explicou Jimmy Cheung.

Na azáfama rotineira das regras a seguir, não há espaço para histórias peculiares. “O nosso trabalho é bastante aborrecido e monótono. (risos) E digo aborrecido porque todos os dias temos de olhar para as máquinas, ver se tudo está a funcionar correctamente, definir alguns trabalhos sistemáticos. Mas também enfrentamos alguns desafios e isso faz com que o trabalho se torne um pouco mais entusiasmante.”

No entanto, é inevitável que os desafios aconteçam. “Todos os dias enfrentamos situações diferentes. Às vezes é fácil porque já temos experiência em resolver alguns problemas, podemos identificá-los e resolvê-los imediatamente. Mas muitas vezes gastamos muito tempo a resolver um problema. É esse tipo de pressão que sentimos às vezes. Mas sentimos alegria em trabalhar aqui”, garante Jimmy Cheung.

Ben Lao, também engenheiro, que trabalha na CEM desde 1995, fala do ambiente de camaradagem existente nas oficinas.

“Temos boas experiências com os colegas. A maioria dos nossos colegas são chineses, mas também temos alguns portugueses (risos). Nos últimos anos conseguimos respeitar ambas as culturas. Celebramos o ano novo chinês com uma pequena festa, com os colegas. Também celebramos o natal. Todas essas actividades aqui fazem-nos sentir como uma família. Estamos juntos muitas horas, mais do que com as nossas próprias famílias”, disse ao HM.

Para lá da monotonia dos dias, reina a boa disposição. A cantina é o lugar que mais sorrisos desperta na hora de falar do dia-a-dia para lá das horas de trabalho.

“Temos uma boa cantina, e fazemos sempre as festas lá, como as de natal ou do ano novo chinês. Temos noodles, sanduíches. Lembro-me que costumávamos fazer uma competição para ver quem conseguia comer mais noodles. Isso era engraçado”, recorda Ben Lao.

As películas de cinema

No espaço central onde engenheiros e técnicos trabalham, Manuel Vicente imaginou um espectáculo de ópera. Cá fora, as janelas dispersas no edifício de cor creme, que não deixam perceber exactamente quantos andares existem, pareciam, na sua perspectiva, películas de cinema.

No documentário intitulado “A Macau de Manuel Vicente”, que foi transmitido na RTP, o arquitecto chega a Coloane apoiado na sua bengala e recorda estes elementos. “Abri aqueles rectânguluzinhos, que são um bocado películas cinematográficas. Havia um armazém muito simples, de arquitectura de engenheiro, mas que eu gostei muito.”

O mundo das artes uniu-se ao complexo universo da engenharia e daí resultou, segundo o arquitecto Adalberto Tenreiro, o “projecto mais kahniano do Manuel”, numa referência ao norte-americano Louis Kahn. Ao mesmo tempo, “continua a não ser kahniano”, defendeu Adalberto Tenreiro, por se imprimirem no edifício traços muito próprios de Manuel Vicente.

Adalberto Tenreiro trabalhou com Manuel Vicente no primeiro projecto de ampliação do edifício, no início dos anos 90, cujas alterações em nada mudaram a estrutura original da obra. Tratou-se simplesmente de acrescentar escritórios e oficinas, à medida que a estrutura de trabalho da CEM foi evoluindo.

HM

“Há uma coisa importante aqui que é a dignidade. Estas pessoas entram para este espaço como se entrassem para um palácio. Depois vestem-se na zona do vestiário, há um ritual de entrada. Depois tomam banho e saiem para a luz do átrio da entrada”, lembrou.

Na segunda ampliação trabalharam os arquitectos João Palla e Lourenço Vicente, filho de Manuel Vicente. Ambos destacam o facto do arquitecto ter conseguido fazer, de facto, arquitectura a partir de algo que, à partida, tinha tudo para ser simplista, pesado, mais técnico, sem sobressair face aos restantes.

