Huzhou, capital dos pincéis

A noroeste da província de Zhejiang visitamos Huzhou, atraídos por um dos tesouros da pintura chinesa, os pincéis. Após a compra do mapa, percebemos pelas manchas verdes estar esta cidade recheada de jardins. De triciclo chegamos a um hotel de duas estrelas, apesar da oferta de alojamento no de quatro estrelas, com os descontos, apenas por mais uns trocados nos permitir gozar uma qualidade superior de conforto. Com as malas já no quarto, é na recepção que ficamos a saber da existência na cidade de um Museu do Pincel.

Considerada a capital dos pincéis, pois segundo um ditado, os pincéis de Huzhou, o papel de arroz Xuan de Xuanzhou (Anhui), a tinta da China de Huizhou (também em Anhui) e a pedra Duan para a tinta de Zhaoqing (Guangdong), são os quatro tesouros da pintura chinesa.

Logo na viagem para o hotel deu para perceber ser a cidade pequena pois, desde o terminal de autocarros, em dez minutos estamos no centro, percorrendo metade da avenida principal que longitudinalmente a divide. Agora caminhando, vamos ter a um canal com esplanada nas margens. Parece um bom local para na sombra, tranquilamente refrescar do Sol do meio-dia. Estamos no jardim Hebin. Ainda a sentar e logo de longe nos acenam com um copo e uma garrafa termos. Após um gesto afirmativo, trazem um copo cheio de folhas de chá verde e água quente num recipiente térmico, que sobre a mesa fica para nos servirmos.

Logo aparecem engraxadores que por um reminbi retiram o pó aos sapatos, dando-lhes uma pequena polidela. Os vendedores de óculos rapidamente atormentam o repouso e um tocador de ehru experimenta, com uns sons de amplificador, cativar-nos a usufruir de umas quantas músicas. Mas a sua pequena introdução à música de “Yue liang wo di chin” (A Lua Representa o meu Coração) revela ser mais incomodativa do que cultural.

Espreitando uma movimentada, mas estreita rua pedonal onde, apesar dos edifícios em redor estarem desenquadrados do ambiente, uma recente porta de dragão (longmen) dá acesso à parte da cidade onde um estar de tempos já longínquos se perpetua. Outro longmen, este antigo e feito de madeira, dá a entrada ao templo Fumiao, que será do mesmo período e onde o pavimento sofre arranjos. No exterior, um sem número de vendedores de antiguidades espraiam os artigos pelo chão.

Passamos por lojas de roupa e entre duas dessas lojas, um cubículo com um balcão onde algumas pessoas esperam que do grelhador a carvão em brasa fiquem prontas as espetadas de diferentes pedaços de carne enfiada num longo palito. Petiscamos carneiro para enganar o estômago, pois começam a ser horas de jantar. Vamos caminhando atentos aos restaurantes, que ao longe se distinguem, pois marcados por lanternas redondas vermelhas.

Avenida dos hotéis

É na rua Hongqi Lu, onde se encontram a maioria dos hotéis, que devido ao aspecto escolhemos o restaurante, após passar por muitos de comida rápida, tanto chineses, como das duas principais marcas estrangeiras. À entrada, uma parte de venda para o exterior com muita procura, indica-nos estar num bom lugar. Os pensamentos disfarçam o tempo de espera, quando nos dizem ser o restaurante de pré-pagamento e que não há lista para escolher os pratos. As carnes já cozinhadas são na sua maioria de churrasco e estão expostas no sector de vendas, por detrás de vidros.

Cinco e meia da tarde e já com as senhas compradas para a refeição, escolhida pelos pratos das mesas dos clientes ali a jantar. É-nos servido tofu embebido em molho de soja e uma malga de rissóis cozidos com recheio de carne, a boiar numa sopa. Comida barata para servir de jantar após o emprego.

