Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeDia da Mulher | Os desafios em prol de uma maior igualdade Agnes Lam, ex-deputada, e Christiana Ieong, dirigente do Zonta Clube de Macau, traçam os desafios actualmente sentidos pelas mulheres de Macau, apontando que há ainda espaço para uma maior igualdade em diversos sectores e por melhorias na lei laboral. Governo diz que tem vindo a atingir parte dos objectivos propostos até 2025 A fim de assinalar o Dia Internacional da Mulher, que ontem se celebrou, o HM perguntou a duas mulheres de etnia chinesa, dirigentes associativas e com posições de topo, quais os desafios actualmente sentidos pela população feminina do território. Agnes Lam, ex-deputada e académica da Universidade de Macau, entende que já muito foi feito, nomeadamente com a implementação da nova lei da violência doméstica, que tornou esse acto um crime público, mas entende que há ainda muito a fazer em prol de uma maior igualdade. “Penso que a maioria das leis garantem direitos iguais para as mulheres, como igualdade salarial e de acesso à educação. No entanto, temos questões de desigualdade ligadas à ideologia de género, o que mostra que há ainda espaço para melhoria nessa área”, disse. Agnes Lam destaca as poucas mulheres em cargos de topo ou a permanência de “estereótipos de género”. “As mulheres de Macau não estão devidamente representadas nos sectores público e privado. Assim, os papéis tradicionais de género e os estereótipos continuam a moldar as expectativas sociais e a limitar oportunidades”, acrescentou. São ainda necessárias, para a ex-deputada, mais “políticas que assegurem o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal”, com horários mais flexíveis e mais apoio para famílias com filhos. Já Christiana Ieong, dirigente do Zonta Clube de Macau, defende que as “os desafios são diferentes para as mulheres de diferentes classes sociais”, apontando que o Governo precisa de melhorar as políticas laborais a fim de favorecer as mães trabalhadoras, para que seja mais fácil contratar empregadas domésticas. “Sinto muito pelas mulheres trabalhadoras de classe média, e a maior parte das mães que têm os filhos na creche SMART estão nesta posição. As mulheres trabalhadoras sentiram muita pressão no período da pandemia e mesmo depois, com o trabalho adicional que é necessário fazer em casa. É difícil imaginar como se pode desenvolver assim uma carreira.” Desta forma, com leis mais ajustáveis à condição da mulher, será possível, na opinião de Christiana Ieong, que esta desenvolva uma carreira no mercado de trabalho local, “o que vai permitir acelerar o desenvolvimento económico de Macau na era pós-covid”. Objectivos cumpridos O Instituto de Acção Social (IAS) emitiu ontem uma nota onde se afirma que, no âmbito do plano de sete anos intitulado “Objectivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau” (2019-2025) já foram cumpridas 36 medidas de curto prazo de um total de 79. Há 24 medidas de médio prazo, a cumprir até este ano, “das quais 16 foram iniciadas e as restantes oito serão iniciadas sucessivamente” este ano. Há ainda 19 medidas, a implementar entre este ano e 2025, com quatro a serem “concretizadas de modo ordenado”. O Governo diz que tem vindo a promover medidas tendo em conta o conceito da “transversalização de género” através da organização de palestras com associações. Além disso, o IAS afirma que tem promovido o “Plano educativo da vida familiar”, com o objectivo de “aprofundar o trabalho educativo antes e depois do casamento” e “reforçar a consciência da população sobre a educação da vida familiar e o estabelecimento de uma boa relação matrimonial”. Incluem-se, assim, actividades que fazem a “promoção do conceito de casamento” ou promovem o “reforço de educação matrimonial”. Quanto à lei da violência doméstica, já há muitas vozes que defendem a revisão do diploma implementado desde 2016, mas o IAS apenas adianta que tem sido reforçado “o mecanismo de cooperação intersectorial e com as instituições de serviço social”, além de terem sido “optimizadas as orientações relativas ao processo de tratamento de casos de violência doméstica, sendo dada continuidade à promoção dos trabalhos de promoção e formação”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDia da mulher | O impacto da pandemia e a menor representatividade política Celebrou-se ontem o Dia Internacional da Mulher, mas, em Macau, o desequilíbrio na representatividade de género permanece activo em vários sectores. As mulheres são, para Christiana Ieong, do Zonta Clube, as