“Gosto de todos os projectos dele, os que são bonitos e os que são feios”, começou por dizer Lourenço. “Mas é engraçado porque, de um ambiente industrial, fez isto. Ele fez sempre arquitectura”, apontou o filho enquanto olhava para os antigos esboços.

Traços irracionais

Para João Palla, a central térmica de Coloane carrega consigo detalhes característicos do estilo de Manuel Vicente, que podem passar despercebidos à partida. São as formas, a cor azul que deixou de o ser para passar a ser branca, os cilindros, os vidros do primeiro andar que deixam ver o que acontece cá em baixo nas oficinas e que permite uma comunicação visual entre todos os que ali trabalham.

Na segunda ampliação, João Palla recorda que trabalhou com o que tinha à mão. “Tínhamos sempre de trabalhar com a forma como a luz entrava no edifício, quase sempre de forma indirecta. O Lourenço teve essa ideia de criar um corredor para fosse possível olhar para as oficinas lá de cima.”

O ponto mais importante do uso da luz de forma indirecta é logo à entrada. Depois de passar por um bloco cilíndrico e de se observar a escada em espiral, o tecto deixa notar um desenho próprio que deixa entrar a luz natural, mas que se mistura com tudo o resto. A esta área Manuel Vicente chamava de aspirina, devido aos traços semelhantes ao comprimido.

“Hoje em dia seria um Prozac, na altura ele só tomava a aspirina”, ironiza Lourenço Vicente, que destaca também o logo da CEM impresso no chão, a partir do qual se constrói toda a narrativa.

Os três arquitectos falam de um trabalho onde houve rigor e cuidado, apesar de terem sido criadas novas regras além das que já existiam.

“Marca uma época da sua obra muito criativa. É um projecto racional mas também são introduzidos elementos que não são muito racionais, como esta intersecção da escada no edifício e todos estes volumes”, frisou João Palla.

HM

O arquitecto pop recorreu aos tons de amarelo e azul para que talvez fosse mais fácil o mar e o céu entrarem por ali adentro, ou toda a natureza de Coloane por inteiro. Fez tudo à sua maneira, sem restrições, porque, como denotou Adalberto Tenreiro, a CEM foi um óptimo cliente. Ao contratar arquitectos consagrados para realizar projectos de índole mais industrial, como é o caso de centrais e oficinas, a concessionária fez a diferença, apontou.

Nem sempre o uso da cor foi consensual nos seus projectos, e Adalberto Tenreiro lamenta que tenham pintado de branco uma das paredes que era azul. “Há aqui opções do Manuel Vicente que depois se tornam complicadas para as pessoas no dia-a-dia. As pessoas gostam muito do uso da cor, mas depois pintam de branco. Esta parte aqui era azul, trazia para dentro de casa o azul do céu”, referiu. A cor na obra de Manuel Vicente é tão importante que João Palla defende que se faça um estudo autónomo.

Quando estava a trabalhar na ampliação da central térmica de Coloane, Adalberto Tenreiro recorda que as ideias passavam para o papel sem grande diálogo. As coisas decidiam-se no momento, enquanto os parceiros desenhavam.

“Estávamos lá e ele não dialogou nada comigo, e com as cores era a mesma coisa. Era uma intuição mas era pensada, mas não dizia isso na reunião.”

23 Jan 2018

Exposição | “Descobrir Manuel Vicente” chega ao Brasil

É já no próximo sábado que inaugura, no Rio de Janeiro, a exposição “Descobrir Manuel Vicente”. A iniciativa parte da Docomomo Macau e, para Rui Leão, servirá não só para mostrar a obra do arquitecto, como estabelecer também um paralelismo entre Macau e a cidade brasileira

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ois anos depois de ter estado patente no Centro de Design de Macau, a exposição “Descobrir Manuel Vicente” prepara-se para chegar ao Rio de Janeiro. A inauguração acontece no próximo sábado, sendo uma iniciativa da Docomomo Macau em parceria com o Instituto de Arquitectos do Brasil.

