Pedro Arede Grande Plano MancheteÓbito | Irmã Juliana Devoy morreu aos 83 anos Após uma vida dedicada aos direitos das mulheres e à acção social, a irmã Juliana Devoy morreu ontem aos 83 anos. Há mais de três décadas em Macau, a bondade e o trabalho no Centro Bom Pastor ficará para sempre na memória daqueles que tiveram o privilégio de a conhecer. Entre batalhas ganhas por Juliana Devoy destaca-se a criminalização da violência doméstica Faleceu ontem de manhã no Centro Hospitalar Conde de São Januário, a irmã Juliana Devoy, antiga directora do Centro do Bom Pastor, após uma vida dedicada aos direitos das mulheres e a outras causas como o tráfico humano. Tinha 83 anos e era natural do Nebrasca, nos Estados Unidos da América. Reconhecida pelo trabalho desenvolvido há mais de 30 anos desde que chegou a Macau ao Centro Bom Pastor, Juliana Devoy foi louvada pelo Governo de Macau em duas ocasiões. A primeira em 1997, quando a administração portuguesa atribuiu a medalha de mérito filantrópico e a segunda em 2012, quando o Executivo da RAEM lhe destinou a medalha de mérito altruístico. Contactada pelo HM, a actual directora do Centro do Bom Pastor, Debbie Lai, ressalva que a missão e a atitude da irmã Juliana “contribuiu muito para mudar a mentalidade das pessoas de Macau”, especialmente sobre os direitos das mulheres e das crianças e a respectiva consciencialização desses mesmos direitos. “Ela deu inúmeros contributos para mudar a sociedade, mas talvez o maior tenha sido ao nível da lei da violência doméstica, situação que antes da sua intervenção não era considerada crime público”, lembrou Debbie Lai. Importa ressalvar que para a criminalização da violência doméstica em Macau muito terá contribuído a deslocação de Juliana Devoy às Nações Unidas em 2014, para falar no Comité de Direitos Humanos sobre o tema. Luta de causas Quem também conviveu de perto com a irmã foi Agnes Lam. Ao HM, a deputada conta que a morte de Juliana Devoy “é uma grande perda para toda a sociedade de Macau”, mas também para as mulheres e as minorias que apoiou. Agnes Lam partilhou que, para além de ser encarada como um símbolo de justiça para as mulheres, e em termos de igualdade de género, “era também um símbolo de bondade”. “Conheci a irmã Juliana nos anos 90, quando começou no Centro do Bom Pastor e, por isso, acho que devo ter sido a primeira jornalista chinesa a entrevistá-la sobre as lutas que estavam a travar. Ao longo do tempo, falámos muitas vezes acerca de casos de violência doméstica e adolescentes grávidas que foram abandonadas e ela ajudou todas essas mulheres. Mais tarde, fui escolhida para ajudar no Centro do Bom Pastor e durante alguns anos mantivemos uma reunião mensal para falar de problemas que se passavam na sociedade e para colocar na agenda temas como a criminalização da violência doméstica”, partilhou a deputada. Uma das situações mais marcantes para a qual Juliana Devoy mobilizou esforços, recorda Agnes Lam, diz respeito ao caso de Lam Mong Ieng, mulher atacada pelo marido com óleo a ferver e ácido, deixando-a desfigurada e com lesões permanentes que lhe custaram a visão. “Da primeira vez que a família da vítima contactou comigo, falei com a irmã Juliana para ver como podíamos ajudar. Ao princípio não sabíamos o quão grave eram os ferimentos e não havia reacção do Governo. A irmã esteve em silêncio ao longo de toda a reunião e um pouco zangada comigo até, pois achava que não devíamos esperar por ninguém e avançar com a angariação de fundos o mais cedo possível”, conta a deputada. De todas as pessoas com quem travou contacto no Centro do Bom Pastor, Agnes Lam ressalva que “todas mencionaram a forma como a irmã Juliana as ajudou ao início, numa altura em que havia poucas verbas”, tendo chegado a angariar dinheiro “a título pessoal”. “Ela tomava genuinamente conta das pessoas, de uma forma personalizada. Dava todo o seu tempo e devoção para ter a certeza que todos à sua volta sentiam amor”, rematou Agnes Lam. Sem hesitar Meses depois de terminar o ensino secundário, Juliana Devoy integrou a Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor em Los Angeles. Estávamos em 1954, Juliana Devoy tinha 17 anos e vontade de ser missionária longe de casa. “Quando me despedi da minha família sabia que eles me podiam visitar, mas sabia também que nunca mais voltaria a casa. Somente a graça de Deus e a alegria que experimentei podem explicar como fui capaz de tal sacrifício”, pode ler-se no perfil de Juliana Devoy escrito na primeira pessoa e que consta no portal da Congregação para a região