A nova ordem económica internacional (II)

“In the course of dynamic economic taking-off, both China and India are taking active measures to establish and modernize their competition regimes as an important institution to support the national development. Although the two developing giants share in some aspects common concerns and face similar challenges, the different political, legal and market conditions seem to reflect more disparities in their breaking paths, which will be valuable experiences to the world.”

China, India and the International Economic Order

Muthucumaraswamy Sornarajah and Jiangyu Wang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] criação de uma nova ordem económica global apresentada como inevitável, obriga à consideração de diversos elementos fundamentais, como a tecnologia que sempre foi uma força de ruptura. Após 1945, os países investiram fortemente na investigação militar e espacial, surgindo a “Internet” e a navegação por satélite, ambas produto dessas investigações. Estão a aparecer um grande número de novas tecnologias, algumas com capacidade para mudar drasticamente muitas situações, especialmente na área da robótica, nanotecnologia e medicina, afectando a sociedade e os negócios.

A partir da perspectiva da influência económica é de destacar três desenvolvimentos. Não são tecnologias propriamente ditas, mas reacções comerciais e políticas à ruptura tecnológica. O primeiro, envolve a segurança cibernética, que é necessária, pois os “hackers” continuam a ter acesso à propriedade intelectual, intimidam adversários e alteram conteúdos públicos e privados. O número de ataques a sistemas industriais de controlo em todo o mundo quadruplicou, entre 2013 e 2014.

É provável que não se consiga uma defesa global contra os ataques cibernéticos, porque requerem um indispensável nível de cooperação internacional. Se os países intervierem, para controlar o problema, podem afectar o uso da “Internet” por parte da população e das empresas. Essas acções também podem limitar o crescimento económico. Os países devem aferir as suas acções, tal como no passado o fizeram, com os mercados de câmbio, para equilibrar os seus objectivos de intervenção, não afectando o crescimento económico.

O segundo elemento relaciona-se com o desenvolvimento da tecnologia e a mudança geopolítica da energia. O poder dos países produtores de petróleo foi notável, pelo menos, desde a crise do petróleo de 1973. As tecnologias destinadas à recuperação de fontes não convencionais de petróleo têm perturbado o equilíbrio da oferta e da procura. A Agência de Informação sobre Energia americana prevê que os Estados Unidos poderiam tornar-se em um exportador líquido de energia, em 2019, graças à revolução de fracturamento hidráulico, também conhecido com “Fracking”. Mesmo que os preços do petróleo recuperem, o crescente uso de energias renováveis, vai reduzir a importância geopolítica dos produtores de petróleo. Não deve constituir surpresa, que os grandes países consumidores de petróleo, como os Estados Unidos e a China, sejam também os que mais investem em energias renováveis.

A “Breakthrough Energy Coalition”, que tem como membros fundadores Mark Zuckerberg, Richard Branson, George Soros, Jack Ma e a Universidade da Califórnia, entre muitas outras individualidades de prestígio, liderada por Bill Gates, é outro sinal de mudança de fortuna. Trata-se de uma sociedade multimilionária de investigação, baseada na cooperação entre os sectores público e privado, que tem por objectivo não apenas combater as alterações climáticas, mas também, ocupar uma posição de influência na oferta energética destinada à indústria tecnológica.

O terceiro elemento, relaciona-se com a tecnologia e a distribuição geográfica dos desenvolvimentos tecnológicos, que não está limitada às economias desenvolvidas. Os inovadores de tecnologia estão espalhados pelo mundo e o capital procura-os, onde quer que se encontrem. As tecnologias importantes aparecem onde são mais necessárias. Os pagamentos móveis têm um campo fértil de desenvolvimento em África, onde milhões de pessoas não têm acesso a bancos ou ao sistema básico de telecomunicações por rede telefónica fixa.

As instituições financeiras, no mundo industrializado anseiam por estudar o “blockchain”, que é uma tecnologia para verificação automática, que admite moedas digitais como a “bitcoin’. Se surgir à escala global, a combinação adequada de novas tecnologias financeiras, poderia alterar significativamente a estrutura do negócio dos serviços financeiros. As tecnologias revolucionárias podem aparecer em qualquer ponto geográfico do globo, criando incerteza e sendo mais difícil confiar nas fontes sólidas de poder e estabilidade.

As tendências não existem no vazio, pois interactuam entre si para criar padrões de mudança. Sendo certo que é impossível saber a forma como se irão combinar, é possível preparar-nos para os tipos de incerteza que nos esperam. O novo ambiente não é conhecido, até mesmo para os mais experientes. Quem deve tomar decisões importantes para as empresas, terá de abordar seis áreas fundamentais, tais como, desenvolver um centro de excelência para evitar ataques cibernéticos. Tal como todos os riscos, esses ataques exigem que sejam estudados os processos de negócios para minimizar o seu impacto, e adaptar as infra-estruturas e equipamentos aos desafios que estão em jogo. No mínimo exige-se capacidade para responder com eficiência aos ataques.

A debilidade económica nos Estados Unidos e na Europa, combinada com o crescimento económico da China têm legitimado o uso do RMB, quer como moeda comercial, quer como reserva. Uma fonte de vantagem competitiva nos próximos amos será o acesso ao RMB, e outra serão os eficientes correspondentes bancários, e os acordos de compensação financeira que permitem aos bancos realizar transacções internacionais. O poder será transferido para escalas locais, nacionais e regionais, os acordos comerciais regionalizam-se e a capacidade de influenciar legitimamente os intervenientes do governo, fará a diferença entre o sucesso e fracasso, pelo que reconhecer as relações do governo como uma competência fundamental, será importante, não sendo apenas uma mais-valia para os sectores regulados como os bancos e os serviços públicos, mas também para todas as organizações.

A gestão do risco geopolítico, as relações com os intervenientes do governo e a capacidade para dominar as parcerias público-privadas será um requisito para as empresas prosperarem globalmente. A organização da avaliação da forma como os seus objectivos e negócios serão afectados com a mudança para um mundo multipolar, particularmente, na Ásia, onde a China competirá cada vez pelo domínio e a Índia cresce rapidamente, será de crucial importância. As empresas, terão também, de preparar as suas capacidades logísticas para poder mover provisões, bens, serviços, capital e pessoas pelas esferas de influência.

O conhecimento local e a aptidão linguística da força laboral, especialmente dos gestores, serão fundamentais para as oportunidades de negócios a nível global. As diferenças entre os mercados vão necessitar de maior desenvolvimento de pessoas com aptidões especiais a nível local e regional. Os modelos de governança deverão adaptar-se para equilibrar cuidadosamente as tomadas de decisões locais, com considerações e exigências globais e regionais. Assim, devem ser aproveitadas as pessoas com aptidões especiais, nos locais onde se fazem os negócios.

A dinâmica competitiva em um mundo em rápida mudança poderia ser perturbada por empresas novas cujos líderes antecipam tendências e as dirigem. A fim de fazer face a tal situação, todas as organizações deverão estabelecer uma cultura de inovação a nível global. As de maior capacidade devem instalar centros de inovação. Tais esforços irão mais além que a questão tecnológica, pois as empresas deverão trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de novos ecossistemas complexos.

28 Out 2016

A nova ordem económica internacional (I)

“As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.”

“China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes.

A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar.

A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica.

Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente.

As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes.

A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares.

O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial.

A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza.

A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes.