Ao HM, o arquitecto Rui Leão, que preside à Docomomo Macau, explicou como surgiu a possibilidade de levar esta exposição à cidade carioca. “Vem na sequência da promoção que fizemos da exposição através do catálogo, e houve bastante interesse por parte do instituto e também da faculdade de arquitectura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.”

Para Rui Leão, Macau e Rio de Janeiro acabam por ser “sítios que têm bastantes afinidades culturais”. “Há um interesse especial na arquitectura que se faz entre um lado e outro. Uma das nossas premissas ao fazer uma exposição era tentar fazer uma comunicação da obra de Manuel Vicente até mais longe.”

Sem projectos para levar “Descobrir Manuel Vicente” a outros países, a exposição poderá ser também mostrada ao público brasileiro nas cidades de São Paulo e Salvador da Baía.

“Estamos com grandes expectativas que haja uma recepção forte e um grande interesse”, adiantou o presidente da Docomomo Macau. “Queremos, dessa maneira, fortalecer a relação entre os arquitectos de Macau e do Brasil”.

Diferentes mas iguais

A exposição que a Docomomo Macau leva para o Brasil não será exactamente igual à que esteve patente no território, até porque, segundo Rui Leão, há obras de Manuel Vicente que têm uma maior ligação com Macau.

“Há partes que foram reduzidas porque só faziam sentido no contexto de Macau. Foi feita uma selecção mais reduzida do espólio”, explicou o arquitecto, que referiu também a tentativa de comparar a arquitectura de Macau e do Rio de Janeiro.

“Houve um aumento do conteúdo [da exposição] porque, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolvemos um estudo comparativo entre as duas cidades. Isso vai ser apresentado na abertura da exposição.”

Rui Leão garantiu que as semelhanças entre os dois territórios prendem-se com a ligação ao mar, por exemplo. “São cidades diferentes mas feitas de coisas tão parecidas. Há uma relação com o mar, uma forma de estar e de organizar o espaço em função da água e das colinas. Há muitas semelhanças e pontos comuns, como a utilização de aterros. A configuração é que pode ser diferente.”

Ainda assim, o arquitecto, que é também membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, referiu que na cidade do Rio de Janeiro existem “instrumentos de planeamento e de salvaguarda de património mais desenvolvidos face a Macau, infelizmente”. “Aqui ainda não há esses instrumentos que permitam a preservação e o desenvolvimento”, frisou.

No contexto da exposição, será ainda realizada uma mesa redonda, “que será importante porque, de alguma maneira, vai permitir discutir as abordagens que há na arquitectura e as diferenças, o que está por detrás delas”, concluiu Rui Leão.

13 Jun 2017

Raquel Ochoa, autora da biografia de Manuel Vicente: “O seu génio era, por natureza, caótico”

No meio dos esquissos pragmáticos fazia poesia e filosofia, buscava eternamente um desconhecido para o conhecer e criar uma outra coisa. A paixão pela arquitectura durou até ao fim, tal como o lado pop que marcou um génio “irrepetível”. O livro “Manuel Vicente: A Desmontagem do Desconhecido” é hoje apresentado no edifício do antigo tribunal, no âmbito do festival Rota das Letras

[dropcap]C[/dropcap]omo é que chegou a Manuel Vicente e à possibilidade de escrever a sua biografia?
É uma aventura com muitos anos, porque escrever sobre Manuel Vicente é tudo menos fácil. Não é uma pessoa com um carácter e um percurso linear. Nenhum ser humano é, mas o Manuel Vicente destaca-se. O seu génio era, por natureza, caótico. Ele costumava dizer que a maneira de se ordenar era utilizando aquelas grelhas que ele usava muito na sua arquitectura. Quanto ao resto não seguia um padrão, não tinha uma forma de querer agradar a um qualquer parâmetro. Começámos este trabalho com o apoio do Centro Cultural e Científico de Macau. Um amigo que foi aluno dele, o Sérgio Xavier, disse-me: ‘Tu que escreves biografias vais adorar o meu professor, que é um homem que eu adoraria que alguém que não tem nada que ver com a arquitectura tentasse capturar a sua personalidade’. Fui um pouco sem saber ao que ia, mas fiquei imediatamente convencida. Comecei então a entrevistar Manuel Vicente, a conhecer alguns dos seus amigos. Isto durou dois anos e nunca pensámos que iria demorar tanto tempo a ser publicado o livro.

