Céu nublado

[dropcap]A[/dropcap]inda estamos muito aquém de perceber exactamente o que mudou no modo como nos relacionamos com os outros desde o surgimento das redes sociais. É normal, estamos «entre»; entre estados-de-coisas que carecem de definição e de distância para as conseguirmos apreender com clareza. Não sabemos ainda se o fenómeno Facebook é apenas transitório. O que sabemos é que este ganha utilizadores a nível horizontal de expansão geográfica e que os perde a nível vertical e demográfico junto dos mais novos. Os mais novos estão a preterir o Facebook em prol do Instagram e do Snapchat, entre outros. Não parece haver uma plataforma – ou um formato – capaz de estabelecer um standard equivalente à rádio ou a televisão no séc. XX.

É interessante estarmos entre estados-de-coisas. Nunca na história da humanidade a geografia contou tão pouco. A distância da informação eclipsou-se. E mais do que a distância, o epicentro.

Somos todos difusores de informação enquanto participantes activos na rede. A própria noção de informação está a mudar. Mais do que uma via de sentido único do emissor ao receptor num meio canónico, a informação é neste momento um emaranhado atómico de perspectivas cuja análise requer uma capacidade computacional disponível apenas a nível estatal.

As famigeradas fake news não são o aspecto mais assustador ou perigoso desta equação.

Enquanto formos capazes de desmontar o fenómeno, os danos à credibilidade dos meios de comunicação podem ser contidos (os perigos neste momento são outros e não cabem aqui). O problema decorrente da multiplicação de pontos de vista é o da absoluta relativização da informação. O problema é deixarmos pura e simplesmente de ter critério para distinguir o que é verdadeiro do que é falso.

Na verdade já tivemos mais longe. Nos Estados Unidos, onde parte da realidade assume contornos de caricatura, um homem foi detido em Dezembro de 2016 por entrar com uma metralhadora AR15 numa pizzaria de Washington chamada Comet Ping Pong em busca de tirar a limpo uma história que circulava na Internet, sobretudo nos meios conservadores e em sites que navegam entre a indignatite e a teoria da conspiração tout court, que defendia que a dita pizzaria era na verdade um albergue para uma rede de pedofilia dirigida pela candidata democrática às eleições presidenciais desse ano, Hillary Clinton. Apesar de o homem ter disparado uns tiros, o balanço foi francamente positivo: a única coisa que morreu nesse dia foi a noção, e esta já entrara comatosa no restaurante.

No caso em apreço, não é que a notícia não tenha sido evidentemente desmentida uma série de vezes por entidades competentes (como a polícia metropolitana do distrito de Columbia). O problema é que há cada vez mais pessoas a acreditarem que os meios de comunicação (e uma boa parte das entidades ligadas de algum modo ao governo) lhes mentem, mesmo quando se tratam de histórias em relação às quais o único critério de averiguação deveria ser o bom senso.

Se a coisa não descambar num desastre global nos próximos vinte, trinta anos, escrever-se-ão milhares de teses de doutoramento sobre esta época de “entres”: entre a solidão e a omnipresença, entre a verdade e a mentira, entre a ficção e a realidade. Talvez uma delas seja a chave para compreender um mundo cada vez mais estranho, até para aqueles que acabaram de entrar nele.

26 Abr 2019

AIPIM | José Carlos Matias alerta para combate a ‘fake news’

[dropcap]J[/dropcap]osé Carlos Matias vai estar mais dois anos à frente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), depois de ter sido reeleito no sábado para mais um mandato numa assembleia-geral que contou com a presença de 34 associados. A assembleia-geral vai continuar a ser liderada por João Francisco Pinto e Paulo Barbosa também permanece à frente do conselho fiscal.

Em declarações à LUSA, José Carlos Matias, alertou para o risco do poder reforçar os mecanismos de controlo no âmbito do combate às ‘fake news’. “É importante evitar que o combate às ‘fake news’ seja usado pelo poder como motivo para aumentar mecanismos de controlo numa cidade e sociedade como esta”, defendeu o jornalista e professor universitário. “A educação e a auto-regulação são, por isso, a melhor forma de abordar o problema”, sublinha, explicando que essa batalha não deve ser feita com a criação de entidades de regulação “sem garantias de independência”.

José Carlos Matias entende que este é um fenómeno de pouca expressão em Macau, mas admite que “apesar da solidez e qualidade” de muitos dos jornalistas que trabalham no território, “o nível de profissionalização e de debate ético e deontológico está ainda aquém das exigências de um mundo em que proliferam as chamadas ‘fake news’”. Razão pela qual, sustenta, “é importante promover mais essa cultura deontológica e ética entre jornalistas das diferentes línguas – chinesa, inglesa e portuguesa”.

