Descansa em paz

Foi finalmente feita justiça à memória de George Floyd, o negro do Minnesota, morto pela polícia. O agente Derek Chauvin foi considerado culpado das três acusações que sobre ele pendiam. A sentença só será conhecida em Junho, mas acredita-se que será condenado a pelo menos dez anos de prisão.

No passado dia 20, o júri pronunciou o seu veredicto. Derek Chauvin pressionou o joelho contra o pescoço George Floyd durante 9 minutos e 29 segundos. Floyd repetiu por várias vezes que não conseguia respirar. O agente ignorou-o e, como é sabido, acabou por morrer. O caso desencadeou manifestações de protesto a nível global. As pessoas protestaram contra o uso de violência excessiva e contra a discriminação racial nos Estados Unidos.

Nas alegações finais, a defesa declarou que a acusação não tinha conseguido provar de forma irrefutável que este tinha sido um caso de homicídio, e sublinhou que Derek Chauvin agiu de acordo com a lei. Em resposta, a acusação alegou que o réu deveria ter usado de bom senso e agido de acordo com a situação que se lhe apresentava. A vítima não constituia uma ameaça e não tentou fugir. Chauvin não tinha qualquer necessidade de usar de excesso de força. Como o incidente ocorreu há mais de um ano e foi amplamente divulgado pela comunicação social, o juiz recomendou ao júri que no momento da decisão, não deveriam ser tomados em linha de conta factores sociais, nem qualquer tipo ideias pré-concebidas, mas apenas os factos relatados em tribunal. Os factos e as provas são a base de todos os julgamentos.

Enquanto todos os funcionários do Tribunal aguardavam calmamente a decisão do júri, o Presidente Joe Biden quebrou o silêncio e declarou publicamente que as provas apresentadas são sólidas e que espera que os jurados tomem a decisão certa. Estas afirmações como Chefe Supremo dos Estados Unidos, são preocupantes se tivermos em conta a sentença que vai ser anunciada. Se o agente receber uma pena pesada, possivelmente não haverá manifestações de desagrado; mas se receber uma pena leve serão esperadas com toda a certeza manifestações em massa. Para evitar desacatos, Biden convocou a família de G. Floyd dizendo-lhes que, fosse qual fosse a sentença, esperava que conseguissem manter a paz.

Biden também disse à família que iria rezar por eles e que partilhava da sua angústia e ansiedade. O Presidente disse à filha de seis anos de George Floyd:

“O teu pai mudou o mundo.”

Dez horas após o júri se ter retirado da sala de audiências, ficou a saber que Chauvin tinha sido condenado pela acusação de homícidio invonluntário de segundo grau, pela acusação de homícídio voluntário de segundo grau e pela acusação de homicídio voluntário de terceiro grau. O juiz Peter Cahill declarou que o réu vai ouvir a sentença dentro de oito semanas. Como a pena máxima para homicídio voluntário de segundo grau é de 40 anos, para homicídio involuntário de segundo grau é de 10 anos e para homicídio voluntário de terceiro grau é de 25 anos, mesmo que o tribunal decida por uma sentença não acumulativa, no minímo Derek será condenado a 10 anos de prisão.

Logo após o júri ter pronunciado o veredicto, Ben Crump, o advogado de acusação, fez um comunicado onde sublinhou que a família de G. Floyd tinha conhecido simultaneamente a dor e a justiça ao longo de um julgamento dramático. Declarou ainda que a decisão do Tribunal não vai afectar apenas o Minnesota, mas também os Estados Unidos e o mundo inteiro. Este processo têm tido um tremendo impacto. Multidões reuniram-se num acto de homenagem à memória de George Floyd, junto ao Tribunal e no local onde foi assassinado, gritando as palavras de ordem “Black lives matter”.

Posteriormente, Biden fez também um comunicado na sequência do veredicto do júri. Afirmou que a decisão é um passo no caminho certo. Estamos perante um homicídio à luz do dia. Já existiram muitos casos semelhantes nos Estados Unidos. Este julgamento permitiu que o país avançasse no campo da justiça e espera-se que traga grandes mudanças. Biden acredita que este veredicto encerra uma mensagem sobre a necessidade de reformas na actuação das forças de autoridade.

Neste caso estão indiciados mais três agentes, por conivência no crime de homicídio. Vão começar a ser julgados em Agosto. Como está documentado em vídeo que não intervieram para impedir a actuação criminosa de Chauvin, a possibilidade de virem também a ser condenados é alta.

A morte de George Floyd ocorreu claramente por uso excessivo de força por parte de Chauvin. Foi causado pelo racismo, desigualdade e discriminação que grassam nos Estados Unidos. Se este incidente vai marcar o início de uma nova era ainda é uma questão em aberto. Para além de Chauvin, estão indiciados mais três agentes. Uma das formas de prevenir comportamentos irregulares por parte dos agentes é o trabalho de equipa. Mas, neste caso, todos os elementos da equipa tiveram a mesma attitude, donde se depreende que estes comportamentos são encarados como “normais” pela polícia. Em vez de afirmar que este caso vai marcar o início de reformas nas forças da ordem, é melhor perguntarmos que medidas eficazes vão ser tomadas pelo Governo dos Estados Unidos para mudar a cultura subjacente à actuação da polícia. Se esta cultura não mudar, mais mortes como a de George vão continuar a acontecer todos os dias.

