Media | Relatório da FIJ fala de mais insegurança e impunidade no sudeste asiático 

É cada vez mais difícil fazer jornalismo em países como o Cambodja, Tailândia, Filipinas ou Myanmar, entre outros. O mais recente relatório da Federação Internacional de Jornalistas relata um aumento das ameaças sentidas pelos jornalistas e insegurança no trabalho. Os profissionais de media sentem uma enorme impunidade e a culpa é do Governo, das leis e do sistema judicial

 

[dropcap]M[/dropcap]anter vivo e de boa saúde o chamado quarto poder na zona do sudeste asiático parece uma tarefa cada vez mais difícil. O relatório da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), recentemente divulgado, dá conta de uma situação muito negativa em países como o Cambodja, Indonésia, Tailândia, Myanmar, Timor-Leste, Filipinas e Malásia no que diz respeito à segurança na profissão de jornalista e à sua protecção pela via das leis e das instituições.

“As maiores ameaças no sudeste asiático são a prisão ou detenção por parte das autoridades e, em segundo lugar, ataques tendo como alvo os jornalistas”, lê-se no relatório. De frisar que a maior parte dos inquiridos, 41 por cento, disse ter entre 26 e 35 anos, sendo que 57 por cento são jornalistas.

O relatório dá conta que, no Cambodja, as maiores ameaças são a prisão ou detenção por parte das autoridades, enquanto que na Indonésia e no Myanmar são os alvos ao trabalho jornalístico. Na Malásia o sector dos media sofre com baixos salários e más condições de trabalho, tal como em Timor-Leste, enquanto que nas Filipinas ocorrem casos de assédio online, ataques no local de trabalho, reprimendas ou despedimentos e alvos ao trabalho jornalístico. Na Tailândia são comuns os ataques cibernéticos através de plataformas móveis.

O inquérito realizado pela FIJ permitiu concluir que 61 por cento dos jornalistas disse que o seu trabalho lhes trouxe preocupações ao nível da segurança nos últimos 12 meses, enquanto que 25 por cento dos repórteres assumiu ter tido experiências negativas relacionadas com o seu trabalho. Por sua vez, 24 por cento dos jornalistas disse ter sido ameaçado pessoalmente.

Por entre factores económicos e políticos, as empresas e os seus profissionais sofrem por diversos motivos. De todos os entrevistados pela FIJ, 37 por cento afirmou que a situação dos media no seu país não melhorou ou manteve-se inalterada no último ano em termos de impunidade. As razões citadas pela falta de desenvolvimentos nesta área prendem-se com a propriedade dos media, as políticas governamentais e as leis. A título de exemplo, no Cambodja metade dos jornalistas disse que a situação dos profissionais está em franco declínio, com figuras políticas ou políticas governamentais a serem os principais responsáveis pela situação. No geral, mais de 30 por cento dos inquiridos afirmaram que, no sudeste asiático, a situação dos media não melhorou.

Contudo, nem todos os resultados são maus. No caso de Timor-Leste, 37 por cento dos jornalistas disse sentir que a situação dos media melhorou devido às políticas governamentais, à ética jornalística e ao profissionalismo.

A culpa é do Governo

A FIJ traça também o cenário do grau de impunidade que existe nestes países no que diz respeito a casos de ataques ou insegurança. Resultados mostram que nos países do sudeste asiático a impunidade está numa média de 7,2 pontos, de zero a dez, sendo que dez representa o nível extremamente mau. “Um terço dos inquiridos, 33 por cento, disse que os esforços do Governo para providenciar protecção suficiente para os seus jornalistas piorou”, lê-se no documento, enquanto que “os inquiridos no Myanmar e Timor-Leste afirmaram que os esforços feitos pelos seus Governos são aceitáveis”.

O relatório da FIJ dá também conta que “as quatro influências negativas mais predominantes para o clima de impunidade no sudeste asiático estão relacionadas com a liderança política, Governo, sistema judicial e ética jornalística”. Enquanto isso, “os jornalistas de países como o Cambodja, Indonésia, Malásia e Tailândia identificaram os seus Governos como os principais responsáveis pela impunidade”.

O caso do Myanmar

O Myanmar tem as suas especificidades no que à situação dos media diz respeito. Mais de 20 por cento dos jornalistas ouvidos pela FIJ dizem fazer a cobertura de assuntos relacionados com os direitos humanos. A Presidente do país, Aung San Suu Kyi, ganhou um Nobel da Paz, mas nem isso fez mudar o panorama de falta de liberdade em que vive o país.

