Carlos Morais José VozesEuforismos Ter nascido não é um erro, mas uma equação irresolúvel. * Errar não é humano, é cósmico. Tudo isto se assemelha a um erro gigantesco. * Viemos das estrelas, mas a elas não voltaremos. A queda é irreversível. * Fomos abandonados por um Deus que nunca foi. * É patético o esforço de alguns filósofos quando pretendem convencer-nos do “prazer de viver”. * Espaço e tempo: os dois se conjugaram para me tramar. * O corpo é o embrulho de um presente envenenado. * O melhor do ser humano é a capacidade de se saber desprezível. * Quem que se crê livre é prisioneiro da sua própria arrogância. * Viver com intensidade é o mesmo que um incêndio em terra queimada. * O pior que pode acontecer é ter algum sucesso. Verás ser uma porta que te leva à vacuidade de tudo. Onde, afinal, já abundantemente te banhavas. * Omnia sunt sine ratione. Pensar é um exercício fútil quando em causa não está a sobrevivência ou o prazer. * A realidade é, em si mesma, infinita. Pretender dominá-la, compreendê-la em toda a sua extensão, é um sintoma de loucura. * Teremos o dever de relatar o universo, mas a esse relato juntemos sempre uma imprescindível nota de humildade. * Por mais que me iluda, a razão regressa para me humilhar. Tenho então de a ouvir, eventualmente entender, mas nunca crer totalmente nos mundos que ela habilmente arquitecta. * A constante dúvida pinta-nos um mundo difícil, talvez horrível. Mas é com esse mundo que temos de saber viver. * Acreditar numa verdade, é acreditar na exclusão, numa pobreza formatada da realidade. * O século XIX acreditou na existência de génios. Depois um vento frio desembaciou o espelho. * O amor pelo outro é o reconhecimento da nossa profunda incompletude. Isso, por outro lado, dota-o de uma arrepiante e ficcionada beleza. * Digo-me: deve haver coisas que eu amo. E rio-me deste esforço tonto para não levar a arma à boca. * O desespero não é um sentimento. É uma condição. Advém da constatação do nada, ou seja, de um mero olhar à volta. * Ser poeira não é pessimismo, mas uma aspiração. * O espectáculo da natureza: quanto mais belo, mais deprimente; porque plasma ali mesmo à minha frente, sem qualquer piedade, a dimensão da minha insignificância. * O sublime é ofensivo. * O fedor a podre é a verdadeira metáfora do tempo. * Criar, criação, criadores, criativos! O melhor mesmo é criarem galinhas. * Quando a ideia de ouvir música te exaspera e o silêncio te deprime, o que hás-de então fazer? * O silêncio aporta um horror apocalíptico. Ninguém se quer ouvir demais. * Só o que é doloroso nos faz sentir realmente vivos. Resta saber se vale a pena. * Chego da rua, quero regressar a mim e não consigo. Constato então que, provavelmente, não existo. * Pensar é a doença da mente que nos faz perder a noção do ridículo. * São o desespero e a raiva que ainda me obrigam a andar. A ver se depois fico liso e triste, até a tristeza se tornar insuportável de tão inútil, tão parada, tão bovinamente melancólica. * A existência seria absurda se não fosse meramente cruel. * O pensamento é o ópio de uma aristocracia inexistente. * Numa sociedade perfeita cairia a máscara da nossa utilidade. * A utopia conduz-nos ao silêncio dos mortos a haver. * D’après Shitao: Vemos o mundo pelos olhos dos mortos, embora não seja a barba deles o que nos cresce na face. * O êxtase que uma pintura me provoca é um processo lento. O tempo necessário para criar uma fantasia e nela me banhar para sempre. * No século XX, a arte fez uma estrondosa colecção de becos sem saída. * O minimal repetitivo exprime a sinceridade de quem compreende nada mais ter para dizer. * A imaginação foi sobrevalorizada enquanto se acreditava no indivíduo. * O individualismo é uma ambição ignorante. Talvez por disso ter consciência inicial, procurei melancolicamente ir colmatando essa falta. * O nojo de me saber gregário. * Uma página em branco é o meu verdadeiro espelho. * Um raio de luz entra pela minha janela e volutas de fumo percorrem-no em silêncio. Para quê ir ao museu, se a arte não passa de uma contemplação do efémero? * Tudo o que nos dizem ser infinito, não o é porque nos dizem. Se fosse, ninguém teria a capacidade de dizê-lo. Pergunto-me então o que existirá realmente infinito por descobrir ou para além de qualquer possível descoberta. Indizível. Indefinível. Infinito. * Por vezes, obrigo-me a andar, a visitar as cidades. Só para mitigar o facto de saber que não deixo nunca de estar parado e a isso dar alguma justificação. * De nada adianta percorrer o planeta, porque ele hoje não passa de uma enorme favela. * Algumas tribos praticavam um canibalismo ritual. A civilização não se dá ao incómodo da cerimónia. * Felizmente que quando comeram o Capitão Cook tiveram o bom gosto de não o cozinhar. * Existimos num único plano, num desenho em espiral que não chegamos a completar. * O narcisista não se olha ao espelho porque se crê belo. Quem regressa obsessivamente à sua imagem é porque tem medo, a cada momento, de ter deixado de existir. * Folheio mentalmente um cardápio de nuvens. Organizo por géneros, formas, comportamentos. Farto de me ver, invoco o vento, esqueço tudo, tudo se esvai. * Passeio atormentado pela consciência do erro, da sua inevitabilidade. Subo jardins, desço vales, desemboco em ruas largas, avenidas imperiais. Aí percebo que me enganei no caminho. * Saturei o silêncio de ideias para depois reparar que elas não estavam sozinhas. Um gotejar martelante, um motor distante, um amor por saber, uma raiva por nascer, outra conhecida, uma necessidade imperativa e mais… As ideias sentaram-se no canto de uma sala que acreditara vazia. Não estava. Há demasiadas coisas à nossa volta. * Por baixo de qualquer pensamento, por baixo de qualquer acção, resfolgam os monstros. * Estar sozinho não passa de uma reconfortante ilusão. * Nasci, cresci, envelheci. Nada disto faz sentido.