Arquitectura | Atelier de João Ó e Rita Machado distinguido nos Architecture Masterprize

“Chasing Sounds”, desenvolvido em Hong Kong pelo atelier Improptu Projects, acaba de ser distinguido com o prémio “Landscape Architecture”, categoria de “Installation and structures”, dos Architecture Masterprize. João Ó e Rita Machado assumem querer cada vez mais desenvolver iniciativas multidisciplinares que vão além da chamada arquitectura tradicional

 

A inserção da construção tradicional com o bambu numa paisagem natural transformou-se no projecto “Chasing Sounds” e deu o terceiro prémio deste ano ao atelier Improptu Projects, de João Ó e Rita Machado. A dupla, juntamente com Madalena Saldanha e Alexandre Marquês, acaba de vencer o prémio “Landscape Architecture” [Arquitectura de Paisagem], na categoria “Installation and Structures” [Instalações e Estruturas], dos Architecture Masterprize Awards.

“Chasing Sounds” esteve exposto no Hong Kong Zoological and Botanical Gardens onde representava as ondas de música, com o objectivo de desenvolver “um ambiente sonoro para o público entrar e ter uma experiência imersiva”.
A iniciativa partiu de uma parceria com a orquestra Hong Kong New Music Essemble.

Rita Machado assume ao HM que este prémio “é um reconhecimento de todo um percurso que temos vindo a traçar desde a abertura do nosso estúdio”, bem como “uma projecção local e internacional que nos interessa para a divulgação das nossas concepções de espaços e projectos”.

“Chasing Sounds” começou a ser pensado e preparado em 2017 e, devido às restrições da covid-19, levou a equipa a desenvolvê-lo à distância, sem poder estar fisicamente em Hong Kong. O convite formal por parte da Hong Kong New Music Essemble chegou em 2018, mas só este ano é que o projecto foi concebido.

“A intenção era fazer um coreto ou um palco que pudesse albergar uma série de espectáculos no jardim zoológico e botânico de Hong Kong. Depois de várias reuniões percebemos que queríamos experimentar um novo conceito, que passava por o público ir ao encontro da música. Nesse sentido criámos uma onda sonora, um percurso, onde os músicos pudessem estar localizados em pontos rigorosamente escolhidos por eles e que fizesse com que o público fluísse na estrutura indo ao encontro dos diferentes tipos de sons”, adiantou Rita Machado.

Esta estrutura acabou por ganhar transparência, criando “um espaço muito envolvente” e que “cria momentos de visão e de vivência do espaço diferentes”. Rita Machado recorda que nunca se tratou “de um recinto fechado”, mas sim de um local que “permitia esta permeabilidade do espaço”.

Além do convencional

João Ó revela também que este prémio traduz a vontade do atelier em abraçar projectos cada vez mais multidisciplinares, que não passem apenas pela arquitectura mais tradicional, de construção de edifícios.

“Tentamos traçar um percurso paralelo, mas significativo, que é propor instalações num espaço público. Espaços improváveis, alternativas de ocupação. Tudo isso tem vindo a vingar com prémios internacionais, o que é muito bom”, frisou.

Esta acaba por ser uma arquitectura efémera, mas “abre o leque daquilo que [ela] pode ser, com pensamento crítico e do espaço público”, acrescenta o arquitecto.

João Ó fala ainda da importância da dinâmica que se criou no diálogo com a Hong Kong New Essemble para desenvolver “Chasing Sounds”. “Discutimos o projecto com o compositor também. Toda esta sinergia de discussão ajudou-nos a ultrapassar as limitações, para que não estejamos sempre agarrados às mesmas fórmulas. Apesar de se usar o bambu, esta discussão leva a outro tipo de intervenção. Queremos cada vez mais colaborar com diferentes disciplinas”, exemplificou o arquitecto.

O fotojornalista português e ex-editor do HM, Gonçalo Lobo Pinheiro, foi outro dos distinguidos, naquele que foi a primeira edição do prémio virado para a fotografia de arquitectura. Uma imagem do hotel e casino Grand Lisboa, da perspectiva da Rua Nova à Guia, foi a escolhida.

5 Nov 2021

Frank Havermans, artista: “Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora”

Até ao dia 31 de Dezembro quem passar junto à montra do estúdio Improptu Projects, de João Ó e Rita Machado, poderá ver a instalação “Infra#Macau_Artificial Landscapes”, do artista holandês Frank Havermans, que traça um olhar sobre infra-estruturas urbanas e a sua ligação com as pessoas. Frank Havermans fala sobre este projecto e de como considera fundamentais, acima de tudo, os valores culturais de cada um

 

Quando começou este projecto e como surgiu a oportunidade de o desenvolver em parceria com o estúdio Improptu?