A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado.

O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado.

As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus.

A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões.

O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”.

Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.

19 Out 2016

O 67.º aniversário da República Popular da China

“The decade under Xi’s leadership, from 2012 to 2022, is going to be a pivotal one as he is determined to lead China towards national rejuvenation at a time when sustaining a fast rate of growth is becoming increasingly challenging. China’s reforms have reached a stage where a crucial decision has to be made. Just prior to Xi taking over in 2012, when all Chinese leaders were reformers, it was not clear where that reform was heading or what the next stage would look like. China could stay the course or embark on an ambitious process of rebalancing the economy, with all the potential benefits and risks this would entail. As top leader Xi is not happy to rest on his laurels or muddle through. He is determined to use his decade in power to leave his mark.”

China in the Xi Jinping Era
Steve Tsang and Honghua Men

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexagésimo sétimo aniversário da República Popular da China (RPC), proclamada por Mao Tsé-Tung a 1 de Outubro de 2015, demonstra à saciedade o sucesso da denominada economia socialista de mercado, que permitiu em trinta e oito anos transformar um país de população maioritariamente rural, na segunda potência económica mundial, pelo que só revisitando o passado se pode entender o enorme salto em frente dado pela China, em tão curto espaço de tempo.
A história do comércio externo chinês começou com a dinastia ocidental Han de 206 a.C. a 9 d.C., durante a famosa rota da seda, através da qual a Ásia Central era explorada por enviados chineses e durante as dinastias posteriores, os navios chineses comerciavam por todo o caminho marítimo da Ásia, tendo como destino final a costa africana, enquanto as caravanas estendiam os seus contactos comerciais pela Ásia Central e Médio Oriente. Este e muitos outros numerosos factos impossíveis de enumerar em detalhe, confirmam que em termos históricos a China não só foi berço de uma civilização, mas também, uma potência comercial, mesmo que em sentido inverso ao da globalização dominante e perversa, completamente capitalista, tendo evoluído os seus sistemas políticos e comerciais, com o fim de sobreviver a tal processo mundial.
A política económica da China tem por base o denominado modelo de economia socialista de mercado. O regime de governo da China é uma República Popular Comunista, alicerçada numa Constituição. A sua economia, de igual modo pode-se considerar rígida e dirigida pelo Estado, e fundamenta-se num pacto entre este e os trabalhadores, em matéria industrial, e com os camponeses, em matéria agro-pecuária.
A política económica da RPC foi originalmente fundada na direcção da política industrial, agrícola, monetária e comercial pelo governo, com a colaboração das demais autoridades e do Comité Central do Partido Comunista. Todavia, os líderes da China, ao invés dos ex-líderes soviéticos que permaneceram agarrados ao seu modelo económico tradicional, sem aceitar a necessidade de se acomodarem às mudanças da economia mundial, essencialmente comercial, previram a necessidade de transformar a sua economia, para se adaptarem às tendências internacionais em voga.
A inclusão da China como competidor comercial estratégico na nova ordem económica mundial não é um fenómeno recente, mas que obedece a um esforço contínuo de cerca de quatro décadas, muito antes da previsão da queda do muro de Berlim, fragmentação da ex-União Soviética, e do bloco socialista, ou seja, os líderes chineses desde o final de 1978, tentaram mudar a sua economia, baseada no modelo soviético de planeamento centralizado, por um de mercado orientado, mas controlado pelo Partido Comunista, passando a agricultura a um sistema centralizado, substituindo o anterior sistema baseado na colectivização, aumentaram os deveres dos que exerciam cargos directivos nas indústrias, permitiram uma grande diversidade de pequenas empresas e abriram a economia ao investimento estrangeiro e ao comércio externo.
As reformas introduzidas, podem ser consideradas como a chave para o desenvolvimento e transformação da economia chinesa, levando ao estabelecimento de relações económicas com outros países através do comércio, investimento estrangeiro, bem como da criação de vários consórcios transnacionais industriais e comerciais. As boas oportunidades comerciais sempre estão relacionadas com a boa situação económica de um país.
Quanto ao sector agrícola e industrial, a produção agrícola duplicou na década de 1980 e a indústria melhorou significativamente, especialmente nas zonas do litoral próximas de Hong Kong e afastadas de Taiwan, onde a ajuda externa e os modernos métodos de produção tinham sido aperfeiçoados, quer a nível da produção local, como das exportações. O PIB triplicou comparativamente com o de 1978, e foi aumentando gradualmente em termos económicos, até atingir a média de 10 por cento na década de 1990. O governo estabelece políticas de emprego da população à medida que reestruturava e aperfeiçoava os sistemas administrativos do Estado, e preparava as condições, que culminaram com a transformação de uma economia centralizada, por uma economia dinâmica.
É de recordar que foi aprovado um conjunto de reformas de longo prazo, em 1993, para melhorar as leis de mercado e reforçar o controlo central financeiro, fiscalizando as indústrias chave da economia socialista de mercado. O governo, ao mesmo tempo, esforçou-se em manter as grandes empresas estatais, muitas das quais não tinham participado no despertar da economia. Assim, no desenvolvimento da economia chinesa, durante o tempo que realizou a sua adaptação às tendências dominantes da economia internacional, o Estado levou a cabo a transformação de forma gradual, equilibrada e coerente, dado incorporar todos os sectores produtivos, pois não se abriu imediatamente, mas foi preparando as condições necessárias para que conseguisse tal objectivo de forma plena, efectiva e permanente, sem efeitos de retrocesso ou de tipo negativo.
Além disso, uma das estratégias que permitiram a RPC impulsionar o seu crescimento comercial, eliminando um conjunto de impostos que fizeram diminuir o consumo interno e, simultaneamente são abertas as Zonas Económicas Especiais (ZEE), no litoral oriental, praticando o livre comércio com o resto do mundo, desde a América do Sul à União Europeia (UE). A China praticou um conjunto de reformas na estrutura do comércio externo, tendo preparado as condições de forma equilibrada, quer para o mercado interno, como externo.
As reformas ao comércio externo, podem-se notar na ampliação das atribuições e competências das instituições de poder local ao avaliarem e autorizarem as exportações, promovendo a autonomia de gestão e exportação das empresas de comércio externo, tendo sido alterada basicamente a velha estrutura pela qual o comércio externo era gerido de forma monopolista pelo Estado, encontrando-se altamente concentrado, e não estavam separadas as funções governamentais das actividades empresariais e se administravam de forma unificada os ganhos e as perdas.
O Estado reduziu gradualmente a administração dos planos de carácter directivo no comércio externo e das respectivas empresas, estabelecendo o sistema de administração que regula o comércio externo, bem como os impostos aduaneiros, taxas de câmbio e créditos, atribuindo poderes às administrações públicas locais para fomentar, gerir e apoiar as actividades de comércio externo, assim como agilizar a tramitação processual, evitando a submissão à gestão directa dos órgãos do governo central. O sistema adoptado pela RPC, como parte do seu processo de incorporação e adaptação às transformações da economia mundial, no quadro da globalização, conserva as características do governo socialista.
O pilar vital denominado de sectores definitivos da economia chinesa é a indústria e o campo, detendo a propriedade de mais de 80 por cento das empresas que os integram. O mesmo sucede com os sectores estratégicos da economia chinesa, em matéria de petróleo e energia eléctrica, o governo conserva a exclusividade da propriedade e gestão das empresas que exploram, processam e distribuem esses valiosos recursos. As empresas do sector dos produtos de consumo, ou indústria ligeira, como sejam as motocicletas, electrodomésticos e computadores, entre muitos outros, estão abertas ao investimento estrangeiro, sendo que 90 por cento das empresas deste sector, é propriedade privada e detido por empresas estrangeiras. Neste ramo de produção chinesa não existe controlo, nem restrições do Estado.
A China decidiu adoptar o modelo económico de economia socialista de mercado, em conformidade com o decidido durante a III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1978. Antes dessa data, quando se iniciou a reforma e abertura, o governo fixava os preços da maioria dos produtos do mercado. Após 1978, à medida que se foi alterando o sistema de economia planificada e se aprofundava gradualmente a reforma da economia, apareceram um após outro, os mercados de mercadorias, financeiros, tecnologia e de trabalho.
A China tinha passado do sistema de economia planificada e centralizada para o de sistema preliminar de economia de mercado socialista, sendo reforçado o papel de regulação do mercado sobre a economia. A III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, tomou a resolução mais revolucionária e estratégica da sua história, que veio determinar o futuro da China, ao transferir o centro de gravidade dos trabalhos para a modernização socialista e aplicar a política de reforma e abertura que se iniciou primeiro nas zonas rurais. Os princípios da década de 1980, e após a reforma e abertura com o alargamento do mercado de mercadorias e a mudança da relação entre a oferta e procura, são marcados pelas medidas tomadas pelo governo, que permitiram realizar de forma planificada e metódica a reforma dos preços.
Existiam três tipos de preços, os fixados e orientados pelo governo e os regulados pelo mercado que aumentavam constantemente. A III Sessão Plenária do XII Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1984, aprovou a resolução acerca da reforma da estrutura económica, passando a reforma e abertura do campo à cidade.
É enorme a importância económica que teve a China desde os primórdios dos tempos antigos, quer por ser um dos berços centrais da humanidade, como por ser berço de alguns dos avanços tecnológicos mais valiosos da humanidade, com todas as implicações que tiveram historicamente do âmbito da economia (a dominação militar foi possível, entre outras, devido à invenção da pólvora, recordando que suportado na dominação foi a forma que permitiu às potências europeias construir impérios e ter colónias pelo mundo). Mas apesar de ser um importante centro financeiro global, a China nunca apoiou esse apogeu no comércio externo. Anos percorridos, a China reencontra-se e é a segunda potência económica mundial, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador a nível mundial.