“Com eleições marcadas para 2020, a líder Aung San Suu Kyi não mostrou que a política vai prestar atenção à difícil situação dos media no Myanmar. Apesar da libertação, em Maio, dos dois jornalistas da Reuters, Wa Lone e Kyaw Soe Oo, depois de uma intensa pressão internacional, os media apenas encontraram restrições e obstáculos no último ano”, refere o relatório.

A FIJ defende que o Myanmar, antiga Birmânia, “falhou na criação de um ambiente propício a que os media consigam prosperar, enquanto que o sistema judicial é usado de forma agressiva como arma para prevenir a fiscalização do Governo”.

“A confiança do público nos media está no nível mais baixo numa altura crítica em que as redes sociais estão a emergir na esfera pública, criando um ambiente de divisões e conflitos. Enquanto isso, os media locais enfrentam dificuldades para sobreviver devido à falta de modelos de negócio viáveis”, acrescenta o relatório.

Para a FIJ, a detenção dos dois repórteres da Reuters, que investigavam a situação da minoria rohingya, “representa o teste decisivo para a situação da liberdade de imprensa no Myanmar”. A sua prisão mostra que “o clima de medo e os sinais de alerta dos dois jornalistas da Reuters sem dúvida que contribuem para um ambiente de auto-censura”, acrescenta a FIJ.

“Inimigos de Estado”

No caso das Filipinas, país presidido por Rodrigo Duterte, a situação está longe de ser a ideal. “Não existem dúvidas de que as Filipinas continuam a ser um dos países mais perigosos do mundo para a prática da profissão de jornalista”, diz a FIJ.

A situação de extrema violência contra repórteres foi tema de uma reportagem do canal televisivo Al Jazeera, a 10 de Outubro deste ano, intitulada “A Nova Guerra de Duterte”, e que versava sobre mortes extra-judiciais na ilha de Negros, zona central do país, desde 2018. O relatório da FIJ dá conta que o Governo tem vindo a usar as suas forças de segurança para associar os jornalistas ao movimento comunista.

Exemplo disso foi o facto de, na reportagem da Al Jazeera, ter sido ouvido o Major General Antonio Parlade Jr., chefe das relações civis-militares, que negou envolvimentos com as mortes, apesar de “muitos familiares das vítimas suspeitarem de que as mortes foram levadas a cabo pelas forças de Estado”. Antonio Parlade Jr. afirmou que os relatórios referidos na reportagem não são credíveis porque “os media, especialmente os mais convencionais, estão dominados pelos quadros do Partido Comunista das Filipinas, na imprensa escrita e mesmo na televisão”.

A FIJ frisa que não foram apresentadas provas destas alegações, pelo que “foi feita uma acusação sem fundamento contra os jornalistas filipinos”. “Mas muito antes das declarações de Parlade, já existiam sinais de que as organizações de jornalistas ou repórteres mais críticas estavam na mira das forças de segurança estatais”, acrescenta o relatório.

Outro caso referido diz respeito à detenção da jornalista Maria Ressa, CEO do website informativo Rappler, devido à sua cobertura sobre a guerra travada por Duterte contra traficantes e consumidores de droga. A jornalista, que foi distinguida pela revista Time, foi libertada após pagar caução. O caso levou a uma reacção por parte dos EUA, que apelaram ao Governo filipino para que libertasse a jornalista, que também tem a nacionalidade norte-americana, e deixasse o seu sítio na internet “trabalhar livremente”.

Por fazer

Num capítulo com o título “Novo País, Velhos Desafios”, a FIJ retrata Timor-Leste como um país que está numa situação ligeiramente mais favorável face aos seus parceiros na zona do sudeste asiático mas que, ainda assim, há muito para fazer.

“Durante o bloqueio para a restauração da independência, a liderança de então comprometeu-se com a garantia de liberdade de expressão e media livres. Em 2019, o país marcou 20 anos desde que houve o referendo pela independência em relação à Indonésia, depois de 24 anos de ocupação, que traçou um novo caminho para a indústria dos media”, recorda o documento.