Conheci o João [Ó] em Hong Kong, em 2012, quando participámos na mesma exposição. Também participei na Bienal de Arquitectura de Hong Kong nesse ano com uma grande instalação na zona de Wanchai. Quando o João e a Rita [Machado] se mudaram para o novo estúdio e arrancaram com este novo espaço de exposições, com a montra, perguntaram-me se queria ser o primeiro artista a expor lá. Claro que me senti honrado pela oportunidade. Apesar de o João e a Rita estarem mais ligados à arquitectura, o nosso trabalho pode coincidir, uma vez que eu também faço instalações de arquitectura.

Como foi fazer este projecto à distância?

Eu próprio faço este tipo de instalações e deixei o Improptu montar tudo segundo as minhas instruções. Esta foi a primeira vez que fiz algo do género. Diria que trabalharam muito bem. A Rita e o João têm a mesma compreensão da qualidade do espaço e sempre compreenderam como é que as coisas devem ser executadas.

Esta instalação que traz a Macau fala da ligação entre infra-estruturas de cidades como Macau, Hong Kong e Shenzhen. Como começou a sua relação profissional com estes lugares?

Tenho visitado esta região algumas vezes. A primeira vez foi em 2008, quando participei numa exposição do NAI – Netherlands Architecture Institute [Instituto de Arquitectura da Holanda]. Fiquei fascinado com a complexidade e o rápido desenvolvimento desta região. Em 2011 estive em Shenzhen durante três meses numa residência artística. Aprendi mais sobre a cidade e a região desse lado da fronteira. Também estive em Chongqin várias vezes, em Guangzhou e Xangai. Todas elas são cidades cujas infra-estruturas estão em rápido crescimento e desenvolvimento. Alguns destes elementos são tão grandes que apenas os posso comparar com catedrais. As largas estruturas construídas há mais de uma geração conectam-se com uma certa crença. Diria que a nossa é ter um livre transporte de pessoas e bens para que haja um vasto comércio a nível mundial. Estamos a construir uma rede mundial de estradas, linhas ferroviárias, portos e aeroportos, e com tudo isso surgem os edifícios. Na China, e neste caso no Delta do Rio das Pérolas, é claro ver qual é a direcção. E para mim, enquanto artista, isso é muito interessante.

Estas são cidades muito diferentes, mas este projecto tenta, de certa forma, conectá-las?

De facto, são cidades e culturas muito diferentes. O país, as paisagens, o ambiente natural também é diferente. Como estamos cada vez mais ligados com as infra-estruturas a nível mundial necessitamos das mesmas tipologias. Então estamos a criar paisagens artificiais em todo o mundo que são suficientes para nós. Em qualquer aeroporto no mundo as pessoas podem compreender como estar lá, mesmo sem falarem a mesma língua. As tipologias ligam-se a diferentes culturas. Gosto de olhar para os mapas e, virtualmente, viajar por todo o mundo. Olhar de perto certas cidades e aí encontrar este tipo de paisagens artificiais, como os planos dos soalhos de portos. São claramente artificiais e só existem para servir o comércio humano. Isto deixa-me intrigado porque este tipo de ambientes afasta-nos da natureza, e é da natureza que nós vimos. É estranho que, em poucas gerações, estejamos a criar este tipo de ambientes monoculturais mas a uma escala global. Então sim, estas cidades podem ser diferentes, mas estão a mudar para uma tipologia mais geral. As paisagens na montra do Improptu enfatizam esta questão.

Há também, com este projecto, uma ligação a Macau e a Portugal.

É óbvia essa relação. A parte interessante é que, sobretudo com os aeroportos e portos marítimos, as ligações entre os países não são visíveis e não se materializam como as estradas. Qualquer porto ou aeroporto se pode interligar com outro no mundo. Nesta instalação não mostro apenas as ligações de comércio entre os nossos países mas também uso uma tipologia de infra-estruturas que enfatiza as nossas relações enquanto seres humanos. Mas diria que essas ligações globais e de comércio são importantes, mas não tanto como os nossos valores culturais.

O facto de expor este projecto numa montra faz com que seja diferente?

Fiz muitas instalações com o tema do urbanismo, muitas vezes dentro de instituições culturais como galerias, espaços de arte ou museus. Quando me pedem para fazer uma instalação eu tento cada vez mais fazer uma ligação em torno das pessoas ao instalá-la num espaço público. Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora, significa comunicar. Considero sempre o meu trabalho como arquitectura e isso está sempre ligado ao contexto do espaço exterior. Não espero que todos o compreendam, mas não me importo que se levantem questões. Esse é um dos focos do meu trabalho. Penso que a ideia do estúdio de criar uma montra como espaço de exposição tem o mesmo fim. Eles [João Ó e Rita Machado] querem ligar-se às pessoas à sua volta dar a conhecer a arte e a arquitectura. Para mim é um valor acrescentado!

23 Set 2021