Embebidos no sabor, somos interrompidos por uma pedinte, corcovada, de certa idade, que parece pedir dinheiro. Oferecendo o que estamos a comer, logo toda a comida é esvaziada para a tigela e nem o molho sobra. Perante tamanha fome, constatada mais tarde quando a vimos numas escadas a comer, ainda lhe oferecemos dinheiro para outra refeição.

A mendicidade é um fenómeno recente na China, apesar de ter havido sempre dois tipos de pessoas que pelas ruas andam e que parecem pedintes. Aqueles que vagueando vivem pelo destino, indiferentes e cujas pessoas lhes oferecem os alimentos e os que de lugares mais pobres migram para as cidades. Claro que também já há pedintes de profissão.

O som de música sai das lojas e o restaurante de comida rápida estrangeira usa uma potente coluna onde uma jovem empregada dança ao som de músicas para crianças, espevitando-as a acompanhá-la.

Procuramos provar as especialidades da terra e por isso, no restaurante do hotel Huzhou, de duas estrelas, provamos pratos referenciados como de cozinha local. Foi-nos servido uma flor de peixe, prato de peixe que depois de assado num molho agridoce, fica retorcido com a sua pele a servir de cálice em forma de flor e assim apresentado. Mas é no hotel Zhebei, de quatro estrelas, que uma cozinha requintada nos dá a provar um tofu que guardamos com saudade.

O preço é mais barato que o anterior. Este restaurante fora recomendado por duas jovens, que esperavam os seus amigos e a quem uma empregada pede ajuda para comunicar connosco, quando um dia subimos ao segundo andar de um restaurante de comida cozinhada na mesa, o vulgar hot-pot. Ao perceber que apenas servem espetadas de vegetais, de carne ou marisco, para serem cozidas na panela aquecida sobre um bico de gás no centro da mesa, levantamo-nos e preparamo-nos para sair.

Solicitamente nos perguntam em inglês a razão de irmos embora. Aí entram as duas jovens estudantes universitárias em Hangzhou, que de férias viviam em casa da família. Explicando não ser esta a comida que nos apetece, aproveitamos para perguntar por outros restaurantes de comida regional. Como que desculpando Huzhou por não ter muitos restaurantes, apresentam como o melhor e de preço barato o restaurante do hotel Zhebei.

Após um lauto manjar e como ainda é cedo, já que na China se começa a jantar às cinco da tarde, voltamos à avenida e logo a seguir ao hotel de onde vínhamos, surge um outro, também de quatro estrelas, o Internacional Huzhou. Continuando pelo mesmo passeio, encontramos a loja de seda Tian Yun. Depois uma loja de pincéis, onde há para todos os tamanhos e preços, chegando pincéis com cabo em porcelana, ou de bambu, a custar milhares de yuans.

Museu dos pincéis

Mergulhando no passado de Huzhou, entrando por uma das ruas mais pitorescas da cidade. Uma igreja cristã domina a rua e em redor, lojas ocupam a parte debaixo das casas de dois andares. Pelos solidéus nas cabeças de algumas pessoas, percebemos que alguns dos negócios pertencem a muçulmanos. Depois de recusar ser fotografado, um vendedor de tangerinas oferece-nos uma deliciosa peça de fruta. Continuando, a curiosidade leva-nos ao encontro da ponte de pedra com três arcos construída em 1539, com algumas pedras ornamentais incrustadas.

Daí e para Sudoeste, vamos até ao jardim da casa museu do pintor e calígrafo Zhao Mengfu (1254-1322). Este era nativo de Wuxing (hoje Huzhou), tendo como nome de cortesia Zi’ang e pseudónimos Songxue, Oubo e Shuijinggong Daoren. Era um príncipe descendente da dinastia Song, mas que serviu a dinastia Yuan dos mongóis como oficial na Academia Hanlin.

Como pintor, era especialista na representação de cavalos e usava recriar temas e estilos dos antigos mestres, com cores simples para fazer as paisagens. Além de mestre nas técnicas da dinastia Tang, foi um exímio calígrafo, considerado um dos quatro principais na História da Caligrafia Chinesa.