O que levou a isso?
Ele adoeceu e, antes disso, estava com trabalho e menos tempo. Por causa da doença afastámo-nos, ele afastou-se de toda a gente. Após a morte dele demorei a encontrar a finalização do projecto. 

Porquê?
Este trabalho não é uma biografia, chamo-lhe ensaio biográfico. Se estava pensado para ser uma biografia, não pôde ser no final devido à sua partida.

Houve histórias que ficaram por contar.
O meu trabalho não ficou completo e tinha de assumir um risco. Ou finalizava a biografia com um método que não é o meu ou tinha de chamar-lhe outra coisa, e torná-lo num documento interessante e importante para entender a vida de Manuel Vicente. Aí foi essencial a aproximação e interesse de Rui Leão, que foi seu colega e que o conheceu muito bem. Deu-me algum apoio e a sua equipa direccionou-me onde estava perdida. Depois fiz várias entrevistas e pude completar esta biografia. Tive acesso a um trabalho do Bruno Alves, que fez uma tese de mestrado sobre o arquitecto.

Que Manuel Vicente podemos ter no livro? Vamos ter o homem caótico ou o arquitecto que gosta de pop art?
É uma pergunta à qual é difícil responder. Sempre quis mostrar o Manuel Vicente íntimo, que não era nada fácil. O meu foco não é, de todo, a arquitectura. Esta aparece porque é a linguagem dele, é a maneira como ele se projecta na sua construção como pessoa. Percebo pouco ou nada de arquitectura e, aliás, a feitura deste livro muda-me completamente a visão que tenho sobre ela, sobre as cidades. As conversas com ele alteraram também a minha maneira de olhar o mundo. Há uma alteração entre a Raquel que não conhece o Manuel Vicente e a Raquel que passa a conhecê-lo. Fascina-me o carácter, o pensamento filosófico. O que me interessou partilhar foi: porque é que este homem consegue pensar desta maneira.

Ele próprio era uma pessoa do mundo. Muitos consideram-no um arquitecto de Macau, mas ele não gostava muito dessa designação.
Não posso com toda a certeza dizer que não gostava, mas posso dizer que ele se via como um arquitecto do mundo. E com muito mundo. Essa é uma das facetas que tento ao máximo apresentar de uma forma muito simples, contando episódios passados em várias partes do mundo e as pessoas que o influenciaram. Uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é viajar e identifiquei-me muito com o Manuel Vicente viajante. Há episódios incríveis na vida dele. Há um episódio em que ele tem a oportunidade de dar quase a volta ao mundo durante seis ou sete meses. A primeira mulher está grávida e, por um acidente de percurso ele perde um transporte, e quando chega à maternidade a mulher já tinha tido o filho. Obviamente ela não gostou, ele conta isto com imensa pena, mas este episódio revela bem o viajante que Manuel Vicente era e também o que é viajar: faz-nos também perder muitas coisas. Até ao fim da vida, lidou com as consequências de ser um viajante e de não ser um homem que assentou só num sítio. Falo nomeadamente da dificuldade que é estudar a obra arquitectónica dele, que é uma obra dispersa.

