José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasHaojing e o Tratado de 1554 [dropcap]P[/dropcap]elas ilhas do Sudoeste do Pacífico andavam portugueses alevantados, entre outros Fernão Mendes Pinto, a continuar a usar a estratégia de se misturarem com os mercadores das embaixadas dos países tributários para entrar na China; ou de barco, como piratas, intermediários entre desavindos vizinhos, dedicavam-se a trocar seda chinesa pela prata dos japoneses. Após Simão de Andrade e a derrota frente à armada chinesa em 1521, os portugueses foram proibidos de se acercar das águas de Cantão e rumando para Norte passaram a abastecer-se na Província de Fujian, onde se estabeleceram sem dar nas vistas e constituíram uma comunidade, tal como o fizeram em Liampó (Ningbo), Zhejiang. Até os portugueses descobrirem o Japão em 1543, as trocas eram feitas em alto-mar e os crescentes proveitos daí usufruídos pelos oficiais e mercadores dessas províncias levaram os mandarins de Guangdong a fechar os olhos à proibição de 1521, que trouxera a ruína às finanças provinciais. Voltaram os mercadores chineses semi-clandestinos a fazer trato com os estrangeiros em Lampacau e Shanghuan, quando aí morreu a 3 de Dezembro de 1552 o jesuíta Francisco Xavier. O Governo de Cantão, receando a sepultura tornar-se num local de peregrinação e poder trazer problemas, levado o féretro do Santo na monção seguinte para Malaca, trocou como porto de encontro o de Shanghuan pelo de Haoqing (Macau). Aí, nesse ano de 1553, os portugueses, a pretexto dos barcos danificados pela tempestade, pediram terra emprestada para secar as mercadorias e o haidao autorizou a estadia temporária em cabanas de colmo, que depois deviam ser destruídas. Habituados a negociar com os chineses, os mercadores portugueses como Diogo Pereira, Guilherme Pereira, Pedro Velho e entre outros, Simão de Almeida, estavam já habilitados como intermediários quando o Capitão-Mor da Viagem do Japão Leonel de Sousa, capitaneando uma esquadra de 17 navios, fundeou na ilha de Sanchoão em finais de 1553. Por isso, neles se apoiou para realizar os primeiros contactos diplomáticos, referindo Leonel de Sousa, Simão de Almeida, homem honrado e cavaleiro, que da China tem feito com muita diligência e desejos de servir Sua Alteza. Por algumas obrigações do seu serviço que lhe pus diante foi sempre honradamente e veio, e à sua custa, e além do que gastou. Soube que dera algumas dádivas a pessoas e oficiais do Aitão com quem negociou mais ‘brebe’ do que o pudera fazer sem isso. Nem eu servira Sua Alteza como o servi se não fora sua ajuda e Conselho, porque eu tinha pouco cabedal para suprir, mais do que supri nem ele o quis de mim e disse sempre que se nisso servia a Sua Alteza, que dela queria o galardão e não d’ outrem>. Queixava-se ter vindo à China numa embarcação de mercadores, , mas conseguiu fazer o assentamento de 1554 com o haidao Wang Bo, pondo fim ao ciclo dos Fu Lan Ki piratas e abriu o dos Fan Ian, com novos desafios e ritos. Capitão de Sua Alteza Leonel de Sousa (c.1500-c.1572), natural do Algarve e casado em Chaul, era fidalgo da casa de el-Rei D. João III e obtivera a mercê de duas viagens sucessivas à China por Carta Régia de 22/2/1547. A mercê real de mera licença não garantia a concessão de viagem, mas de uma nomeação para capitão-mor de viagens da coroa, com as vantagens inerentes, sob regimento do Governador da Índia. Esse regime de licença não dava os privilégios do que viria a ser a partir de 1550 os da viagem da Nau do Trato, quando a coroa instituiu o monopólio da viagem ao Japão. A concessão do exclusivo dessa viagem anual outorgava poderes latos ao capitão-mor, como a jurisdição sobre os portugueses do Oriente após os graves incidentes de 1547 e 1549 em Liampó e Chincheu. Em Goa, o Vice-Rei da Índia Afonso de Noronha (1550-54) recusou a Leonel de Sousa as viagens em nau da coroa alegando não ter D. João III mandado dar-lhe, pois se o mandasse ele daria, nem sequer ordenou que lhe fosse dado o ‘favor’ para a sua viagem, que diz ter sido dado a D. Francisco Mascarenhas e António Pereira, realizadas em 1556. Sem viagem oficial, a mercê permitia