da Ásia-Pacífico. Daí rumou a Hong Kong em 1963, onde ficou até 1988, ano em que veio para Macau. “Quem quereria ir viver para Macau? Não se passa lá nada. Nunca pensei que os mais de 20 anos que passei em Macau seriam, na verdade, o período dourado da minha vida enquanto missionária. Aqui em Macau tive a oportunidade de criar, inovar e de fazer coisas que não poderiam ser feitas noutros lugares. No nosso Centro do Bom Pastor fomos capazes de receber muitas mulheres e meninas, desde adolescentes grávidas a vítimas de violência doméstica, passando por vítimas menores de tráfico humano (…) e tantas outras que não encaixam em nenhuma categoria”, pode ler-se no mesmo perfil. “Tem sido uma enorme alegria ser um instrumento de Deus para intervir em tantas vidas”. Regresso a casa Objecto de uma “amizade profunda de muitos anos”, o Padre Luís Sequeira conta que conheceu Juliana Devoy mesmo antes de ser padre e que teve o privilégio de a acompanhar no último retiro que fez, há cerca de duas semanas. A morte, conta, já estaria nos seus pensamentos. “Diria que tive o privilégio de estar no último retiro que ela fez, há poucos dias antes de falecer, e posso dizer que durante esse caminho, que é um período de oito dias muito intenso (…) a linha de orientação foi a intimidade com Deus. Sinto que a irmã Juliana que tanto deu ao serviço das pessoas em grandes dificuldades e na problemática da mulher, estava a preparar-se para a morte. No meu entender, ela preparou-se, o que se explica com o desejo de estar intimamente ligada à Deus”, partilhou. Segundo Luís Sequeira, esta “inconsciente” preparação para a morte, materializa “uma aspiração profunda de conhecer totalmente Deus”, característica da experiência fulcral das irmãs do Bom Pastor, em que a morte é sentida “como o encontro com Deus de uma mulher crente”. O sacerdote da Companhia de Jesus lembra ainda que Juliana Devoy “tinha um dom especial para acompanhar e ajudar pessoas em grandes dificuldades” e que, mais recentemente, o seu trabalho estava mais orientado para o tráfico humano, apesar de o foco ter sido sempre “a problemática da família e, mais especificamente, da mulher”. “Concretamente em Macau, é cada vez mais claro que o tráfico humano se faz e está muito ligado à diversão, prostituição e tudo isso. São situações que trazem grandes angústias às pessoas”, conta Luís Sequeira. Sobre os marcos alcançados ao longo dos anos, o sacerdote não tem dúvida que o que fica, e que maior retorno terá dado a Juliana Devoy, foi o impacto que a sua obra teve na criação de “legislação mais condizente com a condição da mulher”. “O que lhe poderá ter dado mais consolação como consequência da sua dedicação foram, em certo sentido, essas manifestações do tipo legal que promovem a protecção da mulher, pois houve uma evolução nos últimos anos (…) que ajuda pessoas em extrema dificuldade a melhorar as suas vidas”, apontou. Questionado sobre a forma como irá recordar Juliana Devoy, o sacerdote destaca que, para sempre, sobressairá “o grande vigor interior na ajuda às pessoas em grande angústia”. “Por vezes não se nota nem se vê, mas a angústia é uma realidade da vivência humana que está a aumentar cada vez mais. Ela com a sua vocação e perspicácia profundamente humana e espiritual foi ao encontro dessa angústia que vai tomando conta das nossas sociedades”, rematou.
Sofia Margarida Mota SociedadeTráfico Humano | Juliana Devoy contesta relatório dos EUA Juliana Devoy contestou o último relatório dos EUA sobre o tráfico humano. Para a responsável pelo Centro do Bom Pastor, o Governo tem feito esforços para combater este flagelo e o facto de não existirem mais denúncias e acusações tem que ver com a própria cultura local [dropcap]A[/dropcap]responsável pelo Centro do Bom Pastor, Juliana Devoy, enviou uma carta ao consulado dos Estados Unidos em Hong Kong a contestar o último relatório daquele país contra o tráfico humano. De acordo com o documento divulgado no passado mês de Junho, o Departamento de Estado norte-americano colocou Macau no nível dois da lista de vigilância pelo segundo ano consecutivo, argumentando que o território “não cumpre na íntegra os padrões mínimos para a eliminação do tráfico humano”. Juliana Devoy, responde que “quem está fora não entende nada da cultura de Macau”, em declarações à comunicação social após uma conferência de imprensa realizada para divulgar as actividades em curso ainda este ano para alertar a população sobre o tráfico de pessoas. A responsável admite que não é fácil entender a ausência de queixas e de processos