José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCausas da greve “Organizou o governo uma repartição de fazenda provincial, com numeroso pessoal, sendo os seus chefes muito bem remunerados em comparação dos outros funcionários. Há quem diga que estes empregados julgam que pelo facto de receberem eles uns vencimentos por assim dizer excepcionais, devem considerar Macau como colónia destinada à exploração fiscal e nada mais, e por isso tratam de espremer o povo chinês o mais possível. É assim que se explicam as odiosas execuções por dívidas de vinte a trinta avos. É por isso que se arrombaram com machados as portas das casas do negociante Chou-sin-ip para cobrar direitos de contribuição de registos lançados até sobre lucros do espólio de Chou-on, acumulados por oito anos depois da morte do pai adoptante do executado. É por isso que acabaram com os avaliadores do valor locativo dos prédios para se poder aumentar o imposto predial. É por isso que se criou o exclusivo de liu-pun, e que houve receio de que viessem a criar-se outros exclusivos sobre salitre, enxofre, tabaco, etc.” Assim explica O Macaense de 22 de Abril de 1892 o antecedente das causas da greve e continua, “Todos estes factos provam o propósito deliberado de uma exploração fiscal indefinida que amedrontou os chineses, e tende a sufocar o comércio, sendo certo que por outro lado nenhuma compensação lhes oferece o governo, e o crescente assoreamento do porto se vai tornando em espectro da morte para a navegação deste porto. Dizem os chineses que a greve é uma manifestação para conter essa exploração que o comércio não pode suportar, e quando não o consigam, então tratarão de abandonar Macau, como centenares deles já fizeram. Eis a explicação da greve.” Já a 13 de Abril O Macaense falava no zum-zum em forma de boato propalado na cidade – pretenderem os chineses assassinar o Sr. Arthur Tamagnini Barbosa – “foi desmentido pelas averiguações oficiais. Essa ameaça não passou senão de uma balela”. Intervenção oficiosa Na reunião do conselho do governo na manhã de 21 de Abril de 1892 saiu um edital do governo para ser publicado no dia seguinte, mas graças ao Visconde de Senna Fernandes e de alguns chineses influentes, a greve terminou logo na manhã do dia 22. O Macaense a 28 de Abril refere: “Serenou, finalmente, a tempestade, graças à intervenção puramente oficiosa de entidades particulares. Sobre esta intervenção, vimos na portaria provincial, n.º 42 de 25 de Abril de 1892 uma espécie de censura que surpreendeu toda a gente, porque ninguém se convence de que o Sr. Visconde de Senna Fernandes tivesse intervindo na questão, sem estar d’ acordo com S. Exa. o Governador da província. Admira-nos que nessa portaria se dissesse que o governo tolerava essa intervenção oficiosa, quando é sabido que nas greves há sempre intervenção solicitada de terceiros independentes, que procuram conciliar os interessados, servindo-se de medianeiros para pacificar os ânimos. A 22 de Abril já O Macaense dizia: “Todos os que conhecem a índole dos chineses, sabem que quando eles se coligam, por juramento solene, para fazer ou deixar de fazer uma coisa, quase nunca o quebram.” “Os chineses sobre serem teimosos e persistentes, são fleumáticos.” “Quando os negociantes de peixe desta cidade fizeram greve e disseram que se iam estabelecer na ilha fronteira a Macau, as nossas autoridades riram-se da ameaça; mas eles sempre para lá foram e o comércio de peixe salgado que era tão próspero, não sofreu pouco com isso. Ora eles que se haviam resolvido a não abrir as lojas enquanto se não abolisse o imposto de liu-pun, é claro que o que tinham melhor do seu estava em lugar seguro, e deviam estar dispostos a sofrer as consequências, podendo quando muito ser obrigados a sair de Macau, indo estabelecer-se em outra parte. O edital do governo não os demoveria decerto do seu propósito, porque eles confiam na união que lhes dá força; e à mínima violência que houvesse, não faltariam de certo espíritos malévolos que promovessem a desordem para fins de rapinagem, ou de vingança. [Reflexão sobre o ocorrido a 21 de Abril na reunião no Hospital.] O meio mais certo e que todos esperavam, era o incêndio. Já vimos como ontem, quando se deu o