Obras públicas e incêndios

Quando a 26 de Outubro de 1866 o Governador de Macau e Timor José Maria da Ponte e Horta (1866-1868) tomou posse, as circunstâncias determinavam a urgência de reformas nos vários serviços da Administração da colónia e por isso, logo começou a nomear uma série de comissões para estudar e elaborar as necessárias a empreender.

A 14 de Setembro de 1867 o Governador por Portaria N.º 51 determina: , publicado no Boletim da Província de Macau e Timor de 16 de Setembro de 1867.

Logo a 18 de Setembro de 1867, a Comissão nomeada por portaria de 14 do corrente mês e composta por Francisco Maria da Cunha, major de artilharia, presidente, Jerónimo Osório de C.C. d’ Albuquerque, capitão às ordens, secretário e W. A. Read, E. C., enviou o relatório ao Governador, publicado no Boletim da Província de Macau e Timor de 23 de Setembro de 1867 onde é apresentado o projecto de organização de um corpo especial de obras públicas. Refere no Artigo 1.º referente ao pessoal do Corpo d’ obras públicas: : §1.º- É composto do inspector, do director e do engenheiro; e, na falta de qualquer um destes, entra, em primeiro lugar, o chefe da secção d’ estatística, e, em segundo, o condutor de trabalhos, por forma que nunca resolve com menos de três membros. §2.º- Este conselho é consultivo, mas tem iniciativa de proposta, para o governo da colónia e §3.º- Por intermédio dele, e com responsabilidade de todos os indivíduos que o compõem, são feitos os ajustes, contratos e a compra de materiais. §4.º- Sempre que o governo da colónia o indicar, ou que o inspector o julgue conveniente, serão ouvidos, o chefe da secção da estatística e o condutor de trabalhos, ficando então o conselho composto de cinco membros. Já o Artigo 3.º : §1.º- Há uma repartição de obras públicas que se divide em duas secções: secção d’ obras públicas e secção d’ estatística. §2.º- É chefe da repartição o inspector, e sub-chefe o director. §3.º- O director é também chefe da 1.ª secção; o chefe da 2.ª é um funcionário nomeado especialmente para este fim. §4.º- Fazem igualmente parte da repartição, o condutor de trabalhos, que além dos trabalhos do campo tem o encargo de arquivista das plantas, memórias, desenhos, &c.; o amanuense, que exerce também as funções de arquivista do expediente e dos documentos de contabilidade; o intérprete; e o engenheiro, que também deve ter ali a sua mesa de trabalho. §5.º-

Este pessoal é comum às duas secções da repartição. §6.º- Toda a correspondência é feita por intermédio da repartição; a esta são remetidas todas as ordens do governo da colónia; e delas partem todas as propostas e consultas para o governo. §7.º- O inspector e o director substituem-se, no impedimento um do outro, tanto nos trabalhos da repartição, como nos de campo. Artigo 4.º- § único: O sistema de escrituração de registo, de arquivo, de expediente, d’ escrituração, da contabilidade, etc., é considerado parte regulamentar e deve ser o primeiro encargo do conselho d’ obras públicas.

A comissão foi dissolvida com louvor do Governador a 24 de Setembro de 1867, publicado a 30 de Setembro no Boletim da Província de Macau e Timor.

Ataque ao fogo

No Bazar, as casas e lojas chinesas são tão unidas e contíguas umas às outras que parecem antes ser uma e mesma propriedade, refere o Inspector de Incêndios Senna Fernandes no resumido relatório de 19 de Fevereiro de 1868 para o Governador.

O Governador António Sérgio de Sousa a 12 de Março de 1872 exonerou por motivos de saúde o major Honorário Bernardino de Senna Fernandes de inspector dos fogos, nomeando para o cargo o capitão Frederico Guilherme Freire Corte Real, sem vencimento enquanto exercer as funções de capitão fiscal do Corpo de Polícia.

Em Setembro de 1875, o capitão Frederico Corte Real faleceu e o então Governador José Maria Lobo de Ávila por Portaria de 25 de Setembro nomeou o Major Eng. Augusto César Supico, então Director das Obras Públicas a exercer esse cargo desde 23 de Fevereiro, como inspector dos fogos, assim como para seu ajudante, o condutor das Obras Públicas António de Azevedo e Cunha Jr. – que já em tempos serviu com louvor como imediato do inspector dos incêndios. Desde então, o cargo de inspector dos fogos ficou por muitos anos adstrito à Direcção das Obras Públicas.

O aviso de incêndio continuava a ser feito pelo toque dos sinos, mas para os accionar era preciso ir buscar a chave da caixa, que fechada protegia as cordas dos sinos, guardada na Estação de Polícia de cada zona e conhecer o número estipulado de badaladas correspondentes a cada uma onde ocorria o incêndio.

19 Jul 2021

O sino como sinal de aviso

O Governador Izidoro Francisco Guimarães (1851-1863), que em três anos reverteu o enorme défice das finanças de Macau sem impor nenhum tributo, apenas fiscalizando com rigor os existentes e em severa economia conseguiu depois aumentar as despesas anuais com as obras públicas. Efectuou ainda durante a sua governação a reconstrução do Bazar, destruído por os incêndios de 1856 e de Dezembro de 1862, aproveitando com aterros sobre o rio torná-lo maior e melhor arranjado. Mas já no ano seguinte Marques Pereira referia, “No Bazar, há uma acumulação de casas e habitantes, muito e muito além do que o local permite.”