29 Set 2016

A 11.ª Cimeira do G20 na China

“At this year`s G20 Summit, held in east China`s Hangzhou on September 4 and 5, countering protectionism and stepping up international economic governance in the midst of globalization were among the hot topics for discussion. The setting of this agenda shows that the world`s major economies are all trying to safeguard and push forward economic globalization, which is regarded as the foundation for the integration and progress of human society.”

Beijing Review, Vol.59 No.36 September 8, 2016

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 11.ª Cimeira das vinte maiores potências desenvolvidas e emergentes, a nível mundial, realizou-se entre 4 e 5 de Setembro de 2016, em Hangzhou, na República Popular da China. A China como país anfitrião da Cimeira teve a grande oportunidade de mostrar-se como uma potência global face aos principais líderes mundiais. O governo chinês preparou a cidade, famosa pelas ilhas que pontilham o seu Lago Oeste, encerrando a actividade de centenas de fábricas, para garantir um céu azul e implementou medidas de segurança rigorosas.
O tema da Cimeira foi “Para uma economia mundial inovadora, dinamizada, interligada e inclusiva”. Os líderes dos países aprovaram a discussão centrada no reforço do crescimento do G-20, procura de políticas e conceitos de crescimento inovadores, construção de uma economia mundial aberta e garantia de que o crescimento económico beneficie todos os países e populações.
Apesar dos líderes mundiais se encontrarem num momento de incerteza económica e fraco crescimento económico global, a ausência de uma crise urgente fazia acreditar que o encontro criasse poucos avanços em relação à 10.ª Cimeira do G-20 realizada em Antália, na Turquia, entre 15 e 16 de Novembro de 2015, que tinha como principais temas de agenda, dar uma resposta colectiva à crise dos refugiados, emprego, crescimento e investimento, bem como a questão do emprego dos jovens e a inclusão social, o combate à fraude e à evasão fiscais, a abertura comercial e as negociações da ONU em matéria de alterações climáticas.
O G-20 é o grupo dos 20 países (G20), incluindo as dezanove maiores economias mundiais e a União Europeia (UE), que conjuntamente, representam 85 por cento do PIB mundial e dois terços da sua população. A Cimeira tratou primeiramente de política económica e financeira, mas para os líderes reunidos foi também, a oportunidade para sociabilizar e enfrentar os temas urgentes e sensíveis da agenda, desde as crises geopolíticas até às alterações climáticas.
A primeira Cimeira do G-20 realizou-se em 1999, após o embate provocado pela crise financeira asiática, que mostrou a urgente necessidade de uma maior coordenação global. O Grupo dos 7 (G7), que constitui o exclusivo clube dos países mais desenvolvidos do mundo não inclui potências como o Brasil, China e Índia, que começavam a ter um papel cada vez mais importante na economia mundial. As Cimeiras no inicio eram encontros meramente técnicos entre ministros, mas após a crise sistémica global de 2008, passaram a ser ao nível dos líderes dos países, tentando prevenir o colapso do sistema financeiro global.
Quanto aos sucessos alcançados não existe unanimidade, pois pode ser visto como algo de importante para coordenar as políticas económicas, ou pode ser entendido como pouco mais que um grande palco de discursos e amena cavaqueira. O que seguramente se pode afirmar, é que as Cimeiras produziram uma longa lista de promessas. A Cimeira de 2015, na Turquia, foi pródiga, tendo os líderes dos países feitos cento e treze promessas sobre diversos temas, desde o corte de subsídios até ao aumento da ajuda aos refugiados, mas o fracasso da Cimeira no cumprimento das promessas do passado, aumentou as interrogações sobre a credibilidade das promessas no futuro. O estudo da Universidade de Toronto revelou que o cumprimento de treze promessas prioritárias feitas em 2015 era de cerca de 77 por cento.
As previsões dos analistas para a Cimeira em Hangzhou, era da improbabilidade de ter algum resultado significativo. Sem nenhuma aguda crise que empurre à mudança, o sentimento geral de anti-globalização torna difícil para muitos líderes fazerem sérios compromissos. A directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), advertiu que o mundo enfrenta uma mistura potencialmente nociva de baixo crescimento a longo prazo e uma crescente desigualdade social, criando tentações políticas populistas e barreiras tarifárias mais elevadas.
A Cimeira é um marco de referência para a China, desde que o mundo se direccionou ao país que está no centro do planeta Terra para sair da crise financeira de 2008, tendo o governo chinês advertido com crescente urgência, merecer ter um papel mais adequado à sua condição de segunda economia mundial. O G-20 é a maior e mais prestigiada Cimeira organizada pelo gigante asiático. Apesar de não ter sido uma entronização, o presidente chinês quis mostrar ao mundo e aos seus adversários políticos que a China é uma nação poderosa, capaz de assumir um papel de guia da economia mundial.
Os países durante a Cimeira tentaram encontrar soluções para a revitalização da economia global. Os líderes dos países do G-20 tinham por objectivo reactivar a deprimida economia mundial, pese a relutância de muitos países à globalização e as tensões territoriais da China com alguns dos seus vizinhos, terem ensombrado a Cimeira. A China queria projectar uma imagem de grande potência, segura de si e consolidada como segunda economia mundial. A Cimeira começou de forma auspiciosa a 3 de Setembro de 2016, com o anúncio conjunto do presidente chinês e americano de ratificar o histórico Tratado de Paris sobre o clima e que pode encorajar outros países a tomar idêntica atitude e acelerar a sua entrada em vigor.
O Secretário-geral da ONU, que recebeu das mãos do presidente chinês e americano, os documentos oficiais de ratificação, salientou que se tratava de um passo histórico na luta contra as alterações climáticas. É de recordar que os Estados Unidos e a China são as duas economias mais poluidoras do mundo. Os problemas geopolíticos, incluindo a guerra na Síria ou as tensões no Mar da China Meridional poderiam afastar a abordagem das questões económicas pelo que ficaram à margem da Cimeira. A China tenta evitar a discussão acerca das suas ambições nesse mar, mas os seus vizinhos encontram-se preocupados pela recente construção na zona de infra-estruturas, que incluem pistas de aterragem em recifes e ilhotas que a China reclama, mas que os seus vizinhos as disputam.
O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia expuseram numa carta conjunta enviada aos Chefes de Estado e de Governo dos Estados membros da UE, as principais questões que deviam ser tratadas na Cimeira, como o papel do G-20 face à crise internacional de refugiados, emprego, crescimento e investimento, transparência fiscal internacional e luta contra o financiamento do terrorismo, resiliência do sistema monetário e financeiro internacional, abertura do comércio e investimento, aplicação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e ratificação do Tratado de Paris sobre alterações climáticas.