sinal de incêndio, viram-se obrigados os altos funcionários da colónia a puxar as bombas. Em uma das estâncias de madeira de Patane descobriu-se hoje que muitas traves estavam humedecidas de petróleo. As casas de Lucau e de Ho-lin-vong estavam indigitadas para pasto das chamas. Ora imaginem que arrebenta o incêndio em dois ou três pontos da cidade. Como combatê-lo sem pessoal suficiente?” Noutra parte do texto o articulista ironiza: . É verdade, não o negamos; era isto muito factível e quase certo, sobretudo se se houvesse publicado o edital segundo as deliberações do conselho do governo; resolveu-se o Sr. Visconde de Senna Fernandes a constituir-se único responsável pelas taxas de liu-pun, por espaço de 6 meses, ficando assim os negociantes de Macau isentos de pagar o imposto durante esse tempo até que o governo de Lisboa resolva a questão. Sendo esta resolução comunicada aos principais lojistas, foi logo por todos aceite, e eles deliberaram terminar a greve, comprometendo-se a abrir as lojas. Este compromisso tomado às 9 horas da noite de ontem [21 de Abril], teve hoje pela manhã o seu inteiro cumprimento, pois às 6 horas estavam todas as lojas abertas.” “Só Deus sabe até onde chegariam se se prolongasse mais tempo, e se fosse agravada com as medidas violentas que o governo provincial tencionava empregar.” Louvores O Governador da colónia, após lhe terem sido apresentados os relatórios acerca dos acontecimentos sucedidos em Macau nos dias 20 e 21 de Abril, em que teve lugar a greve dos comerciantes, no B.O. de 28 de Abril de 1892 louva pelos serviços prestados o comandante geral da guarda policial, coronel António Joaquim Garcia, os oficiais e mais praças sob seu comando; o capitão do porto, capitão de mar-e-guerra Albano Alves Branco, o seu imediato, capitão tenente Wenceslau José de Souza Moraes, o 2.º tenente da armada José António Arantes Pedroso Júnior, os oficiais e mais praças da estação naval sob seu comando, e as praças da polícia marítima; o comandante do 1.º batalhão do regimento d’infantaria do ultramar, major Júlio Luiz Felner, oficiais e praças do seu comando; o administrador da comunidade chinesa, bacharel Bazílio Alberto Vaz Pinto da Veiga, o administrador do concelho Albino António Pacheco, bem como o alferes da guarda policial Adolpho Correia Bettencourt, encarregado de o auxiliar no exercício das suas funções administrativas, e o chefe da repartição do expediente sínico Pedro Nolasco da Silva; louvor pela dedicação, zelo, energia com que executaram e fizeram executar as ordens superiores por ocasião da referida greve dos comerciantes chineses, contribuindo assim eficazmente para a manutenção da ordem e do respeito à lei.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPara terminar com a greve A 13 de Abril de 1892 O Macaense, publicado às quintas-feiras, noticia não haver nenhuma novidade e a cidade continuar a viver em paz, conservando-se os chineses no mais completo sossego, apesar de após a criação do exclusivo de liu-pun correr o receio de aparecerem novos exclusivos, sobre salitre, enxofre, tabaco, etc.. “Consta-nos que a câmara municipal dirigiu ao Sr. Governador um ofício a retransmitir a representação dos chineses” [transcritos nos dois artigos anteriores]. Refere a 22 de Abril O Macaense, que desta vez saiu um dia mais tarde, na sexta-feira: “Depois das sucessivas petições que os chineses haviam dirigido (…) sobreveio uma calma completa, parecendo que a agitação tinha cessado e os ânimos estavam sossegados. É que a bonança era aparente, mas prenhe de tempestades. De repente, na tarde de 19 do corrente, correu o boato de que no dia seguinte ia haver greve geral, tanto assim que reinava grande actividade nas lojas do bazar, onde afluía numerosa gente para compra de arroz, lenha e outros géneros necessários ao sustento diário. Soube-se então que os chineses, a quem se havia proibido fazer reuniões em Macau, sem prévia participação às autoridades competentes, faziam os seus meetings na Lapa, onde se decidiu fazer a greve. Muitas pessoas, porém, não queriam acreditar que os chineses levassem avante o seu plano, e esperavam que tudo ficaria em águas de bacalhau, quando na manhã do dia 20 do corrente se viu, com surpresa