a alternativa de ser conferida licença para à custa do próprio, em seu barco realizar a viagem obedecendo ao regimento do Governador da Índia. Leonel de Sousa por lhe não terem bastado os meios, contentou-se em exercer a capitania na nau de mercadores, onde no terço emprestado de espaço embarcou a sua mercadoria destinada ao comércio na China. Em 1554, ainda em mar chinês Leonel de Sousa tomou medidas para acautelar a segurança dos navios e pessoas portuguesas que com ele iam e recomendou-lhes não provocarem fosse o que fosse que pudesse ‘alevantar a terra’. Encontrou os portos da China todos encerrados e as armadas impediam ‘fazer fazenda’ e perante tal situação, . A iniciativa partiu do Aitão (haidao) de Cantão, oficial “Almirante do Mar que provê em todo os negócios dos Portos do Mar, assim na Fazenda como Armadas, em que às vezes sai em pessoa com muito poder quando aí há causas para isso”, segundo Gonçalo Mesquitela (fonte principal deste artigo), que refere ter Leonel de Sousa, cuidadosamente observado os costumes chineses e as suas cortesias. O Aitão, antes de visitar os navios da frota, mandou inquirir cuidadosamente dos poderes trazidos para com ele poderem negociar. Resolvido ficou o ponto mais delicado, a proibição imperial de negociar com os Fu Lan Ki (como chamavam aos portugueses de Portugal e de Malaca). Ouvidos todos, Leonel de Sousa aceitou, considerando uma primeira vitória sobre o sistema anterior, de pura clandestinidade. Mesquitela remata, “O facto de pagar direitos era já um reconhecimento tácito da posição jurídica definida perante a coroa.”
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFracasso das embaixadas portuguesas à China [dropcap]J[/dropcap]orge Álvares chegou num junco de mercadores chineses à ilha de Lin Tin em Junho de 1513, sendo oficialmente o primeiro português a entrar na China. No Delta do Rio das Pérolas, a ilha de Lin Tin (Tamão) era o porto chinês de trato e para as embaixadas tributárias, de espera pela permissão de poder seguir no Rio de Cantão, a levar à cidade. Pela Boca do Tigre, estuário do Rio Zhu (das Pérolas), dependendo do país da embaixada aportava-se em diferentes locais, fazendo os do Sião porto em Lantao. Notícia dada a D. Manuel, logo o Rei para iniciar relações diplomáticas com a China enviou uma grande armada de dezassete barcos, que partiu de Lisboa a 7 de Abril de 1515, sendo capitão-mor Fernão Peres de Andrade. A missão era de passar à China e conduzir lá um embaixador português, escolhido por ele na Ásia. Seguia uma carta do Rei de Portugal para manifestar amizade e desejo de com os chineses estabelecer relações comerciais. Em Cochim foi Tomé Pires nomeado Embaixador. A armada de oito navios chegou a Lin Tin a 15 de Agosto de 1517 e uma esquadra chinesa, cruzando ao largo da ilha como protecção contra os piratas, fez “uns tiros contra os portugueses, sem contudo lhes produzir qualquer dano, e Andrade, em vez de retorquir ao fogo, deu todos os sinais de amizade, com os navios embandeirados e soando trombetas.” Assustou os chineses ao realizar uma salva de canhões. “Logo que lançou ferro em Tamão, . Respondeu o capitão chinês que fosse bem-vindo, pois pelos chineses que iam a Malaca já tinha conhecimento , mas se dirigisse ao Pio de Nantó, . Andrade enviou então recado ao Pio – que ao mesmo tempo mandara um mensageiro saber o que os portugueses desejavam – informando-o dos motivos da sua vinda e pedindo pilotos para conduzir a esquadra à cidade de Cantão. O Pio respondeu com palavras muito amáveis, mas que, para o efeito, teria de vir licença das autoridades de Cantão”, segundo Armando Cortesão. Em Setembro de 1517 estavam finalmente em Cantão e no ano seguinte os mandarins comunicavam a Fernão Peres de Andrade ter sido a embaixada aceite pela Corte Imperial, no entanto, só a 23 de Janeiro de 1520 Tomé Pires iniciou viagem até Beijing. A meio, em Nanjing esteve a embaixada com o Imperador Zhengde, mas oficialmente o encontro só poderia ocorrer na capital, onde chegou antes deste. O Imperador Ming vinha doente e morreu a 20 de Abril de 1521, sendo a embaixada cancelada e mandada regressar a Cantão, onde foi presa