Que pessoa foi o Manuel Vicente que não está espelhada nos edifícios que desenhou? Há outro lado?
Sem dúvida. Qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade de privar com ele entende essa espontaneidade com que ele falava e se incorporava nas coisas. Ele tinha uma forma de ver esta planta que aqui está numa rua, numa cidade, num projecto. Tinha uma maneira de emergir nas coisas. Incorporava-se nas coisas com um mergulho completamente louco, de uma maneira incansável. São épicas as histórias dos seus ateliers, em que todos viviam praticamente neles. Ele impunha esse ritmo, mas aquilo era uma festa, não era nada imposto. Esta é talvez a faceta mais conhecida dele, a maneira fogosa com que ele vivia as coisas. Para mim, o mais interessante foi captar tudo isso em discurso directo. É ouvir a maneira como ele sussurrava as coisas. Em pormenores tentei ao máximo trazer essa voz dele, dos tempos que precisava para começar a falar das coisas. Não o vejo ou nunca o vi como arquitecto, como os outros olham para ele e têm um enorme respeito pela sua arquitectura. Entendo esse respeito, mas o que me fascinou foi o pensador Manuel Vicente. A maneira como ele pensa sobre a construção de uma identidade, de um povo.

Quando pensamos na arquitectura pensamos em algo estático, com números, linhas, e ele ia além disso. Ia além desse pensamento pragmático.
Sim. Ele tinha uma objectividade que é clara nas suas obras, mas era dentro dessas linhas que ele criava poesia. Eu também o via como poeta. Estava sempre a fazer grandes anotações de frases que ele dizia e que eram autêntica poesia. Confesso que vi o meu trabalho inacabado, mas chegámos a um produto final que vale a pena. Não é por acaso que não existem milhares de biografias sobre ele. É muito difícil encontrar um fio condutor para a história da vida dele. Era um homem de uma errância em relação ao pensamento e espaço físico onde viveu, e à própria arte que praticava. Ele recebeu influências de arquitectos também eles completamente erráticos e fora do sistema, e tudo isso é difícil de compilar e colocar numa obra biográfica.

Nessas conversas como surgia Macau? Surgia de forma espontânea, era um território que lhe dizia muito?
Macau surgiu nas nossas conversas constantemente. Não houve uma conversa em que Macau não surgisse. Era muito giro, porque ele tinha várias Macau na sua vida. Tinha a Macau que guardava de forma cinematográfica na sua cabeça, do período em que chegou [ao território], daquilo que foi a primeira grande paragem em termos profissionais. Depois tem a fase de Macau de grande trabalho e intervenção na cidade. Depois há uma terceira Macau, de fazer o seu trabalho olhando para as condições políticas que aqui existiam. [Desse período] também tem bastantes histórias para contar, mas sempre reservado. Muitas das informações nem surgem em discurso directo, mas sim com base em jornais. Há depois uma última Macau, quando ele tem cá o atelier, mas está baseado em Lisboa. É a Macau em que tudo o que ele é e sente vem daqui mas, ao mesmo tempo, com algumas amarguras, nomeadamente a história do Fai Chi Kei. 

Quando demoliram o complexo de habitação pública.
Ele tem um episódio que acho curial. Quando lhe perguntei o que achava desta demolição, conta que, durante os primeiros anos de Macau, houve alguém que tentou alterar a fachada de um edifício que ele tinha feito e que aquilo o transtornou por completo. Aí era o Manuel Vicente ainda jovem. Ele disse-me isso de uma maneira muito gira: ‘A minha tensão arterial foi para um nível que nunca mais saiu de lá. Percebi nesse momento que as minhas obras são as minhas obras, e eu sou eu’. Então, em relação ao Fai Chi Kei, ele dizia que era uma pena, mas que as cidades evoluem. Que lhe custava, mas que não ia pensar muito nisso.