Depois da condenação de Chauvin, esperamos que a família vá gradualmente sarando a sua ferida e que o seu espírito de George descanse em paz.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

27 Abr 2021

I have a dream II

[dropcap]G[/dropcap]eorge Floyd, o afro-americano detido por suspeita de posse de uma nota falsa de 20 dólares e imobilizado pela pressão do joelho de um polícia sobre o pescoço, acabou por morrer. Na sequência deste incidente têm-se multiplicado as manifestações de protesto, não só nos Estados Unidos, como também no Reino Unido, em França, na Alemanha, Espanha, entre muitos outros países. A vaga de manifestações atravessou toda a Europa e a questão da discriminação racial foi mais uma vez levantada.

Ninguém imaginaria que este caso viesse a ter este impacto em tantos países europeus. Para já, é urgente que os Estados Unidos travem as manifestações de violência, resolvam o problema da discriminação racial e dêem resposta às exigências dos que em toda a parte se manifestam contra este acto de brutalidade. A discriminação racial vai ser um tema incontornável durante a campanha destas eleições presidênciais. Muitos cidadãos americanos interrogam-se sobre que medidas tomar para evitar a repetição desta situação e muitos outros sobre o que fazer para evitar serem a próxima vítima.

Para os Estados Unidos, este incidente representa um problema político e económico. Os protestos violentos forçaram as lojas a fechar as portas, agravando a situação, já de si precária, devido à pandemia. Após a recente cimeira, o Conselho da Reserva Federal anunciou que a taxa de juros bancários é de 0% – 0.25%; isto quer dizer que as poupanças dos americanos não estão a render quase nada e que, por outro, lado o Governo está a encorajar o consumo. Se as manifestações de violência continuarem, o comércio pode vir a fechar; o prazo da recuperação económica voltará a ser adiado e todos os americanos sofrerão as consequências.

Para os políticos é sempre uma dor de cabeça lidar com a violência nas ruas. O Presidente Trump afirmou que poderia enviar as tropas para acabar com os protestos. Na realidade, Trump citou a “Rebellion Law” promulgada em 1807; este conjunto de leis autoriza o Presidente a mobilizar o exército para pôr fim à rebelião, à violência, às reuniões ilegais, etc. Mas o Secretário da Defesa deixou bem claro que “essa seria a última opção.” Mark Esper acredita que o exército só pode ser chamado para resolver problemas internos em situações de extrema gravidade.

Claro que a mobilização do exército iria pôr fim aos distúrbios violentos. No entanto, esta violência foi desencadeada pela morte de George Floyd e também foi motivada por uma perda de confiança no Governo. No discurso que proferiu após a morte de Floyd, o antigo Presidente dos EUA, Barack Obama, identificou claramente as razões dos manifestantes:

“O povo americano sente-se frustrado com a falência das reformas do sistema judicial e dos procedimentos das forças de autoridade, ao longo das últimas décadas. Só podemos expressar o nosso descontentamento através de manifestações e de protestos contra a persistente discriminação racial.”
Obama elogiou as pessoas que se têm manifestado pacificamente, as únicas que podem ser agentes de mudança.

As doenças cardíacas requerem medicamentos para o coração. Se o ressentimento não for eliminado e a confiança no Governo não for restaurada, o problema de fundo fica por resolver.

A forma mais eficaz de resolver este problema é promover a união de todos os americanos e estabelecer como meta o fim da discriminação. O antigo Presidente George W. Bush, afirmou que a supremacia branca dividiu os Estados Unidos e continua a ser uma ameaça. Só unindo todos os americanos, das mais variadas origens, podem os Estados Unidos vir a ser um país onde impera a justiça e onde existem oportunidades para todos.

Para qualquer um dos candidatos presidenciais a eliminação da discriminação é uma questão central. Este incidente pôs a questão na ordem do dia e vai ser um assunto chave para os eleitores. Sobre esta matéria, embora Bush não tenha apontado a solução para o problema, o plano anti-discriminação que irá receber o apoio dos eleitores tem de ser elaborado pelas equipas de Trump e de Biden.

A discriminação só pode ser eliminada através da lei e da educação. A lei é usada para punir aqueles que praticam actos discriminatórios e a educação torna as pessoas conscientes e previne este problema futuramente. Neste contexto, é fundamental que o Governo promova alteração na legislação, reforce o controlo de actos discriminatórios e impeça que actos semelhantes voltem a acontecer. Nancy Pelosi, membro do Partido Democrata, propôs uma emenda à lei, da qual se destaca o seguinte:

a. Proibir a polícia de recorrer à imobilização através da chamada “gravata” e a abordagem por critério racial
b. Abolir a figura legal conhecida como imunidade qualificada para a polícia, que a protege de acções civis.
c. Estabelecer um registo federal para receber todas as queixas sobre más condutas policiais
d. Exigir que os agentes de todo o país usem câmaras durante as operações policiais
e. Considerar linchamento os crimes de ódio.

A proibição da “gravata” pode impedir incidentes semelhantes no futuro. Abolir a imunidade qualificada para a polícia que a protege de ações civis tornará os agentes directamente responsáveis pela suas acções perante a lei, e obrigando-os a indemnizar a parte ofendida. Estabelecer um registo federal para receber todas as queixas sobre más condutas policiais pode aumentar a confiança do público num organismo supervisor. Exigir que os agentes de todo o país usem câmaras durante as operações policiais será uma forma de provar se a polícia abusou ou não da força. Considerar linchamento os crimes de ódio agrava a punição e reduzirá as acções decorrentes de ódio racial.

Se estas medidas virão a ser eficazes só o tempo o dirá, mas a posição de Nancy Pelosi merece respeito. Na conferência de imprensa a democrata salientou:
“Este incidente trouxe grande dor aos americanos, que se transformou num grande movimento de protesto a bem da justiça.”

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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16 Jun 2020