O presidente dos Estados Unidos na primeira sessão plenária, afirmou que as economias crescem melhor quando todos participam desse crescimento, solicitando que fossem tomadas medidas que garantam a não aplicação de novas receitas proteccionistas e populistas. O presidente chinês por sua vez, manifestou-se contra o proteccionismo, dado considerar que o isolamento não ajudará nenhum país a sair da crise e face à tendência de alguns países mostrarem um comportamento contra a globalização, existe a necessidade de garantir uma economia global, aberta e inclusiva. É certo que a abertura económica conduz ao desenvolvimento e o isolamento ao atraso.
A China tinha proposto na 10.ª Cimeira do G-20 realizar um diagnóstico de saúde da economia mundial, encontrar a melhor prescrição e trabalhar com todos os países membros no sentido de encontrar a forma de atacar os sintomas e a raiz do problema, que poderá materializar-se num “Plano Hangzhou”. O presidente chinês apostou em aproveitar o momento histórico que representam as novas tecnologias, tendo insistido que todos os países, devem trabalham em conjunto de forma a poderem maximizar os efeitos positivos da revolução tecnológica e minimizar, os seus aspectos negativos. O presidente chinês face às críticas por parte dos empresários europeus sobre as restrições que sofrem as empresas estrangeiras na China, insistiu que o seu país continuará no caminho da abertura e facilitará o acesso ao investimento.
O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia tinham definido as prioridades da Cimeira como sendo o livre comércio, crise dos refugiados, crescimento do emprego, estabilidade financeira e transparência fiscal. O G-20 tem de melhorar a forma de comunicação dos benefícios do livre comércio, e dar o empurrão político necessário para libertar a liberalização do comércio multilateral que está estagnada.
O comunicado final da Cimeira referiu a crise migratória e de refugiados, tendo sido unanimemente acordado a necessidade de unir esforços à escala mundial para fazer frente às consequências, carências de protecção e causas profundas das crises. Fizeram um apelo a favor da necessidade de intensificar a ajuda humanitária e o realojamento dos refugiados. Quanto à luta contra o terrorismo, foi reafirmado a sua solidariedade e determinação, bem como o compromisso de combater o seu financiamento. A Cimeira também ressaltou, a importância da adesão, o mais breve possível, ao Tratado de Paris sobre alterações climáticas. As principais economias mundiais expressaram a sua determinação de usar todos os instrumentos políticos, incluindo a política monetária, fiscal e estrutural para alcançar um crescimento enérgico, sustentável, equilibrado e integrador, pondo em execução o “Plano de Acção de Hangzhou” e exortando a uma rápida e plena execução das estratégias de crescimento.
A Cimeira prevê o inicio da cooperação em matéria de inovação, da nova revolução industrial e da economia digital. Os líderes aprovaram o plano geral do G-20 em matéria de crescimento inovador, incluindo medidas neste âmbito. Foi debatida a forma de como seguir a construção de um sistema financeiro aberto e flexível, apoiando a cooperação fiscal internacional. Foi acordado reforçar uma economia aberta e promover os benefícios do comércio e dos mercados abertos, assim como, a contribuição para a execução da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. À margem da Cimeira o Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia, reuniram-se com o presidente turco para discutir as relações entre a UE e a Turquia, referente à cooperação contínua em matéria de migração, denegrindo mais os princípios e valores constitucionais da Europa ao manterem diálogo com um ditador que tudo tem desrespeitado em matéria de direitos humanos, depois do falacioso golpe de estado.
Assim, foi aprovado na Cimeira do G-20 de Hangzhou, reforçar o programa do G-20 para o crescimento, pôr em prática políticas e conceitos de crescimento inovadores, construir uma economia mundial aberta, garantir o crescimento económico que beneficie todos os países e pessoas, combater a crise migratória e de refugiados, lutar contra o terrorismo e as alterações climáticas.
Ficou acordado que a 12.ª Cimeira do G-20 se realizará na Alemanha, em 2017.

21 Set 2016

O sonho africano

“Therefore to allow the African dream to be realised, the respect for national sovereignty of both the rich and poor nations should form the cornerstone of new global institutions for political, economic, social and cultural development.”

The African dream: from poverty to prosperity
B W T Mutharika

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] continente africano é a potência do futuro, a esperança e o fracasso da humanidade, que se impões como um vício e obriga quem o visita a voltar uma e outra vez, e mesmo quem vá para lugares quase ignorados e desconhecidos, o perigo não é a violência, mas a burocracia. A África é dura e difícil, mas apaixonante. O sonho do século XXI, de ser o século africano é poderoso e emocionante, e está a converter-se numa realidade. A realização da primeira “Cimeira entre os Estados Unidos e a África”, e os seus líderes, de 4 a 6 de Agosto de 2014, em Washington, foi o momento propício para uma reflexão, e considerar os fundamentos e limites do progresso do continente.
Apesar de em muitas regiões africanas, a pobreza ser ainda um problema muito grave, o continente africano é mais estável do que no passado, e também apresenta algumas das mais altas taxas de crescimento económico do mundo. É de recordar que durante a última década, dezenas de milhões de pessoas, em toda a África, integraram-se na classe média, as cidades estão a crescer rapidamente e têm a população mais jovem do mundo. Mas, como as palavras as leva o vento, os africanos não devem considerar nada como garantido. Apesar do impulso que mostra o continente, sabem que a história é um caminho de sonhos desperdiçados, e aplica-se especialmente a África.
Assim, os africanos têm muito a fazer, se querem aproveitar esta oportunidade, e uma das tarefas mais urgentes que têm de enfrentar, é a criação de mercados sub-regionais de maior dimensão, mais integrados e que se encontrem profundamente interligados com a economia global. Ao fim e ao cabo, existe uma abundância de exemplos, (União Europeia, Associação de Nações do Sudeste Asiático, Acordo de Livre Comércio da América do Norte) de como a integração das regiões geográficas, pode criar condições para se conseguir o crescimento e a prosperidade em conjunto, através da remoção de barreiras comerciais, harmonização de regulamentos, abertura dos mercados de trabalho e o desenvolvimento de infra-estruturas partilhadas.

