Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasEterno retorno Erguemos a nossa fronte com o suor dos trabalhos. Que sempre escorrega farto dos nossos dias operários. Em cada sujeição esperamos derrotar o que nos subtrai à vida a serva condição. Que ela se atira a nós como fera em cio, e não perecer é nosso inteiro destino. Se gritássemos? – Nem mesmo assim louvariam nossas vozes. Dos males, só cantos para gentios. Que nossa salvação é ainda o resultado de um pranto que se adentra. Quando na labuta o corpo dele se deleita. Suor marejado… estamos sós, as estrelas brilham, e no fogo fechado afagamos as feridas. Tudo é pranto, brilho e suor, delírio vasto…. Estamos em terreno ósseo, longe, ossificados… Subir este Gólgota divino onde os braços que se estendem se volvem mesmo assim em garras e espinhos. Suamos! Estamos a andar, e quem és tu que não me vês em sangue e brasa Sem que me tragas água? Quem me tornei no topo, longe da gleba, curvada ao peso da mágoa? Alguém que te sonhou! E tão longe se encontrava. Que nós suamos ao subir a escarpa, e das frontes alagadas deixamos na terra rios. Toma-nos então para teu esquecimento que brandimos neste transe Sem nunca te ter ao lado. Que assim calado, esqueças também a dor que nos deste como hábito. Que tamanho anátema feriu a pressa das nossas asas, que voam do pavor da morte, ressuscitadas. Na carne transportamos todas as ossadas -que o minério também arde- ao sol quente da Terra. E se misturarmos as lágrimas – apenas eu ainda te amava- enquanto luz e caminho. Na tua criação deixaste-nos órfãos, que o amante transforma no amado, a dor da exclusão. E quem nos quer? Quem, depois de suados, crucificados, brandindo por teu amor na última expiação? Ninguém. E com nossos braços abertos, plangentes, suados, não encontraremos mais dor. Compunção. Mas chegados em entrega memorável, que os espinhos são agora um campo de trigo. E neste abandono, o cálice de um eterno vinho. Que tão grande amor, tão fresco e de seda, dessa sede nova composta em ti, É ainda abraçar-te, e não mais ter medo desta antiga ordem, deste primeiro martírio, desta epifania. Salva-nos, que somos divinos. Que os castigos são dos tempos idos, percursos também de liberdade que nos deste a conhecer. Só para tornarmos a Ti. Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser… Tortuoso é o caminho da eternidade. Nietzsche