Actualmente existem, de acordo com dados de 2017, 50 organizações de media em Timor-Leste, incluindo cinco jornais diários. Apesar do dinamismo do sector, “muitos desafios necessitam de ser superados e muito mais precisa de ser feito para garantir uma genuína liberdade de imprensa em Timor-Leste”. Dois inquéritos realizados no país mostram que 63 por cento dos jornalistas disseram que a situação dos media “melhorou significativamente” nos últimos 12 meses, mas “os baixos salários e as más condições de trabalho são considerados como grandes ameaças à liberdade de imprensa”. Isto de acordo com 41 por cento dos inquiridos, sendo que 20 por cento disse que existem ataques ao jornalismo. Os esforços do Governo “são aceitáveis”, mas é “necessária uma melhoria”.

“Um dos principais problemas que os jornalistas de Timor-Leste continuam a enfrentar é a falta de acesso a informações cruciais ou documentos”, uma vez que o Governo “detém um monopólio de informação e regularmente recusa providenciar documentos aos media”. Grande parte dessa informação está relacionada com empresas que participaram em concursos públicos para projectos promovidos pelo Governo e que fogem ao escrutínio dos media.

27 Nov 2019

Media | Relatório da FIJ fala de mais insegurança e impunidade no sudeste asiático 

É cada vez mais difícil fazer jornalismo em países como o Cambodja, Tailândia, Filipinas ou Myanmar, entre outros. O mais recente relatório da Federação Internacional de Jornalistas relata um aumento das ameaças sentidas pelos jornalistas e insegurança no trabalho. Os profissionais de media sentem uma enorme impunidade e a culpa é do Governo, das leis e do sistema judicial

 
[dropcap]M[/dropcap]anter vivo e de boa saúde o chamado quarto poder na zona do sudeste asiático parece uma tarefa cada vez mais difícil. O relatório da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), recentemente divulgado, dá conta de uma situação muito negativa em países como o Cambodja, Indonésia, Tailândia, Myanmar, Timor-Leste, Filipinas e Malásia no que diz respeito à segurança na profissão de jornalista e à sua protecção pela via das leis e das instituições.
“As maiores ameaças no sudeste asiático são a prisão ou detenção por parte das autoridades e, em segundo lugar, ataques tendo como alvo os jornalistas”, lê-se no relatório. De frisar que a maior parte dos inquiridos, 41 por cento, disse ter entre 26 e 35 anos, sendo que 57 por cento são jornalistas.
O relatório dá conta que, no Cambodja, as maiores ameaças são a prisão ou detenção por parte das autoridades, enquanto que na Indonésia e no Myanmar são os alvos ao trabalho jornalístico. Na Malásia o sector dos media sofre com baixos salários e más condições de trabalho, tal como em Timor-Leste, enquanto que nas Filipinas ocorrem casos de assédio online, ataques no local de trabalho, reprimendas ou despedimentos e alvos ao trabalho jornalístico. Na Tailândia são comuns os ataques cibernéticos através de plataformas móveis.
O inquérito realizado pela FIJ permitiu concluir que 61 por cento dos jornalistas disse que o seu trabalho lhes trouxe preocupações ao nível da segurança nos últimos 12 meses, enquanto que 25 por cento dos repórteres assumiu ter tido experiências negativas relacionadas com o seu trabalho. Por sua vez, 24 por cento dos jornalistas disse ter sido ameaçado pessoalmente.
Por entre factores económicos e políticos, as empresas e os seus profissionais sofrem por diversos motivos. De todos os entrevistados pela FIJ, 37 por cento afirmou que a situação dos media no seu país não melhorou ou manteve-se inalterada no último ano em termos de impunidade. As razões citadas pela falta de desenvolvimentos nesta área prendem-se com a propriedade dos media, as políticas governamentais e as leis. A título de exemplo, no Cambodja metade dos jornalistas disse que a situação dos profissionais está em franco declínio, com figuras políticas ou políticas governamentais a serem os principais responsáveis pela situação. No geral, mais de 30 por cento dos inquiridos afirmaram que, no sudeste asiático, a situação dos media não melhorou.
Contudo, nem todos os resultados são maus. No caso de Timor-Leste, 37 por cento dos jornalistas disse sentir que a situação dos media melhorou devido às políticas governamentais, à ética jornalística e ao profissionalismo.