Além disso, refere, é também “importante que a cultura e os instrumentos de verificação estejam disseminados entre jornalistas e cidadãos” para que seja possível “aprender a identificar ‘fake news’, desconstruí-las e combatê-las”.

18 Mar 2019

Viagem ao mundo clandestino dos “sites” em português associados às ‘fake news’

[dropcap]O[/dropcap]s ‘sites’ em Portugal associados às ‘fake news’, ou notícias falsificadas, onde temas como corrupção, ‘jet set’, desporto e política se cruzam, têm milhares de seguidores nas redes sociais, mas vivem numa espécie de clandestinidade.

Desde o final do ano passado que as ‘fake news’ ganharam projecção, com sua influência na eleição do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, de extrema-direita, antes com Donald Trump nos Estados Unidos, e através de uma série de reportagens no jornal português Diário de Notícias (DN) que foi revelado o pouco conhecido “mundo” das notícias falsificadas ou manipuladas no país.

O jornalista Paulo Pena, autor de um conjunto de reportagens sobre o tema no DN, traçou à Lusa as diferenças entre os ‘sites’ em Portugal e noutros países, inclusive europeus. Uma das diferenças é a política, menos presente nas páginas portuguesas, embora os políticos também sejam o alvo.

“As ‘fake news’ políticas no resto da Europa lidam sobretudo com imigração, com refugiados, com a diferença, interculturalidade, o islamismo. Em Portugal isso não faria qualquer sentido e, portanto, o tema muito mais presente neste tipo de ‘sites’ de desinformação é a corrupção, a forma como acusam políticos de terem roubado dinheiro”, afirmou.

Foi o caso em torno de Assunção Esteves, antiga presidente da Assembleia da República, devido ao facto de, em 2012, ter optado pela reforma de juíza do Tribunal Constitucional, em vez do vencimento de deputada e segunda figura do Estado. Algo que foi mencionado por um ‘site’ e que “era mentira”, recordou Paulo Pena à Lusa.

Característica comum a estas páginas, em português, é, pois, o fraco peso da política nas publicações que fazem. “Geralmente são histórias sobre celebridades, sobre o Cristiano Ronaldo, sobre futebol, sobre apresentadores de televisão. Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, onde a política era vendável só por si, chegou a ser um bom negócio. Aqui, política é residual, mas existe e o efeito destes ‘sites’ é precisamente provocar uma movimentação política”, na descrição do jornalista.

“Aparentemente, o que consegue fazer com que as pessoas dêem credibilidade é o facto de a política não ser constante”, acrescentou. A estratégia destes ‘sites’ passa, muitas vezes, por construir uma “notícia” a partir de uma informação verdadeira, mas, depois, é tirada uma conclusão excessiva ou fora do contexto.

Ou pura e simplesmente trata-se de uma informação manipulada, como aconteceu com o relógio de alegadamente 20 milhões de euros de Catarina Martins [líder do partido Bloco de Esquerda], disseminada por um ‘site’ e que, afinal, era uma experiência para mostrar como era fácil enganar as pessoas.

Mas outras foram a notícia, como a foto de José Sócrates [ex-primeiro-ministro português] e amigos, em que supostamente estaria a nova procuradora-geral da República, Lucília Gago, disseminada até por páginas de partidos no Facebook. Foi preciso os media “desmontarem” a trama, sendo fácil de perceber que a mulher identificada como procuradora era tudo menos parecida com Lucília Gago.

E o que diz, do outro lado da história, quem faz, quem administra essas páginas associadas, pelo DN, à desinformação ou manipulação? A agência Lusa fez um questionário a responsáveis de vários desses ‘sites’ ou das suas contas nas redes sociais – os ‘sites’ são a base para a disseminação das notícias que, em Portugal, se faz em especial pelo Facebook.

Aí, raramente há nomes. As respostas obtidas, por email ou mensagens de Facebook, também raramente têm um nome ou uma assinatura. Contactos telefónicos, nem um. Numa troca de mensagens no Facebook, um responsável de Bombeiros 24 – a conta no Facebook tem 331.152 seguidores – afirmou à Lusa que o ‘site’ “não desinforma nem manipula”, que a “veracidade dos artigos é sempre verificada antes da sua publicação”.

A pergunta era se “tem a consciência de, através de um ‘site’ desta natureza, poder estar a desinformar e/ou manipular quem o lê?” e, como noutros casos, a mensagem não tem assinatura.