A visão para esta região de África, traduziu-se na criação da iniciativa denominada de “Integração dos Projectos do Corredor Norte”. O Quénia, Ruanda e Uganda, (ao qual se juntaram o Sudão do Sul, e a Etiópia) nos últimos três anos, lançaram mais de catorze projectos conjuntos, cujo objectivo é o aprofundamento e a integração da África Oriental, e facilitar o desenvolvimento da actividade económica na região. Os resultados são visíveis. Foi implementado um único visto para o turismo, válido nos três países. Foi criado um único território aduaneiro, reduzindo drasticamente os procedimentos burocráticos e removidas as barreiras não tarifárias. Além disso, foi projectada uma linha ferroviária de bitola padrão, em construção a partir de Mombaça no Quénia e situada no Oceano Índico, passando pelas capitais do Ruanda e do Sudão do Sul, através da capital do Uganda, cujo primeiro trecho foi financiado por parceiros chineses, e cuja obra na sua totalidade, prevê-se estar concluída, em Dezembro de 2017.
Todavia, para se prosseguir com o projecto tiveram que combater más práticas profundamente enraizadas. Infelizmente, em toda a África, as fronteiras nacionais tem sido muitas vezes obstáculo, antes que os mecanismos para a cooperação intercontinentais, em matéria de comércio, segurança para a cooperação no comércio, emprego e ambiente funcionem. É muito comum que as economias africanas, considerem mais fácil, negociar e coordenar políticas com países de outros continentes que os seus vizinhos. Assim, estão determinados a mudar a situação existente, servindo de exemplo, a iniciativa do Corredor Norte, em cujo contexto cada um dos três países é responsável pela realização de vários projectos-base.
O Uganda, por exemplo, está empenhado em encontrar investidores para uma nova refinaria de petróleo, e lidera o desenvolvimento de infra-estruturas regionais em tecnologias da informação e comunicação, pelo qual eliminará a cobrança de itinerância para os serviços de telefone móvel, entre os três países. O Quénia, comprometeu-se a desenvolver um mercado regional de bens, obter melhorias nos recursos humanos por meio de serviços de consultadoria e educação, bem como, construir oleodutos para o transporte de petróleo bruto e refinado. Além disso, está a explorar formas de ampliar a criação e transporte regional de energia.

O Ruanda é responsável pela harmonização das leis de emigração e promover a liberdade de circulação, quer dos seus cidadãos e turistas, bem como a coordenação da segurança regional, através da Força de Reserva da África Oriental, gestão do espaço aéreo e promoção da oferta turística conjunta. O sucesso destas iniciativas será observado em alterações reais, que beneficiam os cidadãos da região, e deve elaborar planos de implementação para o obter.
A solução para o progresso, é o de não erigir monumentos a figuras políticas ou realizar cimeiras, mas reduzir o custo das transacções comerciais e aumentar os rendimentos dos cidadãos. A burocracia, por vezes, torna os processos administrativos demasiado lentos, porque está institucionalmente programada para subverter a mudança. Os projectos de integração do Corredor Norte são projectados para criar e sustentar, a vontade política necessária para a realização das diversas iniciativas.
Os Estados Unidos sempre foram um parceiro importante para os países da região, mas o caminho para a solução dos seus problemas, não se resolve com doações dos contribuintes americanos, e só os países com o seu sector empresarial, poderão realizar tal tarefa. Os países da região, esperam estabelecer um relacionamento mais profundo e normal com os Estados Unidos, concentrando-se no que se pode realizar conjuntamente, ao invés de saber o que a América pode oferecer para os beneficiar. A África sempre teve tudo o que necessita para permanecer de pé, ainda que, muitos sejam os tombos e acidentes de percurso. O sucesso das iniciativas da África Oriental, é possível nas demais regiões africanas, se os países se unirem e terminarem com as guerras fratricidas, que desde logo, é o primeiro e maior sonho africano, seguido da eliminação da pobreza, exploração dos seus recursos naturais que alimentam o desenvolvimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O “El Sueño de Africa”, é também o título de um dos livros, de uma trilogia dedicada à África Oriental, escrito pelo espanhol Javier Reverte, que narra a sua viagem, durante vários meses, ao Uganda, Tanzânia e Quénia. A viagem inicia-se na capital do Uganda, cujo tema é a cidade e a importância do Lago Vitoria, como o centro da vida da África Oriental. A partir de Kampala visita as nascentes do rio Nilo, que além da sua espectacularidade, têm uma grande importância na história da exploração africana, dado que a sua pesquisa, foi a motivação das primeiras expedições europeias realizadas às zonas dos Grandes Lagos. Javier Reverte conta as grandes histórias do passado e as pequenas do presente, os mitos da exploração, os dias da era colonial e a independência desses três países africanos. As páginas do seu livro revivem os antigos reis africanos, os primeiros exploradores, os caçadores e os grandes escritores que escreveram sobre África. Traça a pintura voraz e colorida da África de hoje, a que ri e a que chora, a amarga e alegre, e transmite-nos a emoção de um sonho demasiado humano.
A grande questão de realização do sonho africano é o de saber como vai a África encontrar a solução, quando se encontra grávida de uma miríade de problemas que vão da pobreza à autocracia. O novo paradigma para o pensamento económico africano irá influenciar a direcção do crescimento e desenvolvimento do continente? O consenso geral, é que para escapar à pobreza, os povos africanos devem assumir o controlo dos seus recursos e reformar as suas prioridades de desenvolvimento e estratégias. Os africanos têm um elo comum e partilham objectivos conjuntos, visando em última análise, unificar o seu continente como um povo digno, como todos os pan-africanistas, desde Henry Sylvester Williams, Nkwame Nkrumah, Julius Nyerere, Nelson Mandela e Thabo Mbeki desejavam.
O sonho de África, gira do afro-pessimismo ao afro-optimismo, postulando que o continente se irá industrializar e desenvolver, usando os seus recursos naturais, habilidades dos seus povos e tomando o controlo total do seu destino, subestimando todas as diferenças culturais que existam e apelando para a solidariedade e resistência à exploração, sem olvidar os legados históricos, culturais, económicos e filosóficos de africanos do passado e presente. O sonho é comum de uma África rica em recursos naturais, apesar da sua história, não ser tão admirável, e alguns desafios sérios, actualmente prevalecentes, alguns países têm demonstrado que a aplicação prática de uma boa reforma política, tem impulsionado claramente as suas economias no caminho da prosperidade, podendo dessa forma, transformar o continente, outrora desprezado.