A culpa é do Governo

A FIJ traça também o cenário do grau de impunidade que existe nestes países no que diz respeito a casos de ataques ou insegurança. Resultados mostram que nos países do sudeste asiático a impunidade está numa média de 7,2 pontos, de zero a dez, sendo que dez representa o nível extremamente mau. “Um terço dos inquiridos, 33 por cento, disse que os esforços do Governo para providenciar protecção suficiente para os seus jornalistas piorou”, lê-se no documento, enquanto que “os inquiridos no Myanmar e Timor-Leste afirmaram que os esforços feitos pelos seus Governos são aceitáveis”.
O relatório da FIJ dá também conta que “as quatro influências negativas mais predominantes para o clima de impunidade no sudeste asiático estão relacionadas com a liderança política, Governo, sistema judicial e ética jornalística”. Enquanto isso, “os jornalistas de países como o Cambodja, Indonésia, Malásia e Tailândia identificaram os seus Governos como os principais responsáveis pela impunidade”.

O caso do Myanmar

O Myanmar tem as suas especificidades no que à situação dos media diz respeito. Mais de 20 por cento dos jornalistas ouvidos pela FIJ dizem fazer a cobertura de assuntos relacionados com os direitos humanos. A Presidente do país, Aung San Suu Kyi, ganhou um Nobel da Paz, mas nem isso fez mudar o panorama de falta de liberdade em que vive o país.
“Com eleições marcadas para 2020, a líder Aung San Suu Kyi não mostrou que a política vai prestar atenção à difícil situação dos media no Myanmar. Apesar da libertação, em Maio, dos dois jornalistas da Reuters, Wa Lone e Kyaw Soe Oo, depois de uma intensa pressão internacional, os media apenas encontraram restrições e obstáculos no último ano”, refere o relatório.
A FIJ defende que o Myanmar, antiga Birmânia, “falhou na criação de um ambiente propício a que os media consigam prosperar, enquanto que o sistema judicial é usado de forma agressiva como arma para prevenir a fiscalização do Governo”.
“A confiança do público nos media está no nível mais baixo numa altura crítica em que as redes sociais estão a emergir na esfera pública, criando um ambiente de divisões e conflitos. Enquanto isso, os media locais enfrentam dificuldades para sobreviver devido à falta de modelos de negócio viáveis”, acrescenta o relatório.
Para a FIJ, a detenção dos dois repórteres da Reuters, que investigavam a situação da minoria rohingya, “representa o teste decisivo para a situação da liberdade de imprensa no Myanmar”. A sua prisão mostra que “o clima de medo e os sinais de alerta dos dois jornalistas da Reuters sem dúvida que contribuem para um ambiente de auto-censura”, acrescenta a FIJ.

“Inimigos de Estado”

No caso das Filipinas, país presidido por Rodrigo Duterte, a situação está longe de ser a ideal. “Não existem dúvidas de que as Filipinas continuam a ser um dos países mais perigosos do mundo para a prática da profissão de jornalista”, diz a FIJ.
A situação de extrema violência contra repórteres foi tema de uma reportagem do canal televisivo Al Jazeera, a 10 de Outubro deste ano, intitulada “A Nova Guerra de Duterte”, e que versava sobre mortes extra-judiciais na ilha de Negros, zona central do país, desde 2018. O relatório da FIJ dá conta que o Governo tem vindo a usar as suas forças de segurança para associar os jornalistas ao movimento comunista.
Exemplo disso foi o facto de, na reportagem da Al Jazeera, ter sido ouvido o Major General Antonio Parlade Jr., chefe das relações civis-militares, que negou envolvimentos com as mortes, apesar de “muitos familiares das vítimas suspeitarem de que as mortes foram levadas a cabo pelas forças de Estado”. Antonio Parlade Jr. afirmou que os relatórios referidos na reportagem não são credíveis porque “os media, especialmente os mais convencionais, estão dominados pelos quadros do Partido Comunista das Filipinas, na imprensa escrita e mesmo na televisão”.
A FIJ frisa que não foram apresentadas provas destas alegações, pelo que “foi feita uma acusação sem fundamento contra os jornalistas filipinos”. “Mas muito antes das declarações de Parlade, já existiam sinais de que as organizações de jornalistas ou repórteres mais críticas estavam na mira das forças de segurança estatais”, acrescenta o relatório.
Outro caso referido diz respeito à detenção da jornalista Maria Ressa, CEO do website informativo Rappler, devido à sua cobertura sobre a guerra travada por Duterte contra traficantes e consumidores de droga. A jornalista, que foi distinguida pela revista Time, foi libertada após pagar caução. O caso levou a uma reacção por parte dos EUA, que apelaram ao Governo filipino para que libertasse a jornalista, que também tem a nacionalidade norte-americana, e deixasse o seu sítio na internet “trabalhar livremente”.

