Júlio

“It has been a beautiful fight. Still is.” – Bukowski
Em memória de Júlio Ávila

[dropcap]A[/dropcap] mercearia chinesa da minha rua fechou. Não aceitavam cartão, nem de pagamento nem de desconto. Mas sorriam sempre, embora nunca perguntassem pelo contribuinte na factura. É verdade que, nos últimos tempos, já só lá ia para comprar melancia, quartos de, a noventa e nove cêntimos o quilo e todo o sabor do mundo. Um sabor rosa-vivo simples, a única coisa que me apetecia, por vezes, comer. Melancia que levei para casa, para o trabalho, para a praia. Que comi sozinha e partilhei. Triângulos e triângulos de consolo e doçura. Arestas, faces e vértices que não magoavam, e de que era segura a repetição. Não sei o que dizer mais do que sei o nome da tua avó, que te ofereceu melancia cortada aos cubos no que agora lhe deve parecer ter sido ainda outro dia. Não tenho avós há muito tempo, e pergunto-me se a tua terá ouvido falar da Björk, que também sabe uma ou outra coisa sobre melancias. E lágrimas.

Conseguiste. Que o carro passasse na inspecção. Conseguiste. Que a vida deixasse de passar por ti e te magoasse. Tu tentaste e não falhaste. Aprendeste o nó que desfez os teus, não importa se nos deixou um permanente. Ninguém deveria poder dizer que nos desapontaste.

Os pêsames pesam. Os meus sentimentos também. Seremos sempre demasiado novos para estas coisas. Ser millennial não nos dá um certificado de saber lidar consigo mesmo ou com os outros, com o quão pouco sabemos uns dos outros e sobre nós mesmos. Vivemos em excesso de informação não relevante e em carência de quase tudo o resto

Contigo fui turista e visitei uma igreja, partilhei a mesa do almoço, a vista do miradouro do Outeiro da Memória, a melhor amiga, uma grande moca, gargalhadas, o teatro, a escrita, o peso da vida. Trazias uma t-shirt azul no dia em que te conheci. Letras em degradê laranja e amarelo, calções e chinelos. Éramos quatro. Mesmo nessas fotografias desfocadas, continuamos a ser quatro. Eu estou do lado de cá, mas senti-me em casa convosco. Lembro-me de não estar bem, de ser a única desabituada à altitude. Lembro-me de que, no último ano, todos quiseram deixar de estar aqui, tentaram e quase conseguiram. E pergunto-me se algum dia vocês, desculpa – se eles se vão habituar à vida. Pergunto-me se alguém mais vai conseguir. E dou por mim a rever conversas e a enviar mensagens e a querer marcar viagens. Quem me dera ter voltado aí. Agora sei que nunca vou sair.

Os pêsames pesam. Os meus sentimentos também. Seremos sempre demasiado novos para estas coisas. Ser millennial não nos dá um certificado de saber lidar consigo mesmo ou com os outros, com o quão pouco sabemos uns dos outros e sobre nós mesmos. Vivemos em excesso de informação não relevante e em carência de quase tudo o resto. Vivemos em estado de depressão e de distracção, mas tu sabias estas coisas. Tu sabias de ti. Tu prestavas atenção.

Saber muito pouco de alguém e ainda assim ser de repente a pessoa em quem mais pensamos, e isto servir para nós e para os outros. Ir de casa para o trabalho, da terapia para os medicamentos, de mal a pior, de millennial a memorial. Deixar de ter um nome para passarmos a ser também um evento, uma descrição, uma memória. Fazer um testamento real para a persona virtual. Estar sempre a um ecrã de distância das nossas pessoas preferidas, até de nós mesmos. Sim, porque deveríamos saber ser uma das nossas pessoas preferidas. Tu certamente o és, serás para muitos, serás para sempre.

Onze, catorze, quinze, dezasseis. Um dia para nascer e três para morrer. Mil novecentos e oitenta e seis. Dois mil e dezoito. Abril, Outubro e trinta e dois anos e meio entre eles. Nasceste, cresceste, viveste, morreste. Tu estiveste aqui. Tu estavas, realmente, vivo. Ficaste mais quando foste embora, tu que já eras tão grande. Tu não desapareceste. Obrigada por tudo o que escreveste.

Esperarmos que as pessoas que gostam de Júlio encontrem algum conforto ao visitar o seu perfil, para relembrar e celebrar a sua vida.

It has been a beautiful life. Still is.

