José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBastões de Comando aos pés da Imaculada [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o escrever sobre as grandiosas festas com que a Cidade do Nome de Deus solenizou a proclamação da Imaculada Conceição como sua Padroeira, veio-nos à memória que colocado a seus pés se encontrava o Bastão de Comando. Quando o Capitão-geral, ou depois o Governador, chegava a Macau, na tomada de posse às portas da cidadela, apresentava a sua carta-patente ao vereador mais antigo do Senado e em troca era-lhe entregue o bastão de comando e a chave da cidade por entre uma salva de vinte e um tiros. Depois era o bastão de novo depositado no altar da Padroeira Nossa Senhora da Conceição; no início e até 1856, na Igreja de Nossa Senhora dos Anjos e porque esse templo dos franciscanos ameaçava ruir, desde então na Sé Catedral, colocada no primeiro altar lateral do lado do Evangelho, a contar da entrada. “A esse bastão do comando que se encontrava na Sé Catedral veio-se juntar um outro que a comunidade portuguesa de Xangai ofereceu ao Governador José Rodrigues Coelho do Amaral (1863-1866)”, segundo o Pe. Manuel Teixeira. Luís Gonzaga Gomes refere a data de 10 de Março de 1865, quando o comendador Lourenço Marques, em nome dos cidadãos portugueses residentes em Xangai, ofereceu ao Governador Coelho de Amaral um bastão feito na Inglaterra, para comemorar a sua passagem por essa cidade, em Junho de 1864. O Coronel de Engenharia José Rodrigues Coelho do Amaral, Governador de Macau que a 22 de Junho de 1863 tomara posse e para o qual havia sido nomeado a 7 de Abril desse mesmo ano, como Conselheiro na missão diplomática portuguesa partira a 14 de Maio de 1864 de Xangai para Tientsin (Tianjin). “Acompanha a este (comendador Lourenço Marques) uma caixa contendo um Bastão que a Comunidade Portuguesa de Shanghae ofereceu em 1865 a S. Ex.ª o Conselheiro Joze Rodrigues Coelho do Amaral em demonstração da boa administração de S. Ex.ª como Governador desta Província, e ele o vota a SSma. Virgem perpetuamente; V. Rma. o colocará no altar de Nossa Senhora da Conceição a par do outro Bastão”, de um documento transcrito pelo Padre Benjamim Videira Pires, que refere ter o Governador Coelho do Amaral recebido o bastão em 19 de Janeiro de 1866 e o colocou no “altar, <a par do outro que serve nos actos solenes da posse dos Governadores desta Cidade>, à semelhança do que se fazia para a coroa real, em Vila Viçosa. Desaparecida, hoje, desse altar a estátua e o painel (hoje no Museu) da Imaculada e substituídos por outra estátua da Senhora da Conceição, da Medalha Milagrosa, os antigos bastões da tomada de posse do Governador e de Coelho do Amaral (não do Juiz, como se pensava) encontravam-se, até à última remodelação da Catedral em 1961”, no lado direito da própria estátua de Nossa Senhora de Fátima, no seu altar do transepto. “A cerimónia simbólica da entrega do bastão à Padroeira interrompeu-se com a República, em 1910”, sendo a partir de então apenas entregue a chave da cidade ao novo governador. De referir que em 1840 na Igreja paroquial de S. António em Macau se principiou também a venerar a Imaculada, sob o título de Nossa Senhora da Conceição da Medalha Milagrosa. Segundo Benjamim Videira Pires “É sabido que a Imaculada, com a forma duma medalha de duas faces, apareceu em 27-11-1830, em Paris, a Santa Catarina Labouré”. Insígnia de dignidade senhorial Esse Bastão de Comando, ceptro de insígnia real, tinha como paralelo na China o Gui, um objecto de jade usado apenas pelo imperador, ou pelos reis, durante a cerimónia de oferendas de sacrifício ao Céu (Ji Tian). Segundo Ana Maria Amaro, “A bengala, ou bastão, 權 (kun) (权杖, em mandarim quanzhang), é símbolo de honrarias e insígnia de dignidade, sendo homófono de cássia, árvore emblemática dos letrados também, um emblema de Shou Xing Gong (寿星, Shou Xing a divindade estelar da Longevidade) Divindade da Longa Vida, um dos três Puros, uma das Três Estrelas ou Três Augustos Imperadores, uma tríade muito popular também entre os tauistas, o grupo das Três Supremas Venturas, Fu, Lu, Shou, Felicidade, Prosperidade e Longa Vida.” O bastão dos Governadores da Província era chamado Bastão do Comando e simbolizava o supremo mando, serviu desde os primeiros tempos nos actos solenes da posse dos Capitães-gerais e dos Governadores de Macau até que, com a implantação da República, deixou de ser feita esta cerimónia. Esta vara era outorgada pelo Rei a um seu servidor, para o representar na governação de um território do seu vasto império e por isso denominada Bastão de Comando. Traz ele uma ancestral História, aparecendo sempre associado com os chefes e dirigentes do povo e como cajado ligado à pastorícia, sendo primitivamente usado como arma de defesa contra o ataque dos animais, ou como bengala de suporte ao corpo. Como insígnia, o bastão do comando terá a sua proveniência nesse cajado usado pelos pastores para conduzir os seus rebanhos, ou no ceptro, que era um bastão usado outrora pelos reis e generais. Na entrada <Bastão>, a Enciclopédia Luso Brasileira refere que nas investigações em cavernas e nos túmulos foram encontrados objectos pré-históricos classificados pelos especialistas como bastões do comando. Se há quem pense que estes são insígnia de chefes, outros crêem serem primitivas varas do condão que os feiticeiros usavam. “Os chefes egípcios, árabes e hebreus usaram bastões, assim como pessoas de consideração em Babilónia, como refere Heródoto. No teatro grego os actores, quando mimavam um pedagogo, um camponês ou um velho, usavam um bastão rústico, e uma bengala ou vara direita e adornada quando representavam uma personagem rica ou elegante. Nos primeiros monumentos cristãos aparecem trazendo bastão o arcanjo Gabriel, na Anunciação; Cristo na ressurreição de Lázaro, o Bom Pastor, Cristo descendo ao Limbo; Moisés ferindo o rochedo; S. Pedro entre os Apóstolos, etc. Na liturgia cristã o báculo é símbolo da autoridade espiritual e descende do bastão.” Esse pau grosso com a extremidade superior arqueada era usado pelos bispos. “No cerimonial antigo figura o bastão como insígnia de dignidade senhorial.” Tal ficou registado durante a viagem da primeira Embaixada Japonesa Cristã à Europa, promovida pelo Visitador dos Jesuítas no Oriente, Padre Alexandre Vaglinano. Em Roma, encontrando-se hospedados os quatro jovens embaixadores japoneses na Casa da Companhia de Jesus, aí compareceu no dia 29 de Maio de 1585, o senador mais velho, Horácio de Benedictis, em representação do povo e Senado Romano, com um grande aparato, usado em actos públicos, precedidos de vinte e quatro oficiais com varas douradas na mão, e seguidos de muitos cavaleiros e cidadãos romanos, todos ricamente vestidos. O bastão de Comando, símbolo do poder temporal e o báculo da autoridade espiritual, representavam em conjunto a autoridade do saber, que mais tarde se perdeu, esquecida como ficou a autoridade natural, sendo agora apenas de autoridade estatutária.