relativos a esta questão para quem não está familiarizado com as circunstâncias de Macau. “As pessoas não vão avançar para se queixar porque se trata de um território muito pequeno e têm medo”, começou por explicar. Fazer uma denúncia exige um alto grau de confiança nas autoridades de modo a que a protecção seja garantida, acrescentou, e em Macau isso não acontece até porque em “lugares pequenos há que ter consciência que as pessoa têm de pensar duas vezes”. Traficantes mais espertos Apesar dos esforços do Governo para combater o tráfico humano, os responsáveis por esta actividade estão cada vez “mais espertos”, afirmou, justificando a diminuição do número de menores que têm dado entrada no Centro do Bom Pastor. No ano passado foram registados dois casos e este ano, até agora, um. Se até há pouco tempo as vítimas de tráfico humano podiam ser encontradas perto dos casinos ou em hotéis, agora, e para fugir às autoridades, são cada vez mais aquelas que actuam em apartamentos, acrescentou. A ausência de acusações vindas de menores deve-se ainda à falta de colaboração com as autoridades. “São pessoas que vão sempre dizer que vieram para Macau porque quiseram e decidiram sozinhas, que ninguém as trouxe, e por isso é muito difícil conseguir chegar a uma acusação contra quem é responsável pelo tráfico”, disse. Os adultos nesta situação têm mais dificuldades até porque, no caso das mulheres, estão normalmente ligadas à prostituição, “uma actividade que não é nem legal nem ilegal e estas pessoas têm que avançar por si e não por serem apanhadas pelas autoridades”. Juliana Devoy fez um paralelo com a situação em Taiwan, território em que a actividade de prostituição é ilegal, defendendo que é mais fácil para a polícia apanhar as pessoas que a praticam, o que facilita a identificação de vítimas de tráfico. No total, Juliana Devoy recebeu desde 2008, um ano depois da aprovação da lei sobre o tráfico humano, 62 pessoas. Já o Instituto de Acção Social (IAS), contabiliza 135 casos, todos eles relativos a mulheres. Os homens já dispõem de um centro de apoio dirigido ao tráfico de mão de obra, no entanto, em um ano de existência, a entidade não recebeu qualquer pedido de ajuda. Dá-me tempo Apesar da cooperação por parte do Governo, que considera fazer um “óptimo trabalho”, é preciso mudar a abordagem às situações que envolvem menores. Para Devoy, que acolhe as vítimas de tráfico humano, até que regressem a casa, os poucos dias que estas pessoas passam no centro não chegam para evitar que voltem ao circuito de tráfico. “Estas raparigas precisam de permanecer no centro alguns meses para que possam integrar um programa de formação, para lhes dar tempo”, disse. O objectivo é que esse período, “de dois ou três meses”, possa ser dedicado “à reflexão e recuperação, de modo a que estas vítimas pensem no que lhes aconteceu, na forma como ficaram envolvidas numa rede de tráfico humano e como é que podem pensar em algo que lhes dê um futuro”, disse. O argumento do Governo para levar estas raparigas de volta à sua origem está ligado à defesa dos direitos humanos no sentido em que deve ser respeitada a vontade da vítima, mas a responsável pelo Bom Pastor opõe-se: “Dizemos que não, não é um direito humano e temos que ser lógicos e consistentes: se vão resgatar estas raparigas porque se tratam de menores e as Nações Unidas as considera crianças, então também têm que cuidar delas enquanto crianças, pelo menos durante um período no qual se registe um esforço para lhes oferecer um programa capaz de lhes dar novas oportunidades”, justificou. Juliana Devoy defende ainda a criação de parcerias com instituições na China continental, de onde provêm a grande maioria dos casos, para que, no regresso a casa estas crianças possam continuar a ter algum tipo de acompanhamento. Cenário de derrota As situações de regresso registadas até ao momento variam entre as de perda imediata do rasto e as que, mesmo rastreadas acabam por, passado pouco tempo, voltar a desaparecer. Acresce ainda que, tratando-se de menores, são raparigas que quando entram nas redes de tráfico querem realmente sair das suas casas “porque não são felizes e por isso mandá-las de volta não é a solução”, sublinhou. Apesar de ainda não existirem medidas para adiar o retorno, Juliana acredita que o IAS já percebeu que é preciso fazer alguma coisa para dar a estas vítimas “algum tipo de perspectiva e fazê-las pensar no futuro”. Outra característica comum às menores que têm sido acolhidas pelo Bom Pastor é o abandono dos estudos. “Tivemos uma menina, que