Era então Inspector dos Incêndios o macaense Bernardino de Senna Fernandes (1815-1893), organizador da Polícia e promovido a Major Comandante do Corpo de Polícia de Macao, quando este foi criado por Portaria de 11 de Outubro de 1861 pelo Governador Guimarães, que determinou a formação dessa Força da Polícia, proveniente do Corpo de Polícia do Bazar e inicialmente formado em 1857 com 50 portugueses por o chinês Aiong-Pong. Sobre o assunto, o padre Manuel Teixeira prova com um documento de 25 de Agosto de 1862: . A 30 de Agosto, o Conselho do Governo declarou ser isso verdade. Daqui se vê que, já antes de 1862, Senna Fernandes era Inspector de Incêndios, tendo reorganizado esse serviço, exercendo o cargo gratuitamente. Num dos seus relatórios dizia: . Aqui temos um corpo de bombeiros já organizado.

Sino em vez de canhão

O coronel de Engenharia José Rodrigues Coelho do Amaral (1808-1873), como Governador tomou posse a 22/6/1863, quando Macau, após 19 anos fora do domínio do Estado da Índia, voltou a ficar a ele subordinada. Iniciava-se a modernização com a iluminação da cidade, dando nome às ruas e números às casas, havendo em 1864 uma regulamentação urbanística com o cadastro de todas as ruas divididas pelas zonas da cidade, freguesias da Sé, S. Lourenço e Sto. António e o Bazar, assim como das povoações da península, mas fora da muralha da cidade. Na altura, as muralhas começaram a ser desmanteladas para permitir rasgar novas ruas e colocar canos de esgoto.

O Governador Coelho do Amaral convenceu-se ser o sinal de incêndio por meio de tiros na Fortaleza do Monte inconveniente e alarmante e fez adaptar o sistema usado em Portugal, com o sinal por meio de badaladas nos sinos das freguesias; porém, não deu bom resultado, pois os chineses revoltados por não ter a cidade aviso e não se prestar grande atenção ao referido sinal, cortavam as cordas que prendiam os badalos dos sinos, a manifestar o seu desagrado. Os pedidos dos chineses eram constantes para se restabelecer o antigo sinal de incêndio por meio de tiros no Monte. No Boletim Oficial de 23 de Maio de 1870 apresentava-se a solução encontrada para proteger as cordas dos sinos, que passaram a estar fechadas por uma caixa, sendo a chave guardada na Estação de Polícia de cada zona e estipulado o número de badaladas correspondentes a cada uma onde ocorria o incêndio. Assim, se o incêndio fosse na freguesia da Sé, a chave encontrava-se no Quartel de S. Domingos e davam-se 12 toques no sino.

Na zona de S. Lázaro badalava-se por 13 vezes, estando a chave na Estação de S. Lázaro. Para as freguesias de Santo António, tocava-se 14 vezes e 15 na de S. Lourenço, estando a chave na Guarda do Hospital. Já o Bazar, dividido para Norte, entre rua dos Coulaus e Patane, era preciso ir à Estação de Santo António ou à de S. Lázaro para ter a chave e badalava-se 16 vezes, enquanto no Bazar Sul, entre a Rua dos Coulaus e a Ponte da Rede (Estrada Marginal), ia-se à estação mais próxima das acima indicadas e tocava-se por 17 vezes.

O Capitão comandante F. J. de Souza Alvim do Quartel da Polícia de Macau no Bazar, no Boletim do Governo de Macau de 24 de Dezembro de 1866 fez saber pela Repartição dos Incêndios, .

Serviço de incêndios oficializado

O Governador José Maria da Ponte e Horta (1866-1868) tomou posse a 26 de Outubro de 1866 e três meses depois tornava oficial o serviço de Inspector de Incêndios. Era este já antes de 1862 realizado de forma particular por Bernardino de Senna Fernandes e o Governador por Portaria n.º 45, de 27 de Dezembro de 1866 nomeou-o para o lugar de inspector dos incêndios como Major Honorário com a gratificação de 30 mil réis. Aceitou o cargo, mas não a gratificação, segundo o padre Manuel Teixeira, que refere, entre os seus colaboradores, cita [num relatório de 19/2/1868] Fermino Machado, e o tenente Frederico G. Freire Corte Real, ajudante do Corpo da Polícia, têm acudido a todos os incêndios e além deles, os voluntários António Romero e Manuel Martins do Rego, tendo este último corrido grave risco de vida pelo abatimento dum muro que teve lugar durante o sinistro.

Ainda no Boletim do Governo de 31 de Dezembro de 1866, por Portaria N.º 46 o Governador determina, que o mesmo Sr. inspector dos fogos compenetrando-se bem da valiosa significação e séria importância do seu lugar, haja de me propor todas quantas medidas julgar necessárias e oportunas, assim como o for entendendo e experimentando no desempenho sucessivo da sua importante comissão.

O Major Honorário Bernardino de Senna Fernandes, por motivos de saúde pediu a sua exoneração de inspector dos fogos a 11 de Março de 1872, aceite no dia seguinte pelo Governador António Sérgio de Sousa (1868-1872), que exarou a Portaria n.º 11, onde refere ter ficado muito satisfeito pelo modo desinteressado como exerceu semelhante lugar por espaço de cinco anos. Na mesma data, o Governador nomeou interinamente inspector dos fogos o capitão Frederico Guilherme Freire Corte Real, sem vencimento enquanto exercer as funções de capitão fiscal do Corpo de Polícia.

Assim, a fundação oficial da Repartição do serviço de incêndios e a nomeação oficial do seu primeiro inspector data de 27 de Dezembro de 1866.

5 Jul 2021