Por fazer

Num capítulo com o título “Novo País, Velhos Desafios”, a FIJ retrata Timor-Leste como um país que está numa situação ligeiramente mais favorável face aos seus parceiros na zona do sudeste asiático mas que, ainda assim, há muito para fazer.
“Durante o bloqueio para a restauração da independência, a liderança de então comprometeu-se com a garantia de liberdade de expressão e media livres. Em 2019, o país marcou 20 anos desde que houve o referendo pela independência em relação à Indonésia, depois de 24 anos de ocupação, que traçou um novo caminho para a indústria dos media”, recorda o documento.
Actualmente existem, de acordo com dados de 2017, 50 organizações de media em Timor-Leste, incluindo cinco jornais diários. Apesar do dinamismo do sector, “muitos desafios necessitam de ser superados e muito mais precisa de ser feito para garantir uma genuína liberdade de imprensa em Timor-Leste”. Dois inquéritos realizados no país mostram que 63 por cento dos jornalistas disseram que a situação dos media “melhorou significativamente” nos últimos 12 meses, mas “os baixos salários e as más condições de trabalho são considerados como grandes ameaças à liberdade de imprensa”. Isto de acordo com 41 por cento dos inquiridos, sendo que 20 por cento disse que existem ataques ao jornalismo. Os esforços do Governo “são aceitáveis”, mas é “necessária uma melhoria”.
“Um dos principais problemas que os jornalistas de Timor-Leste continuam a enfrentar é a falta de acesso a informações cruciais ou documentos”, uma vez que o Governo “detém um monopólio de informação e regularmente recusa providenciar documentos aos media”. Grande parte dessa informação está relacionada com empresas que participaram em concursos públicos para projectos promovidos pelo Governo e que fogem ao escrutínio dos media.

27 Nov 2019

Tufão Hato | Federação Internacional de Jornalistas critica Governo de Macau

O relatório da Federação Internacional de Jornalistas sobre a liberdade de imprensa na China critica a actuação do Governo de Macau quando bloqueou a entrada de jornalistas de Hong Kong para cobrir os efeitos do tufão Hato. A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau realça que o relatório deste ano não foi tão duro como os anteriores

“Uma década de declínio”, este é o título do relatório da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) sobre a liberdade de imprensa na China e que também incide sobre Hong Kong e Macau. “Comparativamente com anos anteriores, este relatório em traços gerais, é menos negativo do que anteriores para”, comenta José Carlos Matias, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM).
O maior reparo do relatório da organização internacional foca-se na forma como as autoridades de Macau barraram a entrada de jornalistas oriundos de Hong Kong aquando da passagem do tufão Hato pelo território. O documento especifica que este tipo de actuação é expectável durante a ocorrência de eventos sensíveis.
“Pelo menos cinco jornalistas e fotógrafos do Apple Daily, HK01 e do South China Morning Post viram negada a entrada em Macau por poderem constituir uma ameaça à segurança interna”, lê-se no documento. A IFJ lamenta o facto de que a Polícia de Segurança Pública tenha argumentado que o banimento respeitou a lei, enquanto que o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, defendeu a decisão do Executivo argumentando que “outras regiões também banem entradas e Macau não é excepção”.
“Essa postura foi alvo de forte crítica por parte da AIPIM, não só por uma questão de princípio mas também porque considerámos que as explicações foram difíceis de compreender”, recorda José Carlos Matias.
“Salientámos na altura que este tipo de incidentes prejudica a imagem internacional da RAEM, era de esperar que esse episódio tivesse eco neste relatório”, acrescenta o presidente da AIPIM.

