Armazém do Boi | Workshop e exposição para reflectir Macau

Gil Mac regressa a Macau para um woprkshop no Armazém do Boi em que os participantes são convidados a trabalhar em logótipos que representem a cidade. O espaço é de criação e reflexão para que, no final, resulte uma exposição em caixas de cartão que comuniquem o território

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma semana para a criação de logótipos em caixas de cartão capazes de reflectir a cidade, é a proposta do workshop Macau™ que vai ter lugar no Armazém do Boi. Gil Mac é o responsável pelo evento.

A participação do artista marca a presença portuguesa na programação de 2017 do Armazém e resultou do open call “Seed in Spring” promovido pela entidade local.

A cidade não é nova para Gil Mac e a ideia, neste regresso, é pensar Macau e o branding do lugar.  “A primeira vez que estive em Macau foi em 2007 com a Teatro do Frio para apresentar um espectáculo a solo no festival Fringe e apaixonei-me pela cidade. Voltei em 2014 com o colectivo (DEMO) para o mesmo festival com o projecto ‘UWAGA!’. Estivemos no Armazém do Boi várias semanas com uma oficina de arte urbana e tipografia”, recorda.

Foi aí que conheceu e se surpreendeu com a criação artística “made in Macau”. “Conheci uma nova geração de artistas muito criativa, com espírito crítico e “politicamente” envolvidos. Fizemos várias intervenções no espaço público e o resultado foi muito interessante”, aponta Gil Mac.

O evento, que vai ter lugar entre 12 e 19 de Março, tem como mote “a riqueza histórica e multicultural do território e a sua contemporaneidade identitária tendo em conta as particularidades”.

Para Gil Mac, o território é detentor de características que se concretizam nos fluxos de turismo e de consumo, na globalização e na mudança dos espaços públicos e privados, e estes serão alguns dos temas em análise.O Macau™ aparece ainda na sequência do trabalho  que, o também designer gráfico, tem vindo a desenvolver dentro do projecto pessoal “whatever ™”.

Comunicar a urbe

As premissas que fundamentam o evento são as necessidades da cidade e as suas representações. No entanto, não se trata de um resultado de intervenção em espaço público mas sim expositivo e com uma linguagem associada à publicidade através do uso do branding, com os olhos postos na síntese que é o logótipo.

A ideia passa ainda por “fazer a desconstrução da comunicação das marcas que se encontram na cidade e a forma como se comunicam.”

O objectivo inicial seria a realização de um workshop durante uma semana, mas na ausência de espaço disponível o programa foi reorientado. O evento será feito em vários momentos. Numa primeira fase, é realizado um briefing, a 12 de Março, com os participantes e onde são dadas as premissas. Segue-se uma semana de trabalho. “Este tempo é um momento em que as pessoas vão olhar para a cidade, reflectir no que ela diz e trabalhar em esboços, fotografias e ideias, para que no fim-de-semana seguinte, num terceiro momento, se faça uma síntese dos logos que foram criados no período anterior e seja criado um objecto gráfico a preto e branco”.

A materialização é feita em caixas de cartão porque, afirma, “são objectos que normalmente têm em si informação acerca dos produtos que transportam e, muitas vezes, esta informação é também um logótipo”.

Para Gil Mac, “o mais importante é a experiência” sendo que a discussão dos diferentes pontos de vista e opiniões sobre a cidade culminarão em trabalhos “mais ricos”.

“No cerne do evento está a reflexão do que é que é Macau neste momento”, afirma. Os participantes vão procurar, de uma forma criativa, comunicar com a cidade, e, ao olhá-la com outros olhos, encontrar nela características que possam ser representadas graficamente. “[Os participantes] serão encorajados a ver a cidade de outra forma nas suas múltiplas facetas: na arquitectura, nos símbolos e dinâmicas”.

O curto período de tempo do workshop também representa um desafio, considera, na medida em que  permite desenvolver capacidades de trabalho sob pressão.