Que outras mágoas levou de Macau?
Ele não era um homem de muitas mágoas. Esta é a resposta politicamente correcta, mas é verdadeira. Ele era um homem que respirava a projectar e dizia que a vida dele era fazer arquitectura. A única mágoa dele foi talvez não lhe terem dado mais trabalho. Acredito que o projecto da Expo 98 que foi demolido também tenha sido uma mágoa para ele, por ser a obra lindíssima que era. Teria outras, mas estas eram as mais evidentes. Ele era uma pessoa que explodia quando tinha de explodir, eu ainda tive uma quota-parte disso, mas não se compara a outras situações que aconteceram. O Manuel Vicente que conheci, nos últimos anos, é alguém completamente resolvido, à excepção de não se conformar com o facto de ter menos trabalho.

A arquitectura esteve à frente da vida pessoal?
Não sei se tenho estatuto para responder a isso. Sei que pôs a arquitectura à frente de tudo e mais alguma coisa, muitas vezes. Não sei se fazia isso de forma sistemática. A arquitectura era a sua grande paixão, mas adorava os filhos. Sempre que podia falava da segunda mulher, Teresa, falava com imenso respeito da primeira mulher, e a legião de amigos era muito referida. Era um homem de afectos, terá tido muitas loucuras e, nessa busca pela arquitectura, terá feito alguns atropelos.

O livro chama-se “A Desmontagem do Desconhecido”. É o desconhecido para além do que foi edificado?
É enigmático, foi difícil pensar um título à altura. A desmontagem vem da maneira que ele tinha de ver as coisas, de as desmontar. O desconhecido surgiu porque tudo o que era novo, o que ele não conhecia, era o que o animava. Percebi isso nele: ele queria ir em busca do desconhecido para depois desmontar e montar de novo à maneira dele. Há muitas histórias da infância neste livro, sobre a deficiência que ele tinha numa anca. Teve uma infância demolidora, passou 12 anos numa cama.

Talvez venha daí a vontade de ir à aventura.
Sim. Quando entendemos a infância que ele teve e de como a família o apoiou, que ele talvez não contasse no escritório, é interessante percebermos isso. É como a aventura na Índia, que o marca enquanto jovem. Ele tem também uma aventura em Karachi, no Paquistão, e o regresso da Índia é uma viagem que dá um livro. São coisas que se narram de forma breve e consistente neste livro, e que nos fazem aproximar de novo desta pessoa, que é muito saudosa para Macau e Portugal, para o mundo da arquitectura e dos pensantes que gostam de falar com alegria, a sorrir. Ele era essa pessoa.

Que legado deixa ele?
Há muita gente que, a partir do momento em que entra em contacto com ele e com a sua obra, percebe que Manuel Vicente é irrepetível. Tem este lado pop, uma linguagem apelativa para um jovem que goste do lado disruptivo da arquitectura. Acho que as pessoas que se interessam por este mundo não consensual da arquitectura o vão procurar e estudar.

7 Mar 2017

FRC | Apresentação de “compilação” reflexiva sobre Manuel Vicente

Manuel Vicente não foi só um português em Macau. Foi o arquitecto que inspirou a metrópole, que fez do seu atelier um lugar de discussão e que tem agora um Catálogo, fruto de uma reflexão colectiva, e que é apresentado amanhã, na Fundação Rui Cunha

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma leitura híbrida da cidade é o mote do debate a realizar na próxima quinta-feira, na Fundação Rui Cunha. A conversa é em torno do catálogo “Macau: Reading the Hybrid City”, que representa o resultado de uma investigação desenvolvida pela Docomomo Macau acerca da figura do arquitecto Manuel Vicente. Junta todo o material produzido para os ciclos de conferências e para a exposição “Descobrir Manuel Vicente”.
Rui Leão, presidente da Docomomo, disse ao HM que o Catálogo que será apresentado é “uma coisa completa” que documenta a obra do arquitecto. “É uma reflexão crítica” que tenciona perceber a sua trajectória “no âmbito de Macau e na cultura arquitectónica portuguesa enquanto figura representativa da mesma”.
Esta publicação nasce da vontade de estabelecer uma reflexão sobre a obra de Manuel Vicente a partir do ponto de vista de quem com ele trabalhou, partilhando o processo criativo, o pensamento e as estratégias que foram por ele enunciadas na sua prática em Macau, revela a organização. Macau é o segundo grande protagonista desta publicação visto que, tanto a localização periférica de Macau relativamente ao centro da discussão sobre as correntes arquitectónicas contemporâneas, como a especificidade desta cidade contribuíram para a singularidade do contributo de Manuel Vicente.
“É uma obra fruto da dialéctica constante entre o seu desejo criativo de matriz europeia e a expectativa do gosto local.”

