Sofia Margarida Mota Perfil PessoasCarla Lourenço, Arquitecta | Macau, por acaso [dropcap]C[/dropcap]arla Lourenço tem 28 anos e está há duas semanas em Macau, integrada no programa de estágios INOV. Arquitecta recente no território, tem nas descrições que faz desta sua mais recente experiência a surpresa de uma Ásia que ainda não sabe bem descrever, além da “diferença atroz” que sente quando comparada com outras paragens por onde já passou. A arquitectura apareceu na vida de Carla Lourenço de uma forma “estranha”. As decisões que têm de ser tomadas “demasiado cedo” levam, por vezes, a escolhas que não seriam as de hoje. “Somos obrigados a decidir com 15 anos parte do nosso futuro e, hoje, acho que escolheria outra coisa: engenharia de ambiente, talvez”, diz ao HM. No entanto, apesar da ainda indecisão na carreira que um dia poderá escolher, recorda que a opção pela profissão que a traz a Macau agora teve na origem “o fascínio pelas artes, sobretudo pela escultura”. A engenharia do ambiente e o interesse pela área vêm da curiosidade que sentia, desde pequena, por cenários que a “intrigavam”. “Não entendia porque é que não existia mais reciclagem em Alcochete, porque é que nas idas para Lisboa cada carro apenas levava uma pessoa”, ilustra a natural da margem sul. Para Carla Lourenço, estas são “coisas absurdas” do dia-a-dia. A escolha da arquitectura mostrou ser uma possibilidade em juntar a arte e o ambiente. “Sentia que era uma mistura das duas coisas, podia mudar o ambiente em que vivo através do urbanismo.” Foi com o desenho de casas e cidades que veio para Macau. Carla Lourenço integra o programa de estágios do INOV e Macau “não foi bem uma escolha, porque os candidatos não sabem onde vão parar, foi mais uma coincidência”. Dos cerca de três mil candidatos ao programa a arquitecta, foi dos pouco mais de 300 seleccionados. A experiência em viver no estrangeiro não é nova. “Fui um ano em Erasmus para a Argentina, mas quando voltei já nada era a mesma coisa”, recorda. “Quando voltamos está tudo igual e nós é que mudámos.” A experiencia na América Latina “foi incrível”. Com 21 anos foi para Buenos Aires, “uma cidade com mais gente que o meu próprio país e para uma faculdade com mais gente que Alcochete”. Foi viver num outro mundo. “É também uma cidade muito europeia.” Seguiram-se sete anos no Porto e chegada a hora de mudar. “O INOV era uma boa maneira de o fazer, porque alguém decide o destino por nós. É estranho, mas cómodo porque me alheio da responsabilidade e me limito a ir”, aponta. Um feliz acaso Macau foi a sorte que o INOV ditou. Quando chegou a altura de saber as colocações apareceu primeiro a bandeira da China. “Assustei-me, pensei que ia para Pequim ou uma outra grande cidade chinesa e, infelizmente, estamos cheios de preconceitos acerca do país”, refere. Depois da bandeira apareceu a cidade, “era Macau e fiquei em êxtase.” A chegada a Macau é, acima de tudo, cheia de estranheza e novidades. “A primeira coisa que estranhei foi entrar num autocarro e ver as coisas escritas em chinês e em português. Depois foi o sentir a humidade que, aqui, pesa. Socialmente foi sentir que as comunidades se dividem em grupos e eu fazia já parte de um, o dos portugueses. Foi muito estranho porque não pensei que existisse esta separação, pensei que fosse uma coisa mais integrada.” Os contrastes do território também marcaram e ainda são fonte de espanto para a recém-chegada. “Os edifícios enormes, as mega estruturas dos casinos com plantas naturais, aquilo parecia um cenário todo plástico e depois passamos nos jardins e as pessoas estão a fazer tai chi”, diz. Há duas semanas em Macau, a arquitecta está “a adorar o desconhecido”, das comidas aos cheiros, o “ir ao mercado e ver o peixe vivo”. Em comparação com a América Latina, as diferenças são muitas, mas a linguagem marca o abismo. “Aqui não percebo o que se passa à nossa volta e não consigo comunicar”, afirma. Enquanto arquitecta, salvaguarda a “opinião de duas semanas em Macau” e, mais uma vez, são os contrastes que sobressaem. Um centro histórico muito consolidado e muito característico que, parece, estagnou no tempo, mas, de repente, surgem os grandes condomínios e casinos que constituem um grande paradoxo. “É demasiado diferente.”