José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA Cidade Proibida de Tai Hao Ling Estamos a um quilómetro e meio a Norte de Huaiyang no Templo Mausoléu de Taihao (太昊陵, Taihao ling) e após percorrer a sua Cidade Exterior e a Interior, falta-nos agora visitar a Cidade Proibida, onde está sepultado Fu Xi. Para aí chegar atravessamos a passagem em arco feita na alta base em pedra da Entrada Tai Shi, conhecida anteriormente por Pavilhão Zhuanxiang, o edifício mais alto do complexo, com dois andares em madeira na parte superior. Construído durante a Dinastia Ming, é o mais degradado de todos os existentes no recinto e encontra-se fechado, apesar de ao longo da sua existência contar já com três extensas reparações. Tai Shi (太始) significa o estado primordial da matéria durante a sua formação, isto é, o início de todas as coisas existentes na Terra. A quantidade de pessoas por todo o recinto é muito grande, mas no amplo espaço em frente ao monte da sepultura de Fu Xi a multidão é imensa. Logo após entrar na Cidade Proibida, a mesa de pedra xiantian bagua (先天 八卦), com os oito trigramas esculpidos, devido à sua pouca altura é utilizada por muita gente para fazer a dobragem dos papéis votivos, ou desembrulhar os enormes pivetes (paus de incenso com metro e meio de comprimento) para poderem ser acesos. Passamos ainda algum tempo a olhar para os inúmeros devotos a prepararem um sem número desses dourados papéis, criando-lhes a forma de losangos e a colocá-los ordenadamente numa folha grossa a fazer de prato, ou a tirar dos sacos os lingotes anteriormente comprados na feira. Depois levam tudo para um enorme tanque feito em tijolo, situado em frente ao monte da sepultura de Fu Xi, onde arde uma imensa fogueira alimentada com grande quantidade de incenso e papéis em forma de lingotes de ouro. O calor produzido é imenso e o fumo provocado pelo papel queimado e pivetes tornam o ar irrespirável, deixando-nos cobertos de cinzas e os olhos a lacrimejar. Os bombeiros, contando com a ajuda de um carro-tanque, observam de perto o evoluir das chamas e ali passam todo o mês das celebrações. ESTELA DA DINASTIA SONG Um baixo muro envolve o monte da sepultura de Fu Xi, onde se encontra um bei (estela) da Dinastia Song, o único registo existente do antigo templo que restou após a governação mongol. Segundo a versão da história a ele associado conta ter sido escrito por Su Xiao Mei, irmã mais nova de Su Shi (1037-1101), oficial civil, poeta, escritor, calígrafo, pintor, músico e cozinheiro, mais conhecido por o nome literário Su Dongpo, e considerado um dos Oito Grandes Mestres da Prosa da Dinastia Tang e Song, em conjunto com o irmão e o pai, Su Xun (1009-1066). O convite fora feito pelo governo local que enviou a Su Dongpo os caracteres para este escrever com a sua caligrafia 太昊伏羲氏之陵 (Tai Hao Fu Xi Shi Zhi Ling, a significar: este é o Mausoléu de Tai Hao Fu Xi). Como ele tinha ido viajar, a sua irmã mais nova ao receber a missiva e entrando no quarto onde Su Dongpo costumava trabalhar, encontrou o papel e a tinta já preparada. Sendo Su Xiao Mei também uma excelente calígrafa pegou no seu lenço de seda (绫, Ling) e dobrando-o para dar estabilidade ao pincel, escreveu 太昊伏羲氏之莫 (Tai Hao Fu Xi Shi Zhi Mo). Quando Su Dongpo chegou e viu o trabalho da irmã gostou muito, mas reparou ter ela trocado o último carácter e em vez de escrever Ling (陵), aí colocou Mo (莫). Na China, Ling (陵) é usado para referir um mausoléu a conter uma série de edifícios, enquanto Mu (墓) se utiliza para os túmulos das pessoas vulgares. Questionando a irmã da razão de ter escrito Mo (莫) em vez de Mu (墓), disse-lhe então Xiao Mei, se a estela já estava na terra não precisava de Tu (土) a especificar. Assim ficou a estela com a caligrafia de Su Xiao Mei. História não credível pois os pais de Su Shi, a Senhora Cheng casada com Su Xun, tiveram três filhos e outras tantas filhas. No entanto, a filha mais velha, a segunda filha e o filho mais velho, morreram ainda com tenra idade. Assim, restava a Su Shi, um irmão mais novo, Su Zhe e uma irmã, Su Ba Liang, que nascera um ano antes dele e quando esta tinha 18 anos casou-se com o filho do irmão da mãe, mas morreu um ano depois. Assim, o nome da então única irmã de Su Shi era Su Ba Liang, um ano mais velha que ele e não Su Xiao Mei, percebendo-se ser esta uma personagem ficcionada pela história. Já Su Zhe (1039-1112), o irmão mais novo também oficial civil, quando Su Shi foi colocado na prisão em 1079 por o Imperador Shen Zong (1067-1085), devido a discordar das reformas do primeiro-ministro Wang Anshi (1021-1086), foi viveu para Chenzhou (Huaiyang) onde no meio do lago Liu Hu construiu uma casa e se dedicou à leitura, tendo Su Shi passado setenta dias nessa cidade. Olhando para a estela em frente ao monte, ela já não apresenta os caracteres pois foram apagados pelo tempo. JARDIM DE AQUILEIA Por detrás do monte com o túmulo de Fu Xi havia em 2006 (já lá não estão em 2010) dois nichos; a Leste encontrava-se a imagem de Nu Wa e a Oeste, a de Fu Xi. Em frente a cada um, uma banca vendia cadeados com a imagem do Tai ji e onde depois eram gravados os nomes de quem pagava 15 yuans para os adquirir. Por vezes eram usados dois cadeados presos um ao outro, numa demonstração de fidelidade entre o casal, sendo colocados ao longo das duas filas de grossas argolas em forma de U a parecer unir os dois nichos, sendo já milhares os loquetes (cadeados) existentes em torno do Jardim de Aquileia (蓍竹园). Assim se manifestavam muitos crentes a querer perpetuar para a posteridade a união marido e mulher, ou as amizades entre pessoas. Passado o deslumbramento de tão imaginativo negócio, continuamos a circundar o monte e um cipreste chama a atenção. Parece querer também marcar a união entre masculino e feminino já que, em 1976 uma árvore da família Wingceltis sapling nasceu no interior do cipreste plantado durante a Dinastia Song. Na visita seguinte, passado alguns anos, os cadeados desapareceram e ali apenas está o Jardim de Aquileia envolvido por um baixo muro, onde dois guardas não permitem a entrada. Os fios de aquileia serviram para Fu Xi representar o bagua em Wanqiu (Huaiyang). Os trigramas surgiram por combinações de três linhas (yao), yin e yang. Se em tempos ainda mais remotos o oráculo era feito com respostas apenas de sim (uma linha inteira, yang yao) ou de não (uma linha quebrada, yin yao), Fu Xi percebendo a necessidade de uma maior definição e para sair dessa dualidade e diferenciar as linhas combinadas que apresentavam quatro combinações, juntou uma terceira linha criando assim os oito trigramas, a maior das suas contribuições, que representam os oito estados da Natureza, constituídos pelas oito possíveis combinações de três linhas (inteiras yang e quebradas yin). Como na China somente neste lugar existia a erva aquileia (conhecida em Portugal por erva pombinha – aquilegia vulgaris), quando os imperadores enviavam oficiais a representá-los para venerar o Ancestral Antepassado, eles deveriam colhê-la como prova de aí terem estado.