Gil Mac é um artista multifacetado. Conimbricense, nasceu em 1975. Estudou artes gráficas, fotografia e multimédia e teve formação adicional em tipografia. Paralelamente, desenvolve projectos associados ao teatro e à música experimental. Admirador de Camilo Pessanha tem vindo a desenvolver o projecto “Inscrição” que deu o mote, no ano passado, à performance  ORACULO”, no Festival Rota das Letras. Camilo Pessanha regressa à edição deste ano, desta feita com a performance Hydra & Orpheu e o projecto DEMO. A ideia é mostrar a influência do poeta local na geração de escritores modernistas portugueses em que se inclui Fernando Pessoa. 

27 Fev 2017

Gil Mac, músico, designer e performer, apresenta “Oráculo”

Está em Macau para o Rota das Letras e traz consigo um projecto inovador e único, que o vai levar numa viagem irrepetível e muito pessoal. Gil Mac apresenta “Oráculo” de sexta-feira a domingo no antigo tribunal, mas não sem antes revelar o seu lado de músico, artista e investigador da vida de Camilo Pessanha – uma “obsessão” que nasceu aqui

[dropcap]D[/dropcap]esigner, músico, encenador, performer… Por onde é que começamos exactamente, qual o pontapé de saída de Gil Mac no mundo das Artes?
Sempre no mundo da música e como designer gráfico. Desde pequeno que comecei com bandas e, depois, fui estudar Design Gráfico. Mas mantive sempre essa relação entre música e design. Fui fazendo isso tudo até que entrei no CITAC [Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra] há uns dez anos e intensifiquei muito a performance e é nisso que tenho trabalhado, na área de teatro. Sou um artista que trabalha nessas três áreas e vou mudando e faço-o em projectos individuais ou para a minha associação, para a qual trabalho muito, a DEMO. E para outras companhias.

A sua orientação, especialmente ao nível do projecto musical Lucifer’s Ensemble, é um pouco ligada ao oculto, ao misticismo. Porquê esse interesse?
Sim, sim. Não sei, nasceu ao mesmo tempo que estava no CITAC e estávamos a fazer um espectáculo chamado ‘Divodignos’, que era uma sociedade secreta em Coimbra e, essa investigação, fez com que tentássemos perceber os mistérios – porque aquilo passava-se no princípio do Séc. XIX – e, a partir daí comecei a desenvolver mais conhecimento e a estar ligado com o oculto, com esta curiosidade.

Isso atrai o público?
Acho que há muita gente ligada [ao oculto] e que tem essa curiosidade, outros têm algum receio. Como, para mim, esse esoterismo não é algo astérico, mas sim vontade do conhecimento. De certa forma, a procura do desconhecido, de alguma coisa que não é palpável. Esse mergulho é interessante, especialmente numa fase criativa. Mas, adicionalmente é a procura do conhecimento e, de alguma forma, o estar vivo e partilhar momentos com pessoas. Mas, por outro lado, as pessoas têm algum receio dessa experiência, da relação com algo não palpável, relacionam com o burlão, com o folclore de magia negra, algo que cria um afastamento. Mas não tenho tido muito esse problema. Acho que o público vem, de alguma forma, preparado.

Aqui vai apresentar o “Oráculo”, uma “performance interactiva”, com Tarot e com Camilo Pessanha. O que é o “Oráculo”?
Primeiro, é uma espécie de obsessão que nasceu quando vim a Macau para um projecto chamado CODE, que ia fazer em Hong Kong e a Babel (organização) propôs que fizesse cá. Há muito pouco tempo que percebi que tinha, realmente, esta ligação ao oculto. Mas começou por uma obsessão com Camilo Pessanha, quando voltei a Macau em 2014. Comecei a investigar e vi Camilo Pessanha ligado a Macau. Na Fundação Oriente fiz um curso de Xilogravura da China e, em Lisboa, fiquei nos ‘calabouços’ a estudar Pessanha e a China. Como sou designer gráfico, e estou muito mais ligado à imagem, fiz uma compilação da minha investigação em postais para apresentar numa primeira actividade onde ia fazer num projecto chamado INSCRIÇÃO, que foi no Porto, sobre o universo de Camilo Pessanha. Nos postais mostrava a vida [do poeta]. A viagem era interessante, ainda que longa, mas ao fazê-lo percebi que poderia criar um conteúdo aleatório – duas ou três imagens poderiam relacionar-se com as várias histórias dentro desta história. Comecei a fazer investigação sobre o Tarot e converti os grandes arcanos [22 cartas maiores no Tarot], são os grandes arquétipos, como se fossem os trunfos, que contam a história do Louco. Basicamente é a história dele, que tem o seu próprio caminho. Isto é como se fosse a viagem de Pessanha, que, em representação aqui será o Louco, o primeiro. Depois temos o universo dele, ligado a cada uma dessas cartas.

