Jason Lei, fotógrafo: “Cabe à fotografia preservar a memória”

“A Glimpse of Macau” é a exposição de Jason Lei que está a partir de amanhã na galeria da Creative Macau. Os trabalhos são uma compilação de imagens obtidas em filme nos últimos dez anos. Na altura da inauguração da mostra, é lançado o livro homónimo, para que fique o registo de uma cidade que vai desaparecendo

O que vamos ver nesta exposição?

“A Glimpse of Macau” apareceu por acaso, após o convite da responsável pela Creative Macau, Lúcia Lemos. Não tinha qualquer ideia acerca do que fazer quando me foi dito que havia um período de tempo em que poderia expor ali. O que fiz foi ir aos meus arquivos e tentar perceber o que poderia acontecer.

E o que é que encontrou?

Há dez anos que fotografo Macau. Saio para a rua para disparar por hábito, é algo que gosto de fazer. Pensei que poderia fazer alguma coisa com este trabalho contínuo. Peguei nas imagens do arquivo e resolvi ver o trabalho desenvolvido. Escolhi as minhas favoritas e achei que tinha material para a exposição e para o livro que também vai ser lançado amanhã. Eram mais de mil fotografias armazenadas.

Como é que fez a selecção tendo em conta tanto material?

Tive de ser criterioso. Além de optar por aquilo que emocionalmente mais me fazia sentido, por exemplo as imagens que demonstrassem algum calor humano, tive critérios mais técnicos. Fui buscar as fotografias que, para mim, apresentavam uma luz mais bem trabalhada, um preto e branco mais perfeito e uma escala de cinzentos de qualidade dentro do que mais aprecio. No entanto, a selecção também acabou por ir mudando. Um aspecto curioso que aconteceu neste processo foi ter verificado que algumas das imagens que tinha eram de espaços que já não existem. Há lugares que fotografei há anos que, agora, já não estão lá. Foram substituídos por prédios e outras construções. Ao ver estas fotografias, acabei por fazer também outro tipo de escolha para que parte da exposição integrasse fotografias de lugares que já não são mais do que memórias. Acabam por ser documentos. Com o registo em imagens, tenho uma forma de recordar e de fazer recordar aos outros este território que está sempre em transformação. Cabe à fotografia preservar a memória. Esta ideia só me surgiu com a preparação da exposição. Quando comecei a fotografar não pensava nestas coisas. Gostava de fotografar e era isso que fazia. Penso que é inevitável, com o desenvolvimento, que os espaços se modifiquem e acredito que, em breve, Macau venha a ser completamente diferente. 

Porquê a escolha do preto e branco?

Em primeiro lugar, porque gosto muito. Depois, as imagens foram todas feitas em filme e fui eu que revelei os rolos. Posteriormente digitalizei os negativos para poder fazer a escolha. Por outro lado, o preto e branco é um processo mais associado à memória. Penso que as memórias são a preto e branco. É mais fácil fazer as pessoas recordar com imagens monocromáticas. Um outro aspecto que considero importante é o facto de o preto e branco ter uma imagem mais limpa em que as pessoas se podem aperceber melhor dos detalhes.

São maioritariamente fotografias de rua.

Sim. Apesar de trabalhar profissionalmente como fotógrafo e, nesse âmbito, ir de encontro ao que me é pedido pelos clientes, quando faço o meu trabalho pessoal é isto mesmo que mais gosto de fazer. Pegar na câmara analógica e ir pelas ruas à procura dos momentos que vão acontecendo. Gosto de incluir tudo: lugares, pessoas e animais. 

Na inauguração de “A Glimpse of Macau” vai também lançar um livro.

Sim, e é também o meu primeiro livro. É uma publicação que reúne não só os trabalhos expostos, como muitos outros que não tinham espaço para o ser. Como já referi, foram muitas imagens as que recolhi ao longo destes dez anos. Para todo o trabalho, exposição e livro estive cerca de um mês para escolher as que mais se adequavam.

Quais são as expectativas relativamente a esta primeira exposição individual?

Nunca tinha pensado que seria tão difícil de fazer. Tive de ter um patrocinador e foi muito complicado. Por outro lado, é uma óptima oportunidade para mostrar o meu trabalho pessoal, em que acabei por compilar o que fiz ao longo dos últimos dez anos. Foi bom perceber que, depois de tanto tempo, tenho realmente alguma coisa para mostrar.

Vai continuar com este projecto contínuo?

Sim, sem dúvida, penso que este é um trabalho para a vida. Enquanto fotografar vou tentar sempre ir para a rua fazer os meus registos em filme.

Porque é que insiste na fotografia analógica, num tempo em que o digital domina a imagem?

No processo analógico não se podem ver as imagens que se tiram no momento. Temos de esperar. Temos de as pensar primeiro para que fiquem bem e depois temos de ter paciência: esperar muito tempo até as revelarmos e vermos efectivamente o que conseguimos captar. Gosto muito deste processo. Por outro lado, é um método que, com o tempo, nos dá mais confiança quando disparamos. Com a experiência, vamos vendo o que temos de mudar e melhorar e, passados uns anos, já disparamos com toda a convicção. Depois há outro factor: quando finalmente conseguimos ver a fotografia, a sensação é muito boa e acabamos por dizer com satisfação: eu fiz isto, um produto que envolveu um processo, um pensamento, tempo e técnica. Quando as pessoas fotografam com um telemóvel, por exemplo, disparam repetidamente e acabam por ter muitas imagens que nunca voltam a ver e muito menos a materializar em impressões. Com o processo analógico, pelo menos o negativo já é uma materialização e, depois de revelado o filme, fazemos uma escolha, imprimimos provas e temos sempre uma impressão. Depois acabamos por ampliar as que mais gostamos.

21 Jun 2017