por apresentar documentos falsos, pois para a realizar usara direitos dos malaios. Nova tentativa falhada Fernão de Magalhães estava nas Filipinas quando a 5 de Abril de 1521 a segunda embaixada à China saiu de Lisboa levando Martim Afonso de Melo como embaixador do Rei D. Manuel. Em Malaca foi aconselhado em Julho de 1522 a não prosseguir devido ao confronto naval ocorrido em 1521, quando em Lin Tin a 8 de Julho morreu Jorge Álvares, e resultou os chineses proibirem actividades marítimas em Guandong. Mal a frota de Martim de Melo chegou ao porto de Tamão em Agosto de 1522, logo foi atacada pela armada chinesa, que de novo ganhou no confronto naval, perdendo os portugueses dois barcos, fugindo os restantes para Malaca. Num memorial ao trono jishizhong Wang Xiwen escreveu, “Durante o reinado de Zhengde (Imperador Ming entre 1505-21), os Folangji, disfarçando a sua nacionalidade, conseguiram entrar de maneira enganosa na China. Apareceram subitamente na Capital Provincial sem cumprirem os devidos trâmites e em contravenção intencional das nossas leis. Recusaram pagar o choufeng (taxa percentual). Chegaram a comer crianças cozidas e a raptar moços e moças. Construíram uma paliçada para se defenderem. Armados com armas de fogo, andavam a fazer e a desfazer. Estes bárbaros são tão numerosos como o rebanho e a alcateia. A sua ambição, tão vil como a de tigres e lobos, é imprevisível. Pelos esforços de Wang Hong, que então era o haidao, e de outros, os Folangji acabaram por ser expulsos”, Breve Monografia de Macau de Yin Guangren e Zhang Rulin. Relata o comportamento de Simão de Andrade, que viera buscar a embaixada de Tomé Pires e a encontrou a partir só então para Beijing. Em Lin Tin juntou-se aos alevantados portugueses, mercadores por iniciativa própria que deixavam o mar do cartaz e comerciavam pelo Mar de Bengala, Estreito de Malaca e Sudoeste do Oceano Pacífico, e provocou a batalha naval de 1521. O Papa Paulo III em 1534 criou o Bispado de Goa a que ficavam subordinadas todas as ilhas e terras descobertas, ou a descobrir, desde o Cabo da Boa Esperança. Por Direito, o Padroado Português do Oriente obrigava todos os padres a embarcar de Lisboa se quisessem missionar no seu território. Andavam já franciscanos e dominicanos quando em 1540 foi criada, com a bênção da Santa Sé e dos Reis de Portugal, a Companhia de Jesus. Logo o padre espanhol Francisco Xavier foi nomeado núncio apostólico para todo o Oriente. Primeiro jesuíta a partir de Lisboa, foi dele a ideia de realizar uma nova embaixada à China. Passavam trinta anos da desastrosa segunda embaixada, bem pior que a primeira. Terceiro fracasso O padre Francisco Xavier, após missionar pelo Japão, desejou fazer o mesmo na China e durante a viagem para Goa desafiou o amigo Diogo Pereira, com quem seguia desde Shanchoão, a conseguir uma embaixada à corte de Pequim; única forma de um estrangeiro entrar no Celeste Império e poder comerciar. Em Goa, onde chegaram a 15 de Fevereiro de 1552, Diogo Pereira falou com o Vice-rei da Índia Afonso de Noronha (1550-54) e como era rico pagou todas as despesas para realizar a embaixada, comprando à sua custa os presentes para em nome do Rei D. João III (1521-1557) entregar ao Imperador. Em Abril de 1552 partia a caminho da China o jesuíta e como capitão-mor da armada, composta por vários barcos e quinhentos homens, seguiu Diogo Pereira, nomeado pelo Vice-rei da Índia embaixador à corte de Pequim. Mas em Malaca, a armada não saiu do porto por inveja do governador da praça D. Álvaro de Ataíde da Gama (um dos filhos de Vasco da Gama), que se opôs à partida de Diogo Pereira e entregou a capitania da nau Santa Cruz a Luís de Almeida, reduzindo a vinte e cinco homens a tripulação por ele escolhida. O jesuíta bem tentou chamar à razão Álvaro da Gama, mas este ressabiado com Diogo Pereira não mudou a decisão e já sem nada poder fazer, o padre excomungou-o. Sem embaixada à corte da China, Francisco Xavier S.J. seguiu com o capitão Luís de Almeida na nau Santa Cruz, pertença de Diogo Pereira, e ainda em Dezembro de 1552 esperava na ilha de Sanchuang, para ser introduzido clandestinamente na China, quando morreu.