disse ter terminado o ensino secundário, à qual sugerimos continuar a estudar, mas descobrimos que o diploma afinal tinha sido comprado”, refere, salientando que todas abandonaram a escola. Para Devoy é essencial apostar na educação, porque sem ela não se pode pensar em futuro, apontou. “É necessário arranjar uma forma de reintegrar estas pessoas numa escola ou então de arranjar algum tipo de formação que possam frequentar e que seja capaz de lhes dar outras perspectivas”, acrescentou. Entretanto foi ontem apresentado um conjunto de actividades a realizar ainda este ano para sensibilizar a população para o problema do tráfico humano. A iniciativa é do Centro do Bom Pastor e tem como objectivo continuar os trabalhos de combate a esta problemática, desta feita envolvendo a população. Na calha, está a apresentação de vídeos, alertas na via pública, referências nos passes dos autocarros e palestras nas escolas. A apresentação de ontem contou com o director executivo do MGM China, Grant Bowie, que tem colaborado com o Bom Pastor no combate ao tráfico humano. Segundo o responsável, “o maior desafio é perceber como é que se pode romper com o ciclo do tráfico e como é que se faz com que as pessoas se sintam confiantes e confortáveis para avançar com acusações”.
Sofia Margarida Mota SociedadeTráfico humano | Relatório é injusto para Macau, diz Juliana Devoy Macau e Hong Kong estão no nível dois de vigilância no que respeita ao tráfico humano. A comparação não é justa, considera a directora do Centro do Bom Pastor [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omparar Macau e Hong Kong quando se fala no combate ao tráfico humano não é justo. A ideia é deixada ao HM pela directora do Centro do Bom Pastor, Juliana Devoy, em reacção relatório acerca do tráfico humano divulgado, esta semana, pelos Estados Unidos. Para a responsável, os resultados foram uma surpresa. “Fiquei muito desiludida com o relatório: Hong Kong e Macau estão na lista de vigilância e penso que não é justo para o território”, diz. Em causa, para Devoy, estão duas situações que podem ser equiparadas. “Seria como comparar Macau a países como a Coreia do Norte ou mesmo ao Continente”, refere. Em Hong Kong, o Governo nega a existência de tráfico humano, “nega que exista um problema e, como tal, não há qualquer medida para que seja combatido”, refere. Envolvida no combate a este tipo e criminalidade e na protecção das vítimas, Juliana Devoy justifica: “Tenho contacto com agências do território vizinho, nomeadamente com organizações não governamentais (ONG) que têm tentado, por todos os meios, alertar o Governo da RAEHK para a existência deste problema e para a necessidade de intervenção”, diz. Mas a resposta, afirma, repete-se: “Em Hong Kong não há tráfico humano, pelo que não é necessário fazer nada”. Em Macau, a situação é muito diferente. “Dizer que não estão a ser feitos esforços neste sentido, não é verdade.” Para Devoy, o Governo local tem levado a sério a questão do tráfico de pessoas e os resultados apontados por Washington são baseados, “à partida, em critérios que nada revelam acerca da realidade”. A classificação foi dada tendo por fundamento o número de condenações, o que “não é um critério justo”, diz. “Quando se fala de tráfico humano não é possível contabilizar os seus actores e as dificuldades são muitas”, sublinha a directora. Nem tidos, nem achados Por outro lado, dada a escala do problema e o número de entidades envolvidas no seu combate, Juliana Devoy considera que, quando se faz uma avaliação deste género, há que ter em conta todos os envolvidos. “Tanto quanto sei, no ano passado, a pessoa que recolhia os dados vinha ao território algumas vezes. No entanto, não quiseram saber de quem trabalha também no terreno, como nós. Nem nos contactaram”, explica, sendo que não deixa de sublinhar que, tratando-se de uma matéria que envolve várias entidades, além do Governo, seria fundamental o contacto com as ONG que estão em acção. O combate ao tráfico humano existe, no território, desde 2008 e, de acordo com a directora, o Governo tem dado passos para melhorar a situação. “Não está feito tudo e há muito a fazer, há mais e melhor”, incentiva Juliana Devoy, que considera os resultados do relatório também desmotivantes para quem anda a lutar contra o tráfico de pessoas. A opinião é partilhada pelo secretário-geral da Caritas Macau, Paul Pun. Para o responsável, Macau tem feito esforços efectivos no sentido de combater a criminalidade associada ao tráfico humano. No entanto, a matéria é complicada, é preciso