O poder de governar é um direito fundamental de cada Estado, e que nenhum outro tem o direito de interferir nos seus assuntos internos. É de recordar que a África tem sido marginalizada, na medida em que o Norte global, não percebe que um continente mais industrializado pode servir como uma nova válvula de segurança para a economia global em ebulição. Os africanos não são pobres, porque não acreditam na sua capacidade de saírem da pobreza., mas porque não podem obter benefícios de instituições criadas pelo Norte. Os africanos são classificados como pobres, porque não possuem ou controlam a ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, que permitam a sua transformação económica, que beneficiará o seu povo.
É importante que África defenda a emancipação económica, acentuando o facto de que as nações ricas devem mudar a sua atitude, cessando a exploração do continente, que simplesmente consideram como uma fonte de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial. Os países ocidentais, e outros, em fase adiantada de desenvolvimento usam a estratégia de dividir, para reinar, criando um continente fraco e fragmentado.

A segurança alimentar é a base da transformação e da realização desse sonho continental colorido. O sonho africano não é sobre a esperança ou qualificação para cumprir os critérios e as orientações dos fundos de doadores, mas de definir políticas de crescimento e estar na liderança, aberto e determinado a ir mais longe do que jamais imaginou. A África de um novo começo pode ter chegado, e está a desenvolver-se. É o sonho alcançável? O sonho africano é sobre cada país, possuir boas escolas, hospitais, infra-estruturas públicas, habitações e bons padrões de vida. O sonho é também, sobre a boa governação, democracia participativa, direitos humanos garantidos e Estado de direito.
O problema no concernente não é típico de África, pois tem sido difícil de alcançar esse sonho a comum, em qualquer lugar do mundo, devido aos esforços de alguns líderes para ter e controlar o poder, sem ter em conta, o bem-estar daqueles que lideram. É de relembrar que muitos líderes africanos deram um bom pontapé inicial de governança democrática, e depois regressaram e envergaram as vestes de ditadores, criando o desenvolvimento de um “continuum” político, que permitiu presidentes terem poder absoluto, e sem precedentes em todos os aspectos da vida política, económica, social e cultural, resultando no aperfeiçoamento do culto ao herói, e criando uma forma de arte em alguns países africanos. É preciso não esquecer que a democracia, boa governação e desenvolvimento andam de mãos dadas, e que os relacionamentos humanos adequados dentro de uma sociedade são tão importantes para o sucesso de uma democracia.

A este respeito, o mau julgamento político por parte da liderança pode mergulhar o país em uma profunda crise, em que as pessoas passam a não ter confiança no governo, liderança ou sistema político. Tal como Alexis Kagame ou Alassane, Ndaw realçaram, o abismo intransponível entre a maltratada cultura popular cosmocêntrica e holística e a cultura oficial antropocêntrica e igualitária, está longe de ser resolvida. Essa distância é o fundamento de todas as violências, excessos, rupturas, e do peso da moderna “Aldeia Global” que não parece estar em condições de erradicar a vitalidade tradicional que ainda persiste. Assim, a África é a última trincheira ensanguentada, aberta contra a modernidade, tanto nos actos, como nos pensamentos. Que Deus proteja a África, Nkosi Sikelel’ iAfrika, como expressa o hino nacional sul-africano. A África sobreviverá, como sempre o fez, mas não escapará ilesa, nas palavras de Aimé Césaire.

13 Jun 2016

O sonho chinês

“The realization of the Chinese dream needs both constant economic development and progress in all aspects of society. Along with the increase in economic production and improvement in people’s living standards, the key factors for selecting China’s course turn to the constraints of resources and environment and the decrease of the gap between the rich and poor.”

The China Dream and the China Path
Tianyong Zhou

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sonho chinês seguido por mil e trezentos e sessenta milhões de pessoas é objecto de numerosos estudos. Se falarmos da actual China, poderá parecer um pouco estranho, que não exista nenhuma referência ao sonho chinês. Se falarmos dele a chineses de meia-idade, muitos certamente se recordarão dos sonhos da sua infância, talvez o tenham realizado, se apagaram na bruma do esquecimento, ou enriqueceram com o passar do tempo. Quais teriam sido os sonhos das crianças chinesas há cinquenta anos? Muitos esqueceram, ou talvez não tivessem nenhuns.
Existe um sonho comum a muitas crianças desse tempo perdido, o dos pais insistirem como em qualquer outro país, que estudassem muito, pois assim poderiam arranjar um bom trabalho e terem molho de soja para misturar com o arroz. Era um tempo em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e ninguém sabia o que eram bancos ou editoras. Era a época em que se estabeleceram as comunas populares, por toda a zona rural do país. Os chineses, nem ainda tinham começado a primeira fase da escola secundária, e tinham de trabalhar a terra dos pais.
A comida produzida nas comunas não era suficiente, e mesmo durante as estações sem alterações climatéricas, com colheitas normais, existia carência de alimentos. Na primavera, em geral, ficavam sem comida. Era lógico, que os pais sonhassem que os seus filhos, quando chegassem à idade adulta tivessem a barriga cheia. A soja estava disponível para alguns, mas raras vezes viam nas suas mesas. Só aparecia na “Festa da Primavera”, para uso de alguns convidados importantes.
Era actualmente, como as lesmas, abalones e pepinos-do-mar. As décadas de 1960 e 1970, não foram propícias aos chineses para terem grandes sonhos, pois apenas se importavam em ter comida para o dia seguinte, mas o tempo passou, e em 2009 realizou-se uma grande sondagem na China, sobre os sonhos e sonhar. Os resultados mostraram que antes da reforma e abertura de 1978, o sonho dos chineses era sobretudo, ter suficiente comida e roupa. A aspiração dos pais nesses tempos idos era normal e legítima.