Mensagens directas

O relatório da IFJ mostra que a 29 de Agosto a Associação de Jornalistas de Macau, de língua chinesa, reportou que o Governo estava a orquestrar a forma como os órgãos de comunicação social de língua chinesa estavam a cobrir a reposta das autoridades ao tufão Hato.
“Pelo menos cinco órgãos de comunicação social receberam directrizes para serem positivos nos seus trabalhos e que não perseguissem o Governo, em especial o Chefe do Executivo, a exigir responsabilidades”, lê-se no relatório. A associação reagiu declarando que a atitude do Governo “distorce a ética profissional dos jornalistas”.
O relatório menciona ainda o inquérito feito pela AIPIM aos seus afiliados, que mostrou uma forte preocupação no acesso às fontes. Três quartos dos inquiridos revelaram ter experimentado restrições a noticiar temas de natureza política, económica, social, cultural e institucional. O relatório destaca o acesso à informação no ramo judicial, executivo e legislativo.
Na altura, a AIPIM declarou que “sem acesso facilitado a fontes de informação, a liberdade de imprensa é colocada em questão”.
O relatório da IFJ traçou um cenário muito mais complicado da liberdade de imprensa em Hong Kong, ainda assim o Índice de Liberdade de Imprensa de Hong Kong subiu ligeiramente desde que Carrie Lam tomou posse, o primeiro ano depois de descida todos os anos desde 2013.
Ainda assim, aquando da visita de Xi Jinping ao território houve relatos de que foram pedidos dados privados dos jornalistas que foram cobrir o evento, nomeadamente a morada.
Outra situação enunciada no relatório da IFJ prende-se com ameaças reportadas pela redacção do Hong Kong Free Press, no desaparecimento de colunas que, habitualmente, eram críticas das decisões do Governo Central e do Executivo local, pressão sobre jornalistas que cobrem os movimentos pró-democráticos.
O relatório de 2017 da Associação de Jornalistas de Hong Kong, intitulado “Dois sistemas cercados”, diz que a influência de Pequim sobre a autonomia da cidade se tem sentido de uma forma crescente em todos os sectores.
Apesar das fortes críticas deixadas pela IFJ, José Carlos Matias mantém o optimismo, mesmo quanto às situações de jornalistas impedidos de entrarem em Macau. “Não podemos perder a esperança, a nossa intervenção tem sido no sentido de que este tipo de incidentes deixem, pura e simplesmente, de existir”, comenta.

7 Fev 2018

Associação | AIPIM aceite na Federação Internacional de Jornalistas

Abriu-se a porta para a credenciação dos jornalistas sócios da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau depois da associação ter sido aceite como membro da Federação Internacional de Jornalistas, a maior organização internacional da classe profissional

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde a fundação da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), há mais de uma dúzia de anos, que a entrada para a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) era uma ambição. A confirmação da entrada como membro associado da organização com sede em Macau surgiu no passado fim-de-semana.

“Não é fácil para mim encontrar palavras, porque isto é um sonho de várias gerações que se está a concretizar”, comenta José Carlos Matias, presidente da AIPIM.

Em 2012, a associação apresentou a primeira candidatura de adesão que foi rejeitada porque a associação local não opera num quadro sindical. Este ano, após contactos desenvolvidos deste Março, a AIPIM recandidatou-se em Setembro por outra via, a de membro associado.

A FIJ também admite a entrada de organizações que não são sindicatos por estarem sediadas em jurisdições sem lei sindical e sem acordos colectivos de trabalho, “mas que têm um papel firme na defesa da liberdade de imprensa, do acesso à informação, dos direitos dos jornalistas e da ética e deontologia”, explica José Carlos Matias. No fundo, a carta de princípios e valores chave da FIJ.

Cartão no horizonte

Depois da AIPIM ter esbarrado na porta fechada pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas em Portugal em termos de credenciação profissional, por esta entidade não estar apta a emitir carteiras fora do território português, a entrada na FIJ é um passo para que no futuro os jornalistas de língua portuguesa e inglesa de Macau passarem a estar credenciados.

“Para chegarmos ao International Press Card ainda temos de dar vários passos, há um procedimento, regras sobre quem deve ser jornalista”, revela o presidente da AIPIM. José Carlos Matias, explica ainda que “um dos objectivos passa por oferecer aos sócios uma via para a credenciação internacional, um reconhecimento inestimável e que enquadra os jornalistas de uma outra forma”.

Além disso, a associação local passa a manter uma interacção institucional com a FIJ, com o seu secretariado em Bruxelas e com os vários membros da organização internacional.

A candidatura da AIPIM foi aprovada numa reunião da comissão executiva da FIJ, que teve lugar em Tunes, na Tunísia, no último fim-de-semana, juntamente com outras noves associações e sindicatos.

José Carlos Matias entende que esta é “uma nova página que se abre, o início de um caminho com contornos que ainda não são muito nítidos, mas com grande impacto para a comunidade jornalística de Macau, assim como para o território”.

Para já, a AIPIM aguarda a formalização da entrada na maior organização internacional de jornalistas, que tem 600 mil membros espalhados por mais de 140 países.