Da arquitectura portuguesa

Até 1974 a sociedade portuguesa era caracterizada pela sua clausura devido às circunstâncias do próprio sistema, adianta Rui Leão. Não era uma sociedade aberta ao posicionamento crítico, sendo que as limitações atingiam a arquitectura enquanto representante de acção política.
“Manuel Vicente é um arquitecto-autor que vai à procura da rede e do mundo que estava a acontecer fora de portas, tanto na arquitectura, como na produção artística”, sublinha.
Outra questão a ter em conta diz respeito à “prática exógena” do atelier que Manuel Vicente tinha em Macau. Mais do que um lugar de trabalho, era um lugar de reunião e discussão de época e que trazia ao território profissionais de Portugal para participar neste conhecimento.
“Pela pessoa que era e pela forma como vivia e se relacionava com os outros, este era um sítio de criatividade e discussão colectiva”, o que se reflectia tanto política como culturalmente. “Dessa gente toda que por ali passou, onde me incluo, que vieram ou voltaram a Macau,” vieram à procura da Macau de Manuel Vicente o que implica “a construção de uma escola de pensamento de produção arquitectónica.”
Rui Leão explica ainda a existência desta escola na medida em que “Macau, pelas circunstâncias, possibilitava ao arquitecto uma visão cosmopolita e contemporânea que acabou por ser seguida por vários profissionais que entretanto voltaram para Lisboa.”
Com este caso assistimos a um modelo de arquitectura portuguesa que, ao contrário do que acontecia com as colónias naquele tempo, não saía de Lisboa, mas antes de Macau para a metrópole.
Rui Leão espera que este venha a ser um documento importante enquanto refere a intenção de lançamento de um ensaio futuro juntamente com a biógrafa Raquel Ochoa que há seis anos que se dedica a Manuel Vicente.
A apresentação estará a cargo de Ung Vai Meng, presidente do Instituto Cultural, havendo igualmente lugar a uma leitura crítica da responsabilidade dos arquitectos Carlotta Bruni e Carlos Marreiros. A iniciativa que tem lugar às 18h30 será proferida em Língua Portuguesa, com tradução simultânea para Cantonês e conta com entrada livre.

6 Jul 2016

Arquitecto Manuel Vicente vai dar nome a uma rua

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]acau vai mesmo ter uma rua com o nome do arquitecto Manuel Vicente. O pedido foi feito através de uma petição pública lançada pelo Jornal Tribuna de Macau já há três anos, tendo sido depois entregue ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Nada se sabia sobre a decisão, mas o organismo confirma agora que a ideia é para avançar. “O IACM recebeu a petição pública e o nome do arquitecto Manuel Vicente está na lista de nomes a atribuir a ruas de Macau”, começou por confirmar ao HM o organismo. O IACM explica que o processo de atribuição de nomes a ruas de Macau é “avaliado caso a caso”, consoante o surgimento de novas ruas na cidade. A lista de nomes inclui personalidades, cidades e lugares, não se sabendo em que lugar está o nome de Manuel Vicente. A petição foi lançada logo a seguir à morte do arquitecto, em 2013. Manuel Vicente foi o responsável por projectos como o plano da Baía da Praia Grande, o World Trade Centre, o projecto de habitação social do Fai Chi Kei, as Torres da Barra, o edifício da CEM em Coloane e o edifício do orfanato Helen Liang, entre outros. O profissional era denominado um Mestre da Arquitectura, mas também “o arquitecto de Macau”.

20 Mai 2016