Nessa viagem vamos ter Fernando Pessoa, Orpheu…
Vamos passar pelos Poetas Malditos, a geração de Orpheu, Baudelaire, que será o Mago…

Esta sessão será para uma a duas pessoas. Porquê?
Sim, porque tem a ver com a relação do Tarot e de proximidade. Essas duas pessoas terão de ser próximas, íntimas e ter, de alguma forma, alguma relação porque o Tarot é eficaz quando se responde a uma pergunta – uma vontade, uma inquietação, um desejo. Depois passaremos para a fase de o que Camilo Pessanha teria para dizer à pessoa (risos). image

Nos diversos projectos de que faz parte, como o DEMO, há uma interligação de diversas artes – desde a encenação à música, ao grafismo. No meio artístico é necessário existir essa interligação?
A multidisciplinaridade, para nós, é um ‘statement’. No DEMO, as siglas são “Dispositivo”, “Experimental”, “Multidisciplinar” e “Orgânico”. Por causa disso mesmo, uma tentativa de direcção artística onde se criam objectos artísticos e onde o grupo é multidisciplinar, de várias áreas.

No Lucifer’s Ensemble vocês têm também esse cruzamento, os vossos concertos são também uma performance.
Lucifer’s Ensemble é também uma tentativa de multidisciplinaridade. Criar não uma peça de teatro musical, mas sim fazer um concerto performático. Já tínhamos trabalho partindo da influência da música com o projecto PRESENÇA. Com este, o formato é mais aproximado de um concerto, mas com grande performatividade.

É mais fácil que as pessoas entendam o que se está a passar em palco com essa performance além da música?
Lucifer’s Ensemble trabalha numa tentativa de transcendência, em nada há interactividade. O público é voyeurista. Há uma divisão completa entre um espaço e outro, as pessoas estão a ver uma cerimónia, estão em comunhão nessa cerimónia, mas há, de alguma forma, uma separação porque estamos a tentar trabalhar sobre essa relação de transcendência. Há esse ritual iniciático que desenvolvemos a partir de uma nova interpretação, uma nova forma de trabalhar essa performatividade a partir do ritual. E depois tens os vários momentos, as várias músicas, onde se podem ir vendo as transformações. Mas há sempre o cuidado de adaptação ao espaço onde vamos fazer o concerto e aos ambientes. Tem sido um trabalho muito interessante. Não ensaiamos como uma banda normal, criamos em blocos de residência, que vão fazer com que haja composição e se trabalhe nesse espaço [do concerto], onde temos sempre um artista convidado. Trabalhamos sempre com um artista [novo] para nova música e trabalhamos no espaço para [nos adaptarmos a ele]. E vamos iniciar agora o primeiro Clube do Oculto, que é uma tentativa de arranjar projectos convidados para essa cerimónia, para esse espectáculo, onde ocupamos sempre um espaço diferente. Não tem regularidade nenhuma, é espontâneo.