As crianças que nasceram nesse tempo, em algumas pequenas cidades do Norte da China, tiveram a sorte de poder ler a imprensa da capital, mesmo não sendo diariamente, enquanto outras crianças que nasceram em pequenas vilas no sul do país, a primeira vez que viram o que denominavam por diário, foi no ano do falecimento de Mao Tsé-Tung, e apesar da falta de informação e do vazio cultural, nunca renunciaram ao objectivo de estudar conscienciosamente.
O estudo nos últimos mil anos tem sido a referência para que milhões de chineses mudem os seus destinos, e sigam os seus sonhos e muitos matricularam-se nas universidades das grandes cidades, viram o mundo e começaram a conhecer pessoas, que não apenas sonhavam, mas também conseguiam transformar os seus sonhos em realidade. Muitos começaram também a ter os seus sonhos. Falavam deles, e contavam as suas aspirações a outros jovens. O tempo voa e depois de trinta anos de reforma, abertura e acelerado desenvolvimento, produziram-se grandes mudanças no sonho chinês, e assim o demonstram diversas sondagens e estudos efectuados.
Os sonhos chineses actuais, contam com a criação de uma empresa e manter uma boa saúde, que permita viver até aos 100 anos e viajar à volta do mundo. Muitos estrangeiros consideram a China como sua casa, fazendo parte, desse modo, do sonho chinês e são livres de projectar o que desejem, levando à verdadeira essência do sonho chinês, de todos terem o direito a sonhar e a oportunidade de o tornar realidade. A China tem o sonho chinês, os Estados Unidos o sonho americano, A União Europeia, o sonho europeu e a África, o sonho africano.
O sonho dos diferentes países e grupos étnicos têm pontos comuns, mas também, diferenças significativas, que são próprias de um mundo plural. O sonho chinês nunca irá contra o de outros países, e caracteriza-se pela inovação, inclusão e dinamismo, e anda de mãos dadas com o desenvolvimento do mundo. Todavia, existem diversos mal-entendidos, tais como, o facto de alguns meios de comunicação, terem interpretado o sono chinês como sendo o sonho da China, ao invés do sonho do povo chinês, e inclusive ligam a um sonho que se consegue à custa dos interesses do povo chinês, tratando-se de uma interpretação restritiva do termo.
O segundo mal – entendido é de que o sonho chinês irá substituir o sonho americano “american dream”, que é uma parte importante do “soft power” dos Estados Unidos. Muitos consideram as relações sino – americanas, como relações entre o número dois e o número um do mundo, e receiam que o sonho chinês substitua o americano. A China, de facto, não interfere na realização do sonho dos outros países. O terceiro mal-entendido é de que s sonho chinês é uma nova utopia. O termo utopia, no vocabulário chinês, faz referência a um sonho inalcançável, e alguns consideram que o sonho chinês, é como uma droga espiritual, que faz os chineses perderem a consciência reformista. O quarto mal-entendido é de o sonho chinês, significar que a China tenha abandonado o ideal comunista.
A China, na realidade é um país socialista, dirigido pelo Partido Comunista, e procura a prosperidade comum, que é o objectivo principal do sistema socialista. O sonho chinês não só não exclui o ideal comunista, mas dedica-se a alcançar de uma forma mais pragmática, o progresso. Pode-se dizer que o sonho chinês, é um sonho de prosperidade comum, entre os diversos grupos étnicos da China, e dos povos do mundo. O quinto mal-entendido demonstra que a China, deixou a prática de passar o rio apalpando pedras, que é um caminho de reforma. O sonho chinês não afasta a reforma e abertura, e é uma purificação sistemática. O sexto mal-entendido é de que o sonho chinês, é um sonho de constitucionalismo, de direitos humanos e democracia. Trata-se de uma interpretação restritiva, pois o sonho chinês para alguns tem uma conotação muito mais ampla.
O sétimo mal-entendido é de que o sonho chinês é um sonho de modernização. A modernização é um sonho da China moderna, e não obstante, algumas pessoas querem que a China se ocidentalize, totalmente. O sonho chinês, não é só a prática do modelo e dos conceitos modernos ocidentais na China, mas a realização do marxismo, combinando as condições nacionais, com a criação de um caminho socialista com peculiaridades chinesas. O oitavo mal-entendido, é de que o sonho chinês, é um sonho de renascimento, e alguns países temem que a China restaure a prosperidade das dinastias Han e Tang, compreendendo o sistema de tributos e o render homenagens a uma pessoa determinada. Este mal-entendido pode alimentar as teorias sobre uma possível ameaça chinesa.
A China é um país detentor de uma civilização antiga, e o principal significado do sonho chinês, é a revitalização e a renovação da sua civilização, para promover a transformação da civilização humana, e materializar o desenvolvimento sustentável. O nono mal-entendido, é o de alguns pensarem que o sonho chinês é igual à ascensão da China, que apenas dá atenção à posição, preocupações e sentimentos, depois do seu ressurgimento, como potência mundial. O décimo mal-entendido, é de que o sonho chinês, não só não exclui o sonho dos outros países, mas que os ajudará, em particular, os que estão em desenvolvimento, a realizar os seus sonhos.
O sonho chinês é, em primeiro lugar, o sonho do povo chinês, ou seja, o seu objectivo é o bem-estar do povo. Em segundo lugar, a sua meta é consolidar a prosperidade e a liberdade no país. Além disso, o sonho da civilização chinesa, ao conseguir um desenvolvimento económico sem paralelo na história, é o de proporcionar à humanidade um outro tipo de riqueza.
O que é exactamente o sonho chinês no século XXI? Numa só frase, é ter um mundo comum. Actualmente mais de sete mil milhões de pessoas de milhares de grupos étnicos, vivem em duzentos e trinta e nove países e regiões do mundo. Construir uma sociedade modestamente acomodada, um país rico e poderoso e um povo dinâmico e feliz, assim definiu o presidente chinês Xi Jinping, aquando da sua eleição.

