Macaense assume-se hoje como fruto de mistura e não “como um português”

A antropóloga Marisa Gaspar defende que o macaense se assume hoje como fruto de uma mistura étnica e “não como um português”, como antes da transição de Macau, e que Pequim tem dado sinais de valorizar a comunidade.

“O que acontece depois da transição de Macau para a China [em 1999] é que os macaenses começam a assumir-se como tal, não como um português, como acontecia antes, ainda que português de Macau, que não é igual ao português de Portugal, mas começam a assumir este modelo de crioulidade, de mistura étnica”, nota a académica do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, que se encontra no território a fazer trabalho de investigação.

A estudar a comunidade há mais de uma década, Marisa Gaspar assume em entrevista à Lusa a dificuldade em caracterizar em poucas palavras esta comunidade euro-asiática, composta sobretudo por luso-descendentes com raízes em Macau. Fala, sim, de uma definição “tão fluida e tão maleável”.

A antropóloga começa por dizer que “é muito mais do que o binómio entre português e chinês”, como várias vezes tem sido descrita, tratando-se de “uma mistura rica de muitas pessoas, ao longo dos séculos”.

“Inicialmente, as famílias chegaram a Macau quando Macau foi estabelecido, sendo famílias que já vinham de Goa, de Malaca, de entrepostos comerciais, e que quando chegaram, estes mercadores traziam as próprias famílias, já elas misturadas”, refere, indicando que esta é a teoria que se admite ser a mais correcta.

Autora da obra “No tempo do bambu: Identidade e ambivalência entre macaenses” (2015), adaptação para livro da tese de doutoramento, em que explora como mudanças pós-transição se reproduziram em termos de alterações identitárias, Marisa Gaspar deixou no título pistas para representar a comunidade. O bambu é “algo que é flexível, que se pode vergar, erguer, que se adapta”, considera.

E mais: “Uma identidade fluida, pouco definida, pouco clara, que se pode adaptar da forma como se quer e que dá mais vantagens em determinado momento. E eu falo disso como uma estratégia (…) mas num sentido positivo, não como algo depreciativo. Tens essas características e podes ir-te movendo nestes mundos”, salienta.

Laboratório social

Vantagens para uma comunidade que vive a actualidade de um “quase laboratório social”, como a antropóloga classifica Macau, que, após um período de três anos fechada ao mundo devido à covid-19, testa “novas políticas públicas”.

Estas políticas, para áreas como o turismo e o património, com vista a diversificar a economia do território, fortemente dependente do sector do jogo, são temas que a especialista está a trabalhar para o pós-doutoramento, em que aborda igualmente o turismo gastronómico.

Macau foi classificada em 2017 cidade criativa em gastronomia pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e, quatro anos mais tarde, a cozinha macaense entrou, em conjunto com o teatro em patuá (crioulo de Macau), para a lista do património cultural intangível da China.

“É um marco a China reconhecer um património que de facto é estrangeiro e tem uma base portuguesa clara como um património nacional seu. E isto acho que também é demonstrativo de que quer integrar a comunidade macaense como uma comunidade da China”, refere.

29 Jan 2024

FRC | Identidade macaense em debate na próxima quarta-feira 

[dropcap]A[/dropcap] identidade macaense é o mote de conversa para o debate que vai ter lugar na próxima quarta-feira, dia 23, na Fundação Rui Cunha (FRC) por volta das 18h30. A palestra “Como definir um macaense” é organizada pela FRC e pela Associação dos Antigos Alunos da Escola Comercial “Pedro Nolasco” (AAAEC), contando com a presença do historiador Jorge Forjaz.

A definição de um macaense é um dos temas mais comuns no seio da comunidade, conforme denota Jorge Forjaz. “Todos têm alguma razão e todos acham que os outros não têm totalmente razão. Eu serei mais um deles, mas 20 anos a estudar as famílias macaenses dão-me direito a ter uma opinião que não será, certamente, consensual, nem definitiva”, referiu, citado por um comunicado da FRC. Esta palestra insere-se na série “Serões com História”, promovida pela FRC, e conta com moderação de José Basto da Silva, presidente da AAAEC.

Jorge Forjaz é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, possuindo também o curso de bibliotecário-arquivista. Foi director do Museu e Conservador da Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo e director regional dos Assuntos Culturais da Região Autónoma dos Açores. Entre 1989 e 1992, Jorge Forjaz foi secretário-geral do Festival Internacional de Música de Macau. Durante esse tempo pesquisou as genealogias dos macaenses. O resultado desse exaustivo trabalho deu origem à obra “Famílias Macaenses”, publicada pela primeira vez em 1996 e com uma segunda edição revista e actualizada, com mais 80 capítulos, levada à estampa em 2017.

16 Set 2020