Um dos pontos que defende é ter a arte como intervenção urbana. De que forma?
Venho da música e essa será sempre uma alternativa e a [minha] arte também está muito ligada à ‘street art’. Logo no princípio da DEMO, num projecto que fizemos em Varsóvia e se chamava Russian Roulette, tínhamos essa intervenção – um telemóvel com uma aplicação que tinha um ‘revólver’ e uma única ‘bala’ e se jogava com uma webcam em directo na net. Durante seis semanas havia seis performances diferentes e, ao sexto dia, tínhamos uma performance ligada a temas da sociedade e ao tema de ‘um estranho num lugar estranho’ – houve um dos dias que um colega nossa [o artista] recebeu ‘a bala’ e o tema seria os média. A pergunta que tínhamos de responder era como é que um cidadão tem voz no espaço público, como consegue atingir os média. Fizemos isto cá no Fringe, em 2014, onde andávamos na rua a perguntar às pessoas o que tinham para dizer sobre [diversos temas], em espaço público. Mas também trabalhamos muito numa relação de propaganda, que tem a ver com posters de grande dimensão. É conseguir fazer algo que está na franja da ilegalidade e da ‘street art’, onde, de alguma forma, não estamos a ferir o património, mas comunicamos no espaço público.

Estiveram no Fringe cá em 2014. Sentiram participação do público nesse projecto? O público chinês é tido como um público tímido, que não expressa o que sente sobre o que vê. Sentiram isso?
Sim, são públicos difíceis de atingir. É difícil de explicar, acho que há essa inibição no princípio, e claro que há a questão da língua que deixa as pessoas mais nervosas, mas depois há esta tentativa de as pessoas continuarem a falar e cria-se mais proximidade e há, parece-me, vontade de que se exprimam. Não consigo responder a essa pergunta porque é quase uma relação sociológica e com as artes e a própria cidade.

Não consegue avaliar o ambiente cultural de Macau?
[Comparado] com onde venho, com a Europa, parece-me escasso. Mas não sei, acho que Macau é fascinante pela fusão de culturas e eu teria, pela minha natureza, tentado forçar mais os limites e a relação dessa mescla. Por acaso, no projecto que fizemos [no Fringe] foi muito fixe, porque fizemos workshops no Armazém do Boi e encontrámos uma população jovem chinesa politicamente envolvida e isso deu-me uma esperança muito grande. Ao mesmo tempo estava a acontecer o Occupy [em Hong Kong] e isso era muito próximo ao trabalho que estávamos a fazer cá, da relação com o espaço público. Mas é difícil responder a essa pergunta, é uma realidade diferente e complexa. Mas fascinante.

Há mais projectos na calha aqui para Macau? Dizia que gostava de trazer cá o Lucifer’s Ensemble.
Com certeza, queremos que o Lucifer’s Ensemble vá a todo o lado. Agora, neste momento estou envolvido com o projecto INSCRIÇÃO, com esta obsessão de Camilo Pessanha, que fez com que ele chegasse ao Orpheu. Trabalhamos muito já sobre o Futurismo e vamos continuar, até chegamos ao Portugal Futurista e criámos um espectáculo chamado Hidra e Orpheu, que era o que era para vir cá. Mas não tivemos apoios, não conseguimos as viagens e o Festival [Rota das Letras] também não conseguia suportar as viagens desse grupo [Hidra]. Mas estamos com muita vontade, e o Festival também, de o trazer para o ano. É muito interessante, seriam dois grupos sempre em movimento, com várias performances, aqui [no tribunal] ou na rua. Vamos conversar para planear. Em relação ao Lucifer’s, gostaria muito, mas como está ligado mais à arte sonora e à tecnologia estou a pensar propor ao This is my City. Gosto muito do Armazém do Boi também, acho incrível. Vontade de estar aqui tenho.

Camilo Pessanha é, como já disse, uma obsessão. Já visitou a campa aqui? E sente essa presença de Pessanha em Macau?
Já visitei e, simbolicamente, desta vez, viajei para cá no dia da morte dele (risos). Quando me perguntam o que procuro em Camilo Pessanha costumo responder, de forma intuitiva, o fantasma. Sinto-o, por vezes, nas ruas escuras da parte velha chinesa, que é o local que me agrada mais em Macau. É difícil porque quando estudamos [a vida dele] começamos a imaginar uma época e é muito difícil abstrairmo-nos do Macau onde vivemos agora. Conseguimos ter alguns enquadramentos onde imaginamos a vivência dele, mas é uma relação com a história, uma imagem a preto e branco (risos). Há algum saudosismo que não é de um Macau como este de agora.

11 Mar 2016