Já no jardim, a serenidade com que o verde da vegetação se conjuga no lago com o castanho dos pavilhões de repouso, ou nas madeiras das casas de chá, leva-nos a ali ficar longo tempo, recriando figuras com a reflexão nas águas das pedras ornamentais. Temos de sair do jardim para visitar o Museu dos Pincéis que, apesar de estar englobado no mesmo recinto, tem uma entrada autónoma. Os pincéis de Huzhou estão referenciados como os melhores do país e por isso há que ver como são feitos.

Em termos cronológicos, o pincel foi inventado nos finais do século III a.n.e. por Meng Tian, um comandante militar da dinastia Qin. No entanto, percebe-se pelos vasos pintados de diferentes culturas neolíticas, que deve ter existido há pelo menos cinco mil anos. Por isso, Meng Tian estará ligado, não à invenção mas, ao aperfeiçoamento dos pincéis. Também a cidade de Huzhou não é o verdadeiro local de produção dos melhores pincéis, mas ganhou esse título já que em tempos antigos Shanlian, no concelho de Wuxing, província de Zhejiang, se encontrava sobre a sua jurisdição. Os pincéis de caligrafia aí feitos tiveram o seu apogeu durante a dinastia Yuan e ainda hoje estão considerados entre os melhores de toda a China.

Quatro etapas são necessárias para se fabricar o pincel hu, e usa-se a pelagem do coelho, da cauda de doninha e dos pêlos de cabra. Após a gordura ser retirada com sumo de tília, são cortados os pêlos em tamanhos iguais e entram numa solução para os limpar. Depois são unidos na base com goma arábica e após secar, enfeixados com um atilho que os une ao cabo de bambu.

Com o pincel feito na sua estrutura passa-se a outra fase do processo. Os pêlos são besuntados numa papa feita de algas para os colocar juntos e com o enrolar de um fio é-lhes criada uma ponta, a parte mais importante do pincel. Esse fio que passa pelos pêlos, numa volta dá a forma de cone e serve também para retirar o excesso da papa aglutinadora.

Com extrema paciência e habilidade, os pincéis são limpos, arredondados, criando-lhes uma ponta, ficando com uma boa elasticidade. Depois o pincel, já pronto, passa para as mãos de outro funcionário, onde no cabo de bambu são gravados os caracteres Tian Kuan Trade Mark, que substituiu a antiga marca “Dupla Cabra”.

Os pincéis (hao) de pêlo de cabra são macios e servem para escrever pequenos caracteres, os de pêlo de coelho são duros e os da cauda da doninha estão entre os dois, tendo grande elasticidade servem para a caligrafia de grandes caracteres. Por vezes faz-se uma mistura dos diferentes pêlos, usando-se também os de outros animais.

Há pincéis de todo o tipo de tamanhos, servindo uns para pintar e outros para caligrafar. Os melhores para a caligrafia chinesa são os de mistura de pêlo de coelho e cabra. Os pincéis hu foram muito usados na corte imperial.

Na outra parte do museu, está a sala do pintor Zhao Mengfu com os seus utensílios e algumas obras, onde também não faltam as pedras gravadas. Apesar do museu ter uma secção de vendas, após sair do recinto museológico e já na rua, um conjunto de lojas dedica-se à venda de produtos para pintura chinesa.

Deixando os pincéis, visitamos o mercado e atravessando uma ponte de madeira em forma de zig-zag, percorremos outra parte antiga da cidade. Estendais de roupa escondem vendedores com sacos cheios de folhas de chá acabadas de colher e que pertencem à primeira colheita do ano, a melhor.

A nossa estadia em Huzhou serve também para visitarmos locais a uma hora de autocarro, como Anji, para ver o museu do Bambu e já fora da província de Zhejiang, em Jiangsu, Dingshan, referenciada como o local de produção dos melhores serviços de chá. A margem Sul do Taihu é a linha de fronteira entre o distrito de Huzhou, na província de Zhejiang e a província de Jiangsu, por onde o lago Tai se expande.

3 Jul 2025