Fernando Costa Freire, sucursal europeia da agência de rating Dagong: “Queremos ser uma agência de referencia”

O vice-presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa juntou-se a dois sócios espanhóis e adquiriu a sucursal europeia da agência de rating chinesa Dagong, que passa a ter escritórios em Lisboa e Madrid. Em entrevista, Fernando Costa Freire fala do sul e leste da Europa como mercados chave para a Dagong e elogia os resultados obtidos com a última visita de Marcelo Rebelo de Sousa à China

 

Adquiriu, em parceria com dois sócios, a sucursal europeia da Dagong. Porquê esta aposta?

[dropcap]E[/dropcap]m primeiro lugar, consideramos que a presença da China na economia mundial não é de todo algo passageiro, é um factor cada vez mais importante no funcionamento da economia global. Portanto, ter mais meios para aprofundar esta relação com a China pareceu-nos uma boa oportunidade muito interessante e que não poderíamos deixar escapar. Pessoalmente, tenho uma longa relação com a China.

Viveu em Macau.

Vivi em Macau entre os 14 e 18 anos e os meus pais viveram 11 anos. Voltei muitas vezes a Macau, tive a oportunidade de conhecer a China ainda em 1980, a China maoísta que tinha mudado muito pouco, ou quase nada, desde os anos 50. Sou daquelas pessoas que tem uma enorme admiração por tudo aquilo que o povo chinês conseguiu realizar nos últimos 30 anos. Daí ter a convicção de que essas enormes conquistas económicas e sociais que a China conseguiu fazer se vão prolongar no futuro. Tenho há muitos anos um grande interesse em participar em tudo o que tem a ver com a China.

Tem inclusivamente uma consultora, além de ser vice-presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, e sempre esteve ligado aos negócios com a China.

Sim. Há, pelo menos, 15 anos que tenho essa relação mais permanente. Antes, noutras funções que desempenhei, acompanhei essa parte mais política da relação com a China. Hoje em dia, faço-o mais numa perspectiva económica.

Disse que há em Portugal “condições estratégicas especiais” para a mudança da sede da Dagong de Milão para Lisboa. Que condições são essas?

Portugal foi o primeiro país europeu a estabelecer relações diplomáticas com a China. Só isso é um acto importante, mas seria apenas histórico sem um enorme seguimento. Macau não era uma colónia, era um território chinês sob administração portuguesa. É sabido como o processo de passagem da administração portuguesa para a chinesa, e todo o processo negocial que envolveu, teve um grande sucesso, além de que foi visto com muitos bons olhos pela parte chinesa. Mais recentemente, em 2005, num processo em que estive indirectamente envolvido, Portugal assinou com a China uma parceria estratégica global. Nessa altura, apenas as quatro grandes potências europeias – o Reino Unido, Alemanha, França e Itália – tinham assinado acordos de parcerias estratégicas globais com a China. E Portugal foi o quinto país e não terá sido por acaso. Tal aconteceu porque a administração chinesa via com especial atenção a relação multisecular que o povo chinês tem com Portugal e a importância que se atribui à língua portuguesa no mundo, aos países de língua portuguesa e à relação de alguma forma privilegiada que Portugal mantém. Estando a China a tornar-se uma potência global, essa relação privilegiada faz com que Lisboa seja uma capital tão ou mais interessante que outra qualquer para construir essas pontes. Mas basta ver também o que aconteceu nos últimos dez anos, com a crise económica, que a China aproveitando aquilo que era uma oportunidade económica apostou seriamente em apoiar e investir em Portugal São verdadeiras parcerias entre investidores chineses e empresas portuguesas, quase todas elas são ainda geridas e tem na gestão maioritariamente quadros portugueses.

A curto prazo quais são os vossos objectivos? Acredita que a Dagong pode chegar ao mesmo patamar que outras agências de rating mundiais?

Não, não temos essas ilusões. A Standard and Poors, Moodys e Fitch têm entre 80 a 90 por cento do mercado global de agências de rating. Temos outras ambições, como tornarmo-nos numa agência de rating de referência, credível, capaz, que tenha capacidade de ser escutada e ouvida e despertar o interesse de investidores chineses, ganhar a sua confiança. A compra das operações europeias da Dagong implicou também a assinatura de um memorando de entendimento com a Dagong Global, com o apoio do seu novo accionista, a China Reform Holdings, que é um memorando fundo de investimento do Estado chinês. A Dagong Global e a Dagong Europe são agências independentes e julgamos que esta aliança estratégica, em termos globais, e em termos de apresentação e desenvolvimento do nosso negócio, será absolutamente crucial. Num momento em que mais países europeus, do sul e leste da Europa estão a apostar seriamente em fazer parte do grande projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, acreditamos que é junto destas empresas e destes empresários que estão à procura de parcerias estratégicas na China que vamos apostar mais directamente numa primeira fase.