21 Nov 2017

Fronteira | FIJ condena proibição de entrada de jornalistas

Depois do tufão, as eleições. Mais jornalistas, de órgãos como o Apple Daily ou o South China Morning Post, foram barrados na fronteira e impedidos de cobrir as legislativas. A Associação de Jornalistas de Hong Kong vai enviar uma carta a Chui Sai On

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) emitiu um comunicado esta terça-feira onde condena a actuação do Governo por ter proibido a entrada de jornalistas de Hong Kong no território um dia depois das eleições legislativas.

A FIJ, que é parceira da Associação de Jornalistas de Hong Kong, explica que “segundo um comunicado emitido pela associação, dez jornalistas de Hong Kong foram proibidos de entrar em Macau pelas autoridades”, sendo que todos os repórteres viajavam para o território com o objectivo de cobrir as eleições.

“Os jornalistas são dos órgãos Apple Daily, HK01 e South China Morning Post. Desde o dia 26 de Agosto, data da passagem do tufão Hato, que, pelo menos, 15 jornalistas radicados em Hong Kong foram proibidos de entrar em Macau”, recorda a FIJ.

Segundo o comunicado da Federação, a associação de jornalistas vai enviar uma carta ao Chefe do Executivo a pedir explicações sobre o sucedido.

“A associação mostra-se profundamente preocupada e rejeita totalmente as últimas acções das autoridades de Macau. A associação de jornalistas está a trabalhar numa carta, destinada ao Governo de Macau e à tutela da Segurança de Hong Kong, que pede explicações sobre o facto dos jornalistas não serem autorizados a entrar em Macau”, lê-se no documento publicado no website da FIJ.

A própria FIJ “junta-se à associação de jornalistas e exige explicações sobre as restrições de movimentos e viagens que têm sido impostas pelos governos de Macau e Hong Kong”.

A representação da FIJ na região da Ásia-Pacífico considera que “restringir os movimentos de jornalistas e trabalhadores da comunicação social dificulta a sua capacidade de reportar os acontecimentos livremente e impede a liberdade de imprensa”.

Além disso, “a situação dos jornalistas de Hong Kong que viajam para Macau mantém-se incerta e levanta questões sobre a liberdade de imprensa na região”.

Sinais de alerta

José Carlos Matias, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), lembrou ao HM que “a situação repete-se e sinaliza uma tendência bastante preocupante”.

“Tal como sucedeu na altura da cobertura do tufão Hato, em que tivemos casos de proibições de jornalistas de Hong Kong, voltamos a referir e reiteramos que lamentamos profundamente esta decisão das autoridades”, acrescentou.

José Carlos Matias frisou ainda que “barrar jornalistas desta forma é algo que consideramos incompreensível”. As explicações [das autoridades] “são claramente insatisfatórias”, disse.

“Este tipo de atitudes, que nos deixa perplexos, contribui para o agravamento da imagem da RAEM, porque surge como um impedimento a uma livre circulação e ao exercício livre da actividade jornalística daqueles que são impedidos de entrar”, concluiu.

 

Relatório sobre liberdade de imprensa sai dia 27

É já no próximo dia 27, quarta-feira, que a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) apresenta o relatório intitulado “Retrato da liberdade de imprensa e do acesso às fontes de informação no exercício da actividade de jornalista em Macau”. A apresentação e conferência de imprensa decorre na Casa Garden às 17h00. O relatório em causa é fruto de uma acção da AIPIM para avaliar o exercício da liberdade de imprensa em Macau. Os resultados partiram de um inquérito feito aos jornalistas do território e foram avaliados por uma comissão independente, constituída pelo advogado Frederico Rato, o coordenador do curso de media na Universidade de São José, José Manuel Simões, e Rui Flores, ex-coordenador do programa académico da União Europeia em Macau e antigo jornalista.

21 Set 2017

FIJ | Caso Jinan terá dado origem a casos de auto-censura nos media chineses

A doação de cem milhões de yuan à Universidade de Jinan pela Fundação Macau terá originado situações de auto-censura em alguns meios de comunicação em língua chinesa. É o que aponta o último relatório da Federação Internacional de Jornalistas, que fala de injustiças aquando da visita de Li Keqiang

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mais recente relatório da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), referente ao ano de 2016, tece duras críticas ao panorama da comunicação social em Macau, com foco para situações de auto-censura e alegada pressão exercida por parte de entidades governamentais.