geral, que a greve era uma triste realidade. Não há memória de ter havido nesta cidade, desde a sua fundação, uma manifestação tão geral. Todas as lojas chinesas de Macau fecharam-se. Apenas se conservaram abertas as casas de jogo do fantan e das lotarias pac-a-piu e vae-seng, que estiveram vazias por falta de jogadores. O Sr. Administrador do concelho, acompanhado de uma escolta de polícia, percorria as ruas fazendo abrir à força algumas lojas de arroz, que se vendia por preço exagerado. A maioria das lojas continuaram fechadas até ontem.” O governo estabeleceu um celeiro de arroz na Rua Central para fornecimento do público e ordenou “o arrombamento de algumas lojas de arroz, porque o artigo 275.º do código penal proíbe ao mercador que vende para uso do público géneros necessários ao sustento diário esconder suas provisões, ou recusar vendê-las a qualquer comprador, com quanto este artigo venha no capítulo de Monopólio e não tenha aplicação na hipótese em questão. Infelizmente, porém, parece que o governo provincial andava mais sôfrego de ver a solução da crise,” e “estava firmemente resolvido a fazer terminar até com violência a greve no começo do terceiro dia. Para esse fim tinha-se reunido o conselho do governo na manhã do seguinte dia (que foi ontem, 21 do corrente) e consta-nos que tomaram unanimemente as seguintes deliberações: 1ª. – Que o governo não deveria ceder, nem transigir; 2ª. – Que devia haver-se com prudência, empregando primeiro meios suasórios para os chineses abrirem; a fortaleza do Monte daria um tiro, e se logo depois não se abrissem todas as lojas, o governo mandaria abrir à força as que se conservassem fechadas, e processaria os que fossem encontrados nelas, e além disso tomaria conta de todos os objectos existentes fazendo funcionar as lojas e remetendo o produto à tesouraria de fazenda. Quando nos chegou isto ao conhecimento, foi uma verdadeira surpresa, porque pensávamos que a atitude do governo seria sempre moderada, e jamais agressiva.” (…) “O conselho do governo, porém não entendeu assim. Considerou a greve sob um prisma diferente, quando a verdade é que o código penal só proíbe a greve dos mercadores dos géneros necessários ao sustento diário, sendo o seu fim o monopólio, e não outro qualquer, e a pena da lei resume-se simplesmente em multa, conforme a renda do mercador, de um a seis meses.” “O edital do governo teria sido publicado hoje [22 de Abril] se não tivesse acabado esta manhã a greve, graças ao patriotismo do Sr. Visconde de Senna Fernandes e de alguns chineses influentes, e ao edital do Leal Senado que concorreu em parte para acalmar os ânimos…” Reunião no hospital “Alguns arrematantes dos exclusivos fiscais, sobretudo o chinês Lucau, vendo-se gravemente lesado nos seus interesses, e compreendendo o grave risco em que incorriam os seus negócios, os seus bens, e a tranquilidade pública, da paralisação total do comércio, solicitou do governo licença para um meeting no hospital chinês. (…) Ao meeting, que se realizou ontem [21de Abril] ao meio dia, assistiram os srs. Procurador dos negócios sínicos, o primeiro intérprete-sinólogo Pedro Nolasco da Silva, e uns cinquenta principais negociantes chineses, presidentes ou chefes das agremiações industriais desta cidade, e o proprietário deste jornal [O Macaense] Sr. Secundino Noronha. Corria placidamente a discussão, tendo chegado a resolver que se devia requerer novamente ao governo solicitando a abolição do novo exclusivo e a promessa de se não criarem mais impostos, quando a arraia-miúda, que se aglomerava dentro e fora do hospital, se mostrava impaciente e desejosa de saber o resultado da deliberação. Já mesmo antes disso era tal a vozearia, que os deliberantes se viram obrigados a recolher-se para uma sala mais interna. Alguns dos negociantes com o fim de acalmar a agitação, saíram da sala e participaram à turba que seria resolvida satisfatoriamente a questão, explicando-lhe a deliberação da assembleia. Nisso prorromperam em algazarra, gritando que queriam imediatamente a abolição do novo imposto; e uma chuva de pedras, cacos e telhas começou a cair sobre o lugar onde estavam os dois funcionários acima indicados e os negociantes, partindo as vidraças e chegando um dos fragmentos a tocar levemente um dos dois soldados do destacamento próximo àquele lugar, os quais tinham sido chamados pelo Sr. Nolasco da Silva logo ao manifestar-se o tumulto. Interrompeu-se a sessão, e tanto o Sr. Procurador dos negócios sínicos, como os srs. Nolasco da Silva, e Secundino Noronha e os dois soldados tiveram de se escapulir por uma porta traseira do hospital que dá para o cemitério de S. Miguel, devendo-se aos srs. Procurador e Noronha o não ter rebentado nesta ocasião (ilegível) queriam imprudentemente atirar-se à multidão furibunda. Marchou em seguida para o local do conflito o 1.