A escravatura voltou

Índia, Bangladesh, Nepal, Marrocos, Malásia, Afeganistão, Tailândia, Paquistão, China, Moldávia são alguns dos países onde existem máfias organizadas para o tráfico de mulheres e homens para trabalharem na agricultura em Portugal. Há muitos anos que assistimos á vergonhosa situação proporcionada pelas redes ilegais internacionais que trazem para Portugal milhares de pessoas que têm sido escravizadas e exploradas nos salários. No Alentejo vivem mais de vinte mil imigrantes em condições deploráveis. Alguns, em autênticas barracas ou tendas. Outros, são instalados pelos intermediários em casas sem condições nenhumas, como a inexistência de água canalizada. Há quartos que albergam seis seres humanos. Há garagens onde dormem em beliches doze imigrantes que vêm para a apanha da azeitona e amêndoa, nesta época. A situação varia com as estações do ano e aos escravos podem ser postos a trabalhar na colheita de uvas ou de tomates.

As condições indignas em que vivem os imigrantes são uma vergonha para Portugal. Falámos com um grupo de imigrantes que nos transmitiu que os seus elementos recebem 400 euros por mês, pagam 150 para a renda da cama, gastam 100 euros em comida e o restante é para enviar para a família nos seus países. Na semana passada rebentou a vergonha porque foi descoberta em Odemira uma situação abaixo de todos os limites. Os imigrantes, especialmente as mulheres testaram positivo da covid-19 e residiam dentro de contentores onde fizeram um buraco para o ar poder entrar. E o mais vergonhoso é que se deslocou ao local o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e teve o desplante de anunciar que em primeiro lugar está a saúde pública e não a dos imigrantes, como se os imigrantes não fizessem parte da saúde pública nacional. Houve um advogado que incrivelmente foi proibido de entrar em Odemira por querer defender os direitos dos imigrantes.

Do momento, o governo arranjou uma solução bem demonstrativa de que foi pior a emenda que o soneto. Então, há anos que ninguém se preocupou em construir habitações dignas para os contratados imigrantes e de repente decidiu-se alojar o grande número de imigrantes de Odemira num complexo turístico naturalmente contra a vontade dos proprietários que tinham gasto uma fortuna em preparar tudo para a próxima época de veraneio. Não, assim não se pode compreender como se governa este país. Os imigrantes são enganados no salário que lhes prometem e mais: nos seus países, antes de saírem, têm de pagar entre 10 e 20 mil euros. Uma loucura para gente tão pobre. Começa logo aí a exploração. Chegam a Portugal depois de lhes dizerem que irão ganhar entre 600 e 1000 euros, quando não lhes pagam mais de 400. As autoridades municipais, policiais e governamentais sabem desta situação há anos quando no Alentejo o lago Alqueva começou com o regadio de grandes propriedades.

Os empresários destes imigrantes não estão isentos de culpas, eles é que pagam o salário miserável para um trabalho de sol a sol, eles é que têm os contactos com os intermediários mafiosos que transportam os imigrantes, eles é que sabem que nem água existe nas casas de banho das residências onde instalam os trabalhadores estrangeiros. Isto, é revoltante e terá de ter uma solução. Sabemos que a nossa agricultura necessita de mão-de-obra, mas que se contratem os imigrantes e que se lhes deem as mínimas condições de dignidade humana.

Se eu estivesse a ocupar o cargo de ministro da agricultura tinha-me demitido de imediato assim que as televisões chegaram a Odemira e mostraram aquela miséria sob humana. Uma parte de país, mais no litoral, ficou atónita, não queria acreditar que num quarto dormissem seis pessoas, que nem água tivessem para se lavar ou cozinhar. Os debates televisivos sucederam-se ao longo da semana passada e até ao momento que vos escrevo esta crónica ainda não foi anunciada uma decisão oficial concreta que mude radicalmente a situação dos trabalhadores imigrantes.

Portugal tem milhões de emigrantes espalhados pelos cinco continentes. Já imaginaram o que seria se um português chegasse ao Dubai e fosse metido num barracão de madeira sem água e com mais cinco companheiros? Já imaginaram o crédito negativo que era espalhado pelo mundo contra os árabes? E quem diz no Dubai podemos salientar outra qualquer cidade para onde vão portugueses trabalhar. Até em França já não existe o triste “bidonville”.

O que é mais triste é que assistimos a toda e qualquer manifestação por isto e por aquilo. É o direito ao casamento do mesmo sexo, é a eutanásia, é o não uso de máscara higiénica, mas não vimos nenhuma manifestação ou protesto de um qualquer movimento ou associação dos direitos humanos a deslocarem-se para Odemira e fazerem ouvir a sua voz em defesa daqueles que realizam o trabalho que os portugueses não querem fazer…

*Texto escrito com a antiga grafia

10 Mai 2021