Com o título “Macau discrimina”, a FIJ relata uma situação denunciada pela Associação dos Trabalhadores da Comunicação Social, ocorrida a 13 de Maio do ano passado, sobre a produção noticiosa acerca dos cem milhões de yuan que foram doados pela Fundação Macau (FM) à Universidade de Jinan.

A associação “lançou um comunicado a condenar as acções de diversos jornalistas locais que fizeram auto-censura ao seu trabalho”, sendo que “vários jornalistas recusaram revelar os nomes dos funcionários do Governo que foram fontes de artigos que eles próprios escreveram sobre alegados favorecimentos levados a cabo pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On”.

“O comunicado aponta: ‘Os artigos foram eliminados e os comentários mais críticos dos entrevistados foram removidos. Alguns jornalistas deliberadamente começaram a desempenhar outras funções. Um dos órgãos de comunicação enviou uma lista de entrevistados aos jornalistas e disse que deveriam ser contactados aquando da produção de notícias importantes. Os jornalistas foram ainda avisados de que as notícias deveriam ser positivas’”, lê-se.

Segundo a FIJ, a mesma associação referiu que há “razões para acreditar que os órgãos de comunicação social exerceram auto-censura, mas também receberam pressão do Governo”.

O relatório faz referência ao facto de Chui Sai On ser parte integrante da direcção da Universidade de Jinan, ao mesmo tempo que também preside ao conselho de curadores da FM. “Chui Sai On foi acusado de utilizar dinheiros públicos para os seus próprios interesses políticos”, aponta o documento.

Li Keqiang só para alguns

O relatório da FIJ faz também referência ao tratamento dado aos media aquando da visita de Li Keqiang. “Em Outubro, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang visitou Macau. Os media locais seguiram todos os procedimentos para pedirem o acesso aos locais de visita, mas pelo menos um meio de comunicação viu ser-lhe negada a permissão para ter acesso à maioria dos eventos, sem que lhe tenha sido dada qualquer explicação”, pode ler-se.

Na prática, um “órgão online independente e livre” terá sido “tratado de forma injusta por parte do Governo” de Macau, aponta a FIJ. Sem apontar nomes, a entidade afirma que este “teve apenas permissão para participar em apenas três dos 12 eventos organizados, enquanto os media tradicionais obtiveram permissão para estar nos 12 eventos”.

O documento refere ainda o facto de as autoridades policiais não terem divulgado informações sobre dois falsos atentados à bomba, um caso denunciado pela Associação de Jornalistas de Macau.

“Quando foram questionados sobre o atraso na transmissão de informação para nós, responderam que ‘Não informamos os media até que todos os riscos tenham sido afastados’”. A associação disse que o acto foi uma clara violação do direito à informação”, esclarece o documento.

Os recados da FIJ

Na visão da FIJ, os meios de comunicação social locais “enfrentaram obstáculos, não só da parte do Governo que atrasou o fornecimento de informação, mas também ao nível da auto-censura imposta pelas direcções [dos meios de comunicação].”

É ainda feito o aviso para a necessidade de maior isenção por parte dos jornalistas. “Consideramos urgente que todos os profissionais de media estejam alerta e que defendam o jornalismo profissional. Devem manter uma solidariedade profissional e manterem-se neutros, precisos, equilibrados e justos. Devem recusar pedidos de manipulação de fontes, questões pré-seleccionadas ou submeter questões para aprovação do Governo ou orquestrar reportagens ‘exclusivas’.”

A FIJ defende ainda que “o facto de as pessoas estarem em silêncio não significa que a sociedade é harmoniosa”. “O papel dos media deve ser o de observar e registar o que acontece, e não assumir este ou aquele lado. Um desequilíbrio de poder entre a elite que governa e as pessoas comuns pode levar a uma sociedade desastrosa, na qual ninguém se sente seguro e respeitado.”

“Os jornalistas devem estar atentos às necessidades das pessoas e evitar suprimir da informação ou transformarem-se em ‘parceiros’ do outro lado da barricada. Se isso acontecer, as pessoas que apoiam a verdade devem dizer em voz alta ‘não!’”, alerta a FIJ.

Ao HM, José Carlos Matias, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), referiu que a entidade não foi contactada pela FIJ. “A nossa associação está a levar a cabo um inquérito sobre questões relacionadas com a liberdade de imprensa e acesso às fontes, estando agora a iniciar o processo de análise e redacção [do relatório]. Quando tivermos o relatório em mãos, vamos tentar ter uma visão sobre os problemas levantados”, concluiu.

10 Mar 2017