maiores vítimas do impacto da pandemia. Esta acredita que mais dias de licença de maternidade podem trazer problemas às trabalhadoras do sexo feminino. Nedie Taberdo Palcon, do Sindicato de Trabalhadores Migrantes das Filipinas, diz que as condições de vida e de trabalho das mulheres migrantes pioraram Ser mulher em Macau no século XXI continua a significar não ter grande presença no sistema político, com cada vez mais jovens a procurarem um eterno equilíbrio entre a carreira e uma família. Ontem, celebrou-se o Dia Internacional da Mulher num contexto de pandemia que trouxe muitos impactos negativos à sociedade e à economia locais. Para Christiana Ieong, presidente da assembleia-geral do Zonta Clube de Macau, as mulheres foram as principais vítimas da pandemia. “Penso que a pandemia afectou mais as mulheres porque normalmente elas precisam de cuidar da casa. Com a pandemia, a maior parte das famílias não teve ajuda no trabalho doméstico, e muitos pais tiveram de trabalhar em casa e cuidar dos filhos ao mesmo tempo.” Para a responsável, a pandemia agravou uma situação que já antes se verificava. “Mesmo sem a covid-19, a nova legislação tornou mais difícil e caro contratar uma empregada doméstica. Isso não ajuda as mulheres a apostarem na carreira”, frisou. Christiana Ieong acredita que, se as mulheres são as que mais sofrem com este panorama, tal implica uma mudança em toda a estrutura familiar. “Haverá mais problemas familiares porque há mais stress económico e mental, sobretudo num panorama de desemprego. Mas penso que, acima de tudo, temos sorte, se nos compararmos com as regiões vizinhas, como é o caso de Hong Kong. Temos sorte de termos um Chefe do Executivo forte e competente para liderar nestes tempos difíceis”, disse, num elogio a Ho Iat Seng. Boa licença de maternidade Christiana Ieong, que foi ontem uma das oradoras num evento dedicado ao Dia da Mulher promovido pelas câmaras de comércio do Reino Unido e Austrália em Macau, defendeu ainda ao HM que aumentar os dias da licença de maternidade pode ter um resultado negativo para quem busca uma carreira. “Não é mau a fasquia de 70 dias de licença de maternidade em Macau, penso que é uma boa política. Se as mulheres tiverem mais dias de licença de maternidade ficam numa posição de menor vantagem em termos de recrutamento, porque os custos [laborais] para contratar mulheres vão aumentar. Não diria que o aumento dos dias de licença de maternidade pode não ser algo positivo para as mulheres e penso que a actual situação não é totalmente má. Os empregadores podem optar por contratar mulheres mais velhas, que têm menos possibilidade de engravidar.” Esta posição é, por exemplo, contrária à que tem sido defendida pelos deputados ligados à Federação das Associações dos Operários de Macau, que pedem que as grávidas possam ter direito a uma licença de maternidade até 14 semanas, além de exigirem que os empregadores concedam, por dia, uma hora de trabalho para que as mães possam amamentar. Sobre a igualdade de género em áreas como a política, a responsável defende que continua a haver um desequilíbrio. “Olhando para os dados e para a representação das mulheres na Assembleia Legislativa, vemos uma tendência de quebra. As mulheres têm menos voz na elaboração de políticas. Elas desempenham um papel muito importante nas famílias e, se tiverem uma maior representatividade, haverá um maior equilíbrio em termos de igualdade de género, o que leva a uma maior estabilidade social.” Actualmente, o hemiciclo é composto por apenas cinco mulheres (Angela Leong, Ella Lei, Song Pek Kei, Lo Choi In e Wong Kit Cheng) num total de 33 deputados. Relativamente ao elenco governativo liderado por Ho Iat Seng, Elsie Ao Ieong U, com a tutela dos Assuntos Sociais e Cultura, é a única secretária no grupo de cinco. Christiana Ieong pensa que mais mulheres em cargos de liderança significa maior igualdade na elaboração das leis, sobretudo em matéria laboral. “Haveria uma maior estabilidade se as leis fossem mais favoráveis às mulheres.” Segundo a agência Lusa, a Associação Geral de Mulheres teve um aumento do número de pedidos de ajuda desde que a pandemia começou. Dos 337 pedidos feitos em 2019, passou-se aos 1.236 pedidos de ajuda no ano seguinte. No ano passado, houve uma ligeira redução de casos, para 904. Ouvida pela Lusa, a ex-deputada e académica Agnes Lam também destacou um maior cenário de desigualdade de género. “A pandemia causou a algumas mulheres a perda dos seus empregos, perturbou o mercado de empregadas domésticas em Macau, aumentou as responsabilidades