“Deviam-se preocupar com os ‘sites’ que realmente publicam notícias falsas. Claramente existe um ataque ao site ‘bombeiros24’ devido à sua popularidade”, respondeu. E quanto às alegações que associam o ‘site’ a ‘fake news’, a resposta foi: “São acusações falsas e não fundamentadas. Os artigos publicados até hoje contra o ‘site’ baseiam-se apenas em suposições”.

Tal como outras páginas, o Luso Jornal 2015 recusa que se dedique a fazer ‘fake news’, em mais uma resposta que não é assinada. “Como não produzimos informação e simplesmente a republicamos, não considero manipulação. Acredito que só os menos informados poderão ser manipulados. E, nos dias de hoje, com o acesso a tudo e mais alguma coisa pela internet, só é manipulado quem quer. Existe sempre forma de sabermos a verdade”, lê-se na resposta.

Nenhum dos ‘sites’ que respondeu à Lusa deu informações sobre o seu financiamento, mas garantiram não publicar mensagens nem de forças políticas, dirigentes, ativistas de movimentos políticos, ou de empresas para se associar a causas ou divulgar posições. “Mesmo que o fizessem não teriam qualquer ‘feedback’”, afirmou o responsável de Bombeiros 24.

O Luso Jornal 2015 admite os contactos, mas a maioria das vezes ignora-os. “Na maior parte das vezes não publico por variadas razões”, lê-se na resposta dada à Lusa. Relativamente aos media institucionais, o responsável desta página na Internet teoriza e propõe-se “falar de consciência” e se têm “essa consciência” de estar a desinformar ou manipular.

Como o Bombeiros 24, afirma que os seus artigos “têm fonte em jornais nacionais de renome e internacionais”.

“Se esses desinformam e manipulam, este também o faz, como é obvio, mas só é influenciado quem quer nos dias que correm”, insistiu, questionando: “Os media nacionais não desinformam? Não manipulam? Esses média publicam só conteúdo dentro da linha deles, certo?”.

Outro ‘site’, Vamos lá Portugal, que tem 834.123 seguidores no Facebook, não respondeu às perguntas, dizendo apenas estar interessado numa parceria. E mais de uma dezena pura e simplesmente não responderam ao questionário.

20 Fev 2019

As opiniões são piores que os coelhos

[dropcap]A[/dropcap] conversa acerca do declínio do jornalismo ultrapassa largamente as nossas fronteiras. Um pouco por toda a parte organizam-se conferências, debates e outros e mil e um enclaves nos quais se revezam no púlpito os profetas do apocalipse, os médicos-legistas e os coveiros. Numa coisa, pelo menos, parecem todos de acordo: o jornalismo de investigação, tal como o conhecemos, está morto. Divergem quanto às causas de morte. Uns apontam o dedo ao aparecimento da Internet, dos motores de busca e das redes sociais, que sorvem a fatia do bolo publicitário que antes alimentava a rotativa, outros ensaiam um mea culpa através do qual tentam arregimentar apoios e adeptos: o jornalismo, para estes, definhou porque o mantra economicista se sobrepôs com tal peso às directivas capazes de estabelecer uma linha entre o bom e o mau jornalismo que tudo acabou por ficar nivelado por baixo; os bons jornais ficaram maus e os maus ficaram piores. A verdade é que ainda estamos demasiado próximos do epicentro da batalha para lhe ver claramente os contornos. Uma coisa é certa, no entanto: independentemente do desfecho, nada será como dantes.

Além das fake news, contendo em si o poder e perigo tremendos de se tornarem o Pedro e o Lobo capaz de cravar o último prego no caixão do defunto, existem motivos mais discretos para que o jornalismo se tenha tornado uma espécie de activo tóxico. A Internet teve o condão de despertar uma consciência colectiva cujo modo de funcionamento está longe de ser claro. A imediatez do meio tem tendência a despertar no humano a tentação da resposta pronta. Bem vistas as coisas, isto não é nada de novo. A recompensa que advém da prontidão é imediata. A reflexão é um desporto de fundo; leva tempo, requer ponderação, calma e tempo. É muito mais exigente no trabalho a que obriga e proporciona uma satisfação desfasada do tempo em que se dá. A velocidade a que os assuntos se sucedem dificulta a nitidez necessária para dirimir aquilo que importa daquilo que é puramente acessório. A indignação resultante da morte de um gato por atropelamento pode ser idêntica aquela que advém das atrocidades cometidas num cenário de guerra. Noutra coisa são idênticas: no tempo que duram. São indignações a prazo, reacções cuja intensidade é inversamente proporcional ao tempo e à profundidade a que a elas nos dedicamos. Estamos muito mais focados na sucessão das coisas no mundo do que nas coisas que compõem essa sucessão. É uma corrida de velocidade na qual só fugazmente temos uma ideia de quem é quem na procissão interminável dos assuntos.