Há datas para a abertura do escritório em Lisboa?

O nosso foco principal nos próximos meses são os países do sul da Europa e do leste, vamos manter o nosso escritório de Milão aberto e abrir um novo em Madrid. Vamos passar a nossa sede para Lisboa, e obviamente que temos de fazer isto em coordenação com a entidade reguladora europeia, e sob a qual nos regemos. O nosso foco principal será desenvolver e aprofundar esta ligação à China, dando aos nossos clientes uma enorme mais-valia pela capacidade que julgamos poder vir a dar. Também procuramos atrair e apresentar os nossos clientes a investidores chineses. O nosso escritório em Madrid estará a funcionar no próximo mês. Em relação a Lisboa há uma série de processos legais e burocráticos, mas até ao final do ano esse processo estará completo.

Não deixa de ser irónico esta mudança da sucursal europeia acontecer numa altura em que a Dagong é a única agência de rating, a nível mundial, que mantém a dívida portuguesa no nível lixo.

Não posso fazer comentários sobre um rating que não foi dado pela nossa agência, mas sim a Dagong Global. A única coisa que lhe posso dizer é que tenho informações de que periodicamente a Dagong Global revê os seus ratings e que está no processo de rever o rating de Portugal também. Qual será o resultado, não lhe sei dizer, mas espero que seja um resultado positivo. E se as outras agências melhoraram o rating de Portugal, a Dagong poderá ir no mesmo caminho.

Marcelo Rebelo de Sousa visitou a China no início do mês. Que balanço faz? A grande novidade é a realização de cimeiras anuais. Foi um passo importante?

É um passo muitíssimo importante e julgo que, a breve trecho, veremos os resultados desta alteração. Lembro que há mais de uma década os chanceleres alemães visitam a China todos os anos. Obviamente, que a Alemanha era até há pouco tempo o principal exportador global e uma grande potência industrial, por isso seria natural. Mas acho que este passo é absolutamente extraordinário, importante. Faço um balanço da visita muito positivo por tudo o que li e conversei com outras pessoas. Julgo que Portugal tem vindo a desenvolver uma relação muito próxima com a China. Obviamente que Portugal tem outras âncoras extraordinariamente importantes, como a União Europeia, CPLP e a relação estratégica que temos na NATO. Não me parece que isso impeça uma extraordinária relação com a China.

O Governo da RAEM anunciou que está a estudar a possibilidade de criar uma bolsa de valores no território. Acredita que há capacidade para competir com o mercado financeiro de Hong Kong?

Não me considero qualificado para responder, porque o meu contacto com Macau tem sido esporádico e seria difícil especular. Mas não tenho dúvidas de que todo o Delta do Rio das Pérolas é uma região extraordinariamente vibrante e dinâmica da China. Está cada vez mais integrada, tem um desenvolvimento económico extraordinário, um dos principais de toda a China. Macau tem liderança em alguns sectores, tais como o lazer, hotelaria, congressos, turismo, jogo, que continua a crescer. Haverá áreas em que Macau se pode especializar com conhecimento próprio e investidores, e diria que é possível que em algumas áreas possa fazer a diferença e marcar presença nos mercados financeiros.

Sendo vice-presidente da CCLC, e depois de tantos acordos assinados, quais as principais dificuldades que persistem para quem quer fazer negócios na China?

São aquelas que já são conhecidas. É um pouco a assimetria de dimensão das empresas portuguesas e chinesas. A assimetria entre os mercados. As nossas empresas, mesmo aquelas que exportam para mercados de menor dimensão, têm dificuldade em encontrar um segmento de mercado que lhes faça sentido. A língua e a distancia são importantes, existem trâmites burocráticos e administrativos que complicam este processo. Estes aspectos têm vindo a melhorar significativamente e a simplificar-se, e isso é positivo. Nos últimos anos nota-se que a China abre as portas a exportadores. Julgo que essa é uma grande oportunidade. Isso mostra que está a desenvolver o seu comércio de uma forma integrada, quer exportar os seus produtos, mas também compreende que há que manter balanças comerciais minimamente equilibradas.

8 Mai 2019