22 Mai 2016

O Brasil e o futuro (I)

“What is Brazil’s strategy to cope with the emerging world order? The question has come up time and again in scholarly writings as analysts try to project whether Brazil is bound to be a “responsible stakeholder” or a spoiler of the emerging system. Brazil is as vibrant and messy a democracy as any other: Brazilian presidents preside over an often-fractured governing coalition and they face the challenge of managing a vast federal state with an unruly set of bureaucracies and semi-independent agencies operating within it.”

Shaper Nations: Strategies for a Changing World Hardcover
William I. Hitchcock, Melvyn P. Leffler and Jeffrey W. Legro

A presidente do Brasil anunciou um crédito extraordinário aos bancos estatais, grupos de agricultores e empresas, a 29 de Janeiro de 2016, de forma a ajudá-los a superar a pior crise que o país atravessa nos últimos cem anos. O ministro das Finanças anunciou, sete medidas para conceder os créditos às diferentes áreas da economia, dado ser obrigação do governo fazer um melhor uso dos recursos existentes. As medidas projectadas e a serem executadas, constam linhas de crédito e o uso de fundos de pensões para incentivar maiores investimentos em habitação e infra-estruturas.
As medidas criaram apreensão entre os investidores, por recearem que o país abrande o seu programa de austeridade e regresse às políticas fiscais frouxas do primeiro governo da presidente brasileira. O país atravessa a recessão mais profunda desde a “Grande Depressão” da década de 1930. Após uma queda de 3 por cento do PIB, em 2015, o FMI prevê outro recuo de 1 por cento para 2016, e adverte do risco de contágio na região. O governo da presidente brasileira, começou a esgotar a sua capacidade de resposta, depois de ter registado um deficit de 6,2 por cento do PIB, em 2014 e uma dívida pública superior a 60 por cento.
A inflação é de cerca de 10 por cento. A dívida das empresas aumentou no equivalente a 15 por cento do PIB, desde 2007. A taxa de inflação é de 10, 2 por cento, equivalente 10,4 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, diariamente ficam desempregadas duzentas e oitenta e duas pessoas. A somar à desastrosa situação económica, a presidente do Brasil está a ponto de se ver profundamente envolvida no escândalo denominado de “Petrolão”, pasmando o mundo político internacional.
O Brasil amanheceu a 4 de Março de 2016, surpreendido e conturbado, pois o ex-presidente Lula da Silva, foi denunciado por um senador arrependido, que procurava aliviar a sua condenação no escândalo de corrupção na “Petrobras”, tendo sido detido por ordem judicial, por se recusar a colaborar com a justiça, e submetido a interrogatório, sobre presumíveis dádivas recebidas. É acusado de conhecer profundamente o processo de corrupção desde o seu início. A mesma acusação é feita contra a presidente, ainda em exercício de funções, reavivando a tese do “impeachment” ou julgamento político.
A situação apesar de séria e grave, não obscurece a profunda crise económica que o país vive, continuando a classe média abastada, a praticar o consumo de luxo, enquanto os sectores menos endinheirados diminuíram grandemente a procura de bens e serviços, numa economia que se contraiu 3,8 por cento, em 2015, sofrendo o maior recuo dos últimos vinte e cinco anos. A estrela das economias emergentes vai a caminho de sofrer a sua pior recessão, desde 2010, quando as estatísticas sérias no país apresentaram um crescimento da economia de 7,5 por cento. A previsão para 2016 é de um crescimento de -4 por cento do PIB. Os despedimentos no sector privado, em Janeiro de 2016, foram de cem mil trabalhadores, tendo sido despedidos, um milhão e quinhentos mil trabalhadores, em 2015.
As vendas a retalho diminuíram 7 por cento, e a inflação actual situa-se em 11 por cento, com tendência a subir. O deficit orçamental é imenso e representa 10,8 por cento do PIB, não se atrevendo a presidente brasileira a tomar sérias medidas para o reduzir, com receio da reacção popular poder agravar a recessão. É preciso salientar que a actual situação brasileira se deve à queda mundial dos preços dos produtos básicos e do petróleo, em especial; à total falta de investimento e às tentativas de reduzir o deficit, depois das imensas e desnecessárias despesas dos últimos anos, pelo que a gravidade da sua situação económica terá um forte impacto negativo, sobre as economias dos demais países do continente sul-americano.
O Brasil terminou 2015, no meio de um grande escândalo político, considerando o “impeachment” da presidente, rebaixando o grau de investimento, acumulando uma taxa de depreciação nominal relativamente ao dólar, em cerca de 47 por cento e removendo o ministro da Fazenda, por estar a presidente Dilma contra a política de ajustes fiscais que defendia anteriormente. Esta última situação não apenas mostrou a debilidade política da presidente, que tinha apoiado fortemente o ex-ministro da Fazenda no processo de ajuste, mas também uma falta de apoio do arco político da governação, para continuar com a política de ajuste fiscal. O ex-ministro da Fazenda veio a ser nomeado director financeiro do Banco Mundial.
Os acontecimentos fizeram que o então ministro do Planeamento ganhasse à presidente Dilma, o braço de ferro relativamente à facção mais ortodoxa. Todavia, o facto de o Brasil ter chegado a esta situação faz todo o sentido, para quem tem seguido a evolução da sétima economia mundial e a primeira da região, à qual os demais países vizinhos observam com particular preocupação, por ser o destino principal das suas exportações industriais. A economia brasileira, na primeira presidência de Dilma, de 2011 a 2014, cresceu a um ritmo médio anual de 2,2 por cento, em 2014 paralisou, e em 2015 sofreu uma contracção de 3,2 por cento, em termos reais, ou seja, os cinco anos de Dilma no governo federal, a economia brasileira acumulou uma subida de apenas 5,8 por cento, ou seja de 1,1 por cento anuais
O investimento interno bruto, foi de longe, a componente da procura global que teve o pior desempenho, tendo caído pelo segundo ano consecutivo a um ritmo de 12,7 por cento anuais, superando a enorme contracção de 8,9 por cento, registada em plena crise do real, em 1999, tendo alcançado o nível mais baixo de participação no PIB, desde 2007. Assim, não só foi importante o mau desempenho do sector privado, mas também a paralisação das obras públicas, pelo que o consumo privado se contraiu de forma significativa em cerca de 3 por cento anuais, registando a primeira contracção desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições, em 2003.

A despesa pública manteve-se relativamente estável em cerca de 0,4 por cento anuais e por consequência, a procura interna contraiu-se 4,5 por cento, em 2014, tendo ultrapassado folgadamente o ritmo de contracção registado durante a crise do real, em 1999. O sector das exportações foi o único amortecedor do ritmo de queda do PIB, apesar do contexto internacional se encontrar, em plena deterioração. A forte depreciação do real, em particular, o volume das exportações de bens e serviços conseguiram atingir um aumento de 4 por cento anuais, e as importações caíram 12,4 por cento, proporcionando una forte melhoria do saldo líquido. Quanto aos sectores produtivos, a indústria teve de longe o pior desempenho, com uma queda média de 5,6 por cento anuais. Foi o segundo ano consecutivo em queda do sector industrial, que acumula um recuo de 1,2 por cento, desde que Dilma assumiu a presidência.
À recessão declarada pelo nível de actividade económica, em geral e industrial, em particular, há que acrescentar a aceleração da subida da taxa da inflação que atingiu 10,7 por cento, em 2015, muito acima do limite máximo da taxa de 6,5 por cento objectivo da politica monetária, tratando-se do maior aumento, desde 2002. A maior parte da causa dos problemas económicos e políticos que o Brasil enfrentou em 2015, deram-se em 2014, pois foram consequência directa da má estratégia eleitoral do PT, para conseguir a reeleição de Dilma Rousseff.
A vertente económica dessa estratégia teve como suporte uma política fiscal super expansiva e como consequência, desde 1997, o sector público não conseguiu ter um superavit primário em 2014 e 2015, tendo o deficit antes do pagamento dos juros da dívida pública, atingido 0,9 por cento do PIB. É de recordar, que apesar de o Brasil ter um “stock” de dívida de 66 por cento do PIB, sendo 13 por cento acima do nível em que Dilma iniciou a sua primeira presidência, a taxa média é de cerca de 14 por cento anual, dado que a maioria da dívida, é de curto prazo, denominada em reais, consumindo 8,5 por cento do PIB para o pagamento dos serviços da dívida.

É de realçar que para entender o mau desempenho da produção e da procura interna, em geral, e do consumo privado, em particular, deve-se ter em conta que na última década, a massa salarial cresceu mais que a produção, a que se acrescentou a disponibilidade de crédito a taxas de juros historicamente mais acessíveis. Esse círculo, então virtuoso, começou a reverter-se nos últimos anos. Os salários têm vindo a cair, em termos reais, desde Março de 2015, a um ritmo de 4,5 por cento anuais e a taxa de desemprego, subiu 3 por cento, atingindo os 8 por cento, o que implica que se perderam mais de um milhão de postos de trabalho, em 2015.

As previsões do mercado, indicam que a taxa de desemprego será de cerca de 10 por cento no final de 2016, e sendo obrigado o governo a implementar o ajuste fiscal, decide não o fazer pela impossibilidade de aumentar os impostos, dado atingirem uma pressão olímpica de 36 por cento do PIB, não tendo o PT melhor ideia que cortar nos subsídios de desemprego e parar as obras públicas. Assim, neste contexto é difícil procurar uma solução pelo lado das exportações. A desaceleração da China, principal destino dos produtos brasileiros não permite ser optimista quanto ao futuro, e daí se prever uma contracção mínima de 1 por cento para o PIB, em 2016, que conjuntamente com o desempenho da economia em 2015, será o pior biénio, desde a crise da década de 1930, e em tais condições, é de crer que o Banco Central não voltará a cumprir a meta inflacionária antes de 2019.

O Brasil não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida pela calma internacional, não tendo conseguido avançar rapidamente para resolver os problemas estruturais relacionados com o atraso do investimento em infra-estruturas, baixa qualificação da sua mão-de-obra, altíssima pressão fiscal e um complexo emaranhado burocrático que desincentiva os investimentos. O PT, ao contrário, decide entregar assistência, subsidiar tarifas de serviços públicos de má qualidade, empréstimos ao consumo e estabelecer um conjunto de desagravamentos fiscais às indústrias.
Tal política incentivou o consumo, através da despesa pública e empurrou a inflação, conseguindo esconder as debilidades do esquema de política económica até ao ponto de baixar a água e ficarem a descoberto todas as inconsistências. O mercado reagiu, reduzindo o seu nível de exposição e elevando o custo do endividamento, e foi especialmente depois de perder as notas de grau de investimento, que o milagre brasileiro se apagou por algum tempo.

2 Mai 2016