A Internet tem o condão de nos confundir tanto como de nos reassegurar. Por um lado, tudo acontece a uma velocidade para a qual não fomos obviamente treinados – e alguma poderemos sê-lo? E não estaremos a ver a coisa ao contrário? Não seria mais profícuo para todos desacelerar o mundo? Por outra parte, se tudo está a acontecer e nada nos prende a atenção mais do que umas míseras horas, não se poderá dar o caso de não estar a acontecer nada de importante, de facto? E mesmo que esteja, que posso eu fazer? Há uma tremenda desproporcionalidade entre a quantidade de coisas que me são dadas a ver e o meu limitadíssimo poder de intervenção sobre elas. Parece inclusive uma metáfora de um putativo inferno: o mundo existe, acontece e afecta-me; mas, por mais que me esforce, a minha capacidade de o afectar é praticamente nula. Uma linha de montagem de frustrados e neuróticos.

Se o jornalismo é só a vertente informativa, puramente informativa, não tem préstimo social. As notícias, a existirem, devem ser capazes de modificar a realidade. Notícias de corrupção devem originar processos e demissões. Notícias de guerra mandam que a sociedade se mobilize de algum modo. Notícias de abusos de direitos humanos devem provocar reacções de censura a vários níveis.

Muito pouco disto está a acontecer. A relatividade instala-se, muito por via da democratização falaciosa da opinião: à liberdade opinativa não corresponde a equivalência valorativa das opiniões. Estamos num caminho muito perigoso. O nosso farol, neste momento, é a irrelevância generalizada.

3 Dez 2018

Facebook encerra 68 páginas e 43 contas ligadas a Bolsonaro

[dropcap]O[/dropcap] Facebook anunciou ter encerrado 68 páginas e 43 contas ligadas ao ultraconservador Jair Bolsonaro, candidato favorito a vencer as eleições presidenciais de domingo, devido a violações da política de autenticação

“Como parte dos nossos esforços contínuos para proteger a nossa comunidade e a plataforma contra o abuso, o Facebook removeu 68 páginas e 43 contas associadas ao grupo brasileiro Raposo Fernandes Associados (FRG), devido a violações da nossa política de autenticação e de e-mails indesejados “, esclareceu a rede social num comunicado divulgado na segunda-feira.

“As pessoas da RFA criaram páginas usando contas falsas ou várias contas com os mesmos nomes” para publicar “uma grande quantidade de artigos” onde redirecionaram os conteúdos para páginas fora do Facebook.

O jornal Folha de São Paulo revelou há dez dias que as páginas e contas controladas pela RFA formaram uma enorme rede de apoio a Jair Bolsonaro.

Segundo a pesquisa do jornal paulista, essas páginas geraram 12,6 milhões de interações – reações, comentários e partilhas, nos 30 dias anteriores à publicação do artigo no jornal, muito mais do que as interações observadas no mesmo período nas contas de celebridades como o jogador de futebol Neymar ou as cantoras pop Anitta e Madonna.

As redes sociais desempenharam um papel fundamental na ascensão de Bolsonaro na corrida presidencial, que se encontra bem colocado para vencer Fernando Haddad.

Jair Bolsonaro fez quase toda a sua campanha através do Facebook, Twitter e Instagram, onde tem 14 milhões de seguidores, contra 2,8 milhões de Haddad.

O final da campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais de 28 de outubro no Brasil tem registado a abertura de várias investigações contra empresas que supostamente criaram ilegalmente mensagens difamatórias que foram disseminadas pela plataforma Whatsapp.

O objetivo da divulgação de milhões de mensagens tem como objetivo propagar conteúdos falsos contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e o candidato, Fernando Haddad, para favorecer o líder da extrema direita Jair Bolsonaro.

No domingo, o governo brasileiro alertou que “não existe anonimato na internet” para os responsáveis pelas “notícias falsas” que têm como intenção provocar dúvidas sobre a credibilidade do sistema eleitoral ou para difamar os candidatos presidenciais.

“Não há anonimato na internet, não existe, não há possibilidade. Aqueles que tenham a intenção de cometer crimes contra a credibilidade do sistema eleitoral”, disse o ministro da Segurança, Raul Jungmann.

23 Out 2018