º batalhão do regimento d’ infantaria do ultramar, com o seu comandante Sr. Major Júlio Felner, acompanhado do Sr. Procurador dos negócios sínicos; mas não foi preciso empregar a força, porque à chegada dela já se havia dispersado a multidão. Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, espalhava-se a notícia aterradora de haver incêndio no bazar; os telefones confirmaram-no, e em seguida a fortaleza do Monte dava dois tiros de rebate. Felizmente era rebate falso, mas concorreu para se dispersasse aquele ajuntamento da populaça, em que já dominavam intenções sinistras.”
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasGreve e lojas fechadas A arrematação do exclusivo do vinho Liu-pun para Macau, Taipa e Coloane e suas dependências para o período de 1 de Maio de 1892 até 30 de Junho de 1894 foi feita a 2 de Abril de 1892 por proposta em carta fechada do capitalista Chan-Iü-San, chinês de Hong Kong, pela quantia de 7,810 patacas. As condições do contrato do exclusivo do vinho Liu-pun respeitantes a terceiros aparecem no anúncio da repartição de fazenda provincial no Boletim Official do Governo da Província de Macau e Timor n.º 15 de 16 de Abril de 1892, parte já publicada no artigo anterior. Aqui se complementa com a Condição sexta – O imposto que o arrematante tem direito de cobrar, três caixas por cada cate de vinho Liu-pun que seja importado em Macau, Taipa e Coloane, ou aí fabricado com sua licença, é devido, no caso de importação, logo que o vinho entre nessas localidades e no caso do fabrico local, logo que esteja preparado. Sobre a peça oficial, o edital do Governador publicado a 6 de Abril de 1892 no Suplemento ao n.º 13 do B.O., o jornal O Independente de 21 de Abril refere, Não produziu o efeito desejado, antes foram desprezadas pelos chineses as determinações nele contidas a despeito das quais resolveram fechar todas as suas lojas, tendo havido previamente, segundo se diz, várias conferências na Lapa. Abertura das lojas A 28 de Abril de 1892 O Independente anuncia: . “Parece que o governo provincial andava mais sôfrego de ver a solução da crise, e estava firmemente resolvido a fazer terminar até com violência a greve no começo do terceiro dia”, segundo O Macaense, que , mas a impossibilidade de consultar esse jornal, devido ao actual encerramento das bibliotecas, retira-nos essa valiosa informação. Ainda a 28, o jornal O Independente apresenta em comunicados: Soluções Continuando n’O Independente de 28 de Abril de 1892: É que, com efeito, brada aos céus que importando-se e fabricando-se em Macau não menos de 36 mil picos de liu-pun, por ano, se autorizasse a cobrança de 3 caixas por cate, o que produz aproximadamente $15:000, recebendo o governo apenas $7.800, quando teria sido mais justo, regular e mais político anunciar a taxa de 3 caixas, provocar pelos meios de que o governo pode dispor um princípio de reacção, chamar então os negociantes a agremiarem-se, cedendo caixa e meia, o que dava ao governo 7.500 patacas por ano, aliviando os contribuintes de igual quantia. (…) Tentou-se obrigar os chineses a abrirem as suas lojas, quando nos parece que seria mais acertado usar do direito que assiste ao governo de cessar as licenças, proibindo aos grevistas tornarem a abrir as suas lojas, se o não quisessem fazer, pura e simplesmente, sem condições de espécie alguma, no termo de 24 horas. Iam para a Lapa? Pois fossem, que primeiro está o prestígio do governo! Era ocasião de se dar um impulso à actividade dos macaistas, que seriam levados a estabelecer-se e tornar-se negociantes, para não tornarem a ficar na completa dependência dos chineses.