14 Nov 2018

Coreia do Sul | Homenagem inédita a cão polícia morto em serviço

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s autoridades sul-coreanas estão a organizar uma homenagem ao primeiro cão polícia morto “no desempenho das suas funções”, uma cerimónia inédita num país onde estes animais fazem parte do regime alimentar da população.

Larry, um pastor alemão de sete anos, morreu no passado mês de Julho depois de ter sido atacado por uma cobra, durante uma operação para tentar encontrar um desaparecido numa montanha em North Chungcheong, uma província no centro do país.

Em comunicado, a polícia destacou o facto deste ter sido o primeiro cão polícia a morrer “no desempenho das suas funções” naquele país.

Desde o início da sua ‘carreira’, em 2012, Larry contribuiu para a investigação de 39 crimes e participou nas buscas de mais de 170 desaparecidos. No ano passado, o cão que é agora alvo da homenagem encontrou o corpo de uma mulher que estava enterrada, uma descoberta que originou uma investigação por homicídio.

Depois do funeral, realizado no mês passado, a polícia regional encomendou uma placa em bronze com a mensagem: “em homenagem a Larry”. Esta será pendurada na sede da polícia durante uma cerimónia a realizar em Setembro.

O destino de Larry contrasta fortemente com o destino de muitos cães na Coreia do Sul, onde estes fazem parte do regime alimentar de muitas famílias. Estima-se que um milhão de cães sejam abatidos para esse efeito todos os anos.

30 Ago 2018

Homenagem | Rubye de Senna Fernandes celebrada hoje no Albergue

“Flor eterna” é o evento de homenagem a Rubye de Senna Fernandes que tem lugar esta noite no Albergue SCM. Carlos Marreiros e Miguel de Senna Fernandes querem proporcionar um serão capaz de invocar a memória de Rubye, a professora que cantava o fado

 

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ubye de Senna Fernandes vai ser homenageada hoje. A iniciativa é do Albergue SCM e da Associação dos Macaenses e tem lugar às 18.30h no Albergue.
A ideia foi do arquitecto Carlos Marreiros, presidente do Albergue SCM, e do presidente da Associação dos Macaenses, Miguel de Senna Fernandes.
O objectivo é celebrar àquela que marcou a música cantada em Macau nas décadas de 50 e 60. “É uma homenagem póstuma. Em vez de se celebrar apenas uma missa, como normalmente se faz, eu e o Carlos Marreiros achamos que talvez uma sessão de conversa fosse melhor”, contou Senna Fernandes ao HM. A sessão tem como objectivo “invocar as memórias dessa senhora e fazer um serão capaz de ficar na memórias das pessoas”, acrescentou.
Rubye de Senna Fernandes nasceu em Macau no ano de 1925. Ainda pequena, aos seis anos, mudou-se para Portugal. No regresso à Ásia trouxe na bagagem a música que a marcou do outro lado do mundo. “A Rubye vinha de Portugal onde participou em muitas tertúlias onde se cantava o fado”, revelou o jurista.
De regresso a Macau, desempenhou funções como professora e directora do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes. Para Miguel de Senna Fernandes, além de ter uma “personalidade invulgar e interessante”, Rubye marcou uma época em Macau com a música que não se dispensava de cantar. Durante os anos 50, “foi a responsável pela popularização do fado por cá”, afirma o advogado.
No entanto, não se tratava de uma fadista, considerou, mas sim “de uma intérprete incrível deste género musical”, acrescentou. Miguel de Senna Fernandes recorda a imagem da mulher, que personificava o fado à sua maneira. “Lá vinha ela com o xaile e cantava tão bem”, refere.

Cantora apaixonada

Numa altura em que a música ligeira americana reunia o gosto dos residentes, “ela deu uma outra achega em relação ao fado e as pessoas passaram a ouvir este género de uma outra maneira”. A razão para que isso tivesse acontecido é óbvia: “a forma apaixonada com que cantava e que transbordava para quem a ouvia”, justificou.
No repertório trazia sempre Amália ou Hermínia da Silva, as estrelas da altura.
Miguel de Senna Fernandes não viveu estes tempos mas recordou o que lhe foi contado, sobretudo pelo pai: “em todas as festas que aparecia havia um fado com certeza, e mesmo que não fosse o fado, pegava na sua viola e tocava música ligeira da altura”, disse. Prova disso são as muitas fotografias em que Rubye de Senna Fernandes aparecia de viola em riste e prestes entregar-se a uma canção.

21 Ago 2018