mais, e Paul Pun deixa algumas sugestões. De modo a tornar mais visíveis as acções que pretende implementar e para deixar uma mensagem às possíveis vítimas, seria bom que o Governo avançasse para outro tipo de iniciativas. “O Executivo podia colocar cartazes e informação nos postos fronteiriços, nos terminais marítimos e no aeroporto, visto que muitas das vítimas passam por ali”. Desta informação constariam números e formas de contacto para pedir ajuda. Juliana Devoy apela ainda a uma formação específica dirigida aos juízes que tratam este tipo de casos. A directora do Centro do Bom Pastor recorda também palestras a que assistiu em que as forças de segurança mostraram as suas preocupações. “Quando se fala de tráfico de pessoas, além das dificuldades relativas às provas, os métodos que os criminosos adoptam estão constantemente a ser actualizados para que não sejam apanhados e os magistrados, muitas vezes, não têm sensibilidade e meios”, explica Devoy. Salário a quem vem de fora Um dos recados que também foi deixado por Washington diz respeito à criação de um salário mínimo para não residentes. Paul Pun, que tem trabalho feito junto das populações mais carenciadas, não podia estar mais de acordo. “É fundamental que isso aconteça porque as pessoas têm de viver com dignidade e a imposição de um salário mínimo permitiria não só a subsistência familiar da população migrante que se encontra em Macau, como podia vir a prevenir situações de abuso que têm que ver com a escravatura moderna”, disse.
João Luz Manchete SociedadeFamília | Nasce em Macau “Grupo de Acção para a Adopção” Depois da aprovação da lei da violência doméstica, Juliana Devoy decidiu que se devia focar na questão da adopção em Macau. Como tal, o Centro do Bom Pastor ajudou a criar um grupo que promete lidar com a situação [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] adopção é um assunto a necessitar de urgente intervenção, e para o qual Juliana Devoy considerou estarem reunidas as condições para, finalmente, ser tratado. Em primeiro lugar, ficou decidido que se deveriam juntar pais adoptivos e fazer um brainstorming de forma a identificar os principais problemas e intervir. “Achámos que o melhor não era falar de adopção, mas falar dos direitos das crianças em crescer numa família”, revela Juliana Devoy. Estava dado o pontapé de saída para a criação do Grupo de Acção para a Adopção. Este é um assunto muito próximo do Centro do Bom Pastor, uma vez que a instituição, desde 1990, acolheu 92 mulheres que decidiram ter filhos apesar de não terem condições para tal. Dessas mulheres, 32 eram menores de idade. Neste ponto há uma situação institucional que não favorece as crianças: um bebé só pode ser adoptado depois de a mãe completar 18 anos de idade. Isto leva a que criança não tenha estabilidade familiar. Primeiro fica com a progenitora e, por falta de maturidade, a responsabilidade de criar a criança acaba por recair sobre a avó. Mais tarde, quando a mãe se torna maior de idade, coloca a criança para adopção. Além disso, em Macau, adoptar é um pesadelo burocrático, uma vez que os processos se arrastam, demorando “talvez dois ou três anos”, conta Juliana Devoy. A demora leva a que os potenciais pais adoptivos se sintam desencorajados a darem esse passo. Outra questão é a cultura da região. “Na maioria das famílias, se têm uma filha grávida escondem esse facto, ao ponto de não quererem que ela traga o bebé para casa depois de dar à luz”, conta a directora do Centro do Bom Pastor. Mesmo entre os casais que adoptam, esse acto é mantido em segredo, apenas sendo revelado muito tarde na vida dos filhos. “É algo pouco saudável”, conta, e um grande choque psicológico para a criança. “Entre os chineses há um sentido de vergonha”, comenta Juliana Devoy. Os casais interessados ainda têm de enfrentar o facto de as adopções em Macau serem limitadas ao território, e no Interior da China. “Não podem adoptar um bebé em Hong Kong ou em Taiwan, não existem adopções internacionais”, explica a directora do Centro do Bom Pastor. O grupo que foi apresentado ontem, Dia Mundial da Criança, tenciona recolher informação sobre os processos de adopção nos países vizinhos, de forma a ter pontos de referência. No Dia Mundial da Adopção, que se celebra a 11 de Novembro, o Grupo de Acção para a Adopção organiza uma mesa redonda na Fundação Rui Cunha, para sensibilizar a população para o tema. Participam na discussão pais adoptivos que contarão as suas histórias, de forma a ilustrar o quão importante é para uma criança crescer em família.