financeiras e familiares das mulheres, e dificultou a progressão das mulheres em Macau na carreira profissional, o que, de facto, afectará o progresso da igualdade de género”, salientou. Migrantes sofrem mais Se as mulheres parecem ter sido das principais vítimas da pandemia, as mulheres migrantes parecem ter sofrido ainda mais as consequências de cenários como a perda de emprego, quebra de vencimento e dificuldades económicas para continuarem em Macau. “Penso que o primeiro grupo a ser atingido foi o dos trabalhadores migrantes, mas não tenho informação suficiente para falar sobre isto. Mas não surpreende o facto de os migrantes serem as maiores vítimas [da situação]”, frisou Christiana Ieong. Nedie Taberdo Palcon, dirigente do Sindicato Verde dos Trabalhadores Migrantes das Filipinas em Macau, conta que a situação de enorme desigualdade verificada antes da pandemia se agravou nos últimos meses. “Todos sabemos que há muitos trabalhadores migrantes, sobretudo domésticos, que perderam o trabalho durante a pandemia. A falta de protecção social destes trabalhadores continua a ser um a realidade. Vimo-nos forçados a deixar o emprego sem regalias ou pagamentos. Até hoje, não temos direito a um salário mínimo como sempre exigimos. O fim do contrato antes do seu termo tem sido gritante se o trabalhador decidir não continuar com o mesmo empregador. Mesmo que faltem apenas um ou dois dias para o contrato terminar, ele é imediatamente banido nos serviços de emigração, sem a possibilidade de poder encontrar outro emprego.” Desta forma, Nedie Taberdo Palcon conclui que “os direitos dos migrantes continuam a não estar protegidos em Macau”. “Posso dizer que a situação é pior do que no passado. Os grandes problemas que os trabalhadores migrantes e as mulheres enfrentam hoje em dia estão ligados à mudança de emprego. Além disso, se o trabalhador ficar doente, é despedido pelo empregador para que este não tenha de suportar as despesas médicas. Desta forma, os trabalhadores vêem-se sem trabalho e com enormes despesas hospitalares para pagar, vivendo do apoio de doações feitas por associações e organizações não governamentais (ONG)”, adiantou. Além das frágeis condições laborais, Nedie Taberdo Palcon pensa que as ONG que defendem os direitos dos trabalhadores migrantes têm hoje menos voz no diálogo com as autoridades. “O Governo nunca nos ouviu ou convidou para qualquer consulta pública relacionada com os nossos direitos. Os nossos pedidos mais importantes passam pela revisão do nosso salário mínimo, do apoio financeiro para a renda de casa e cuidados de saúde e outras questões às quais continuam a fazer ouvidos moucos e olhos cegos”, rematou. Na liderança Teve ontem lugar no hotel St. Regis, em Macau, um evento para assinalar o Dia da Mulher, organizado pelas Câmaras de Comércio do Reino Unido e Austrália. Como temas, estiveram em cima da mesa a igualdade de género e a necessidade de quebrar barreiras no acesso das mulheres a posições de liderança na sociedade. Citada por um comunicado, Janet McNab, vice-presidente para a área das propriedades do Sheraton Grand Macao e St.Regis, destacou a importância de se atingir uma maior igualdade salarial entre homens e mulheres. “Macau é casa para muitas mulheres que assumem posições de liderança, e é uma honra conhecer e trabalhar com muitas delas que constroem, inovam e lideram todos os dias apesar dos desafios e das constantes mudanças no cenário de negócios”, frisou. O evento serviu ainda para a recolha de 130 mil patacas que serão doadas ao Centro do Bom Pastor, uma associação que trabalha com vítimas de violência doméstica e de outro tipo de abusos. Dia da Mulher | Governo comprometido com igualdade de género No Dia Mundial da Mulher, o Governo garantiu estar empenhado na concretização do plano Objectivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau (2019-2025). O documento foi publicado pelo Instituto de Acção Social e tem como objectivo global “permitir que ambos os géneros possam exercer os mesmos direitos”. Segundo o documento recordado ontem, depois de concretizados os objectivos, “espera-se que as mulheres (sobretudo as mais vulneráveis) tenham mais oportunidades de desenvolvimento em áreas como a participação política, carreira profissional, participação social, economia e bem-estar”. Ontem, o Executivo defendeu que para concretizar os objectivos é necessário tomar medidas concretas como o apoio às vítimas de violência doméstica, prevenir que as pessoas do género feminino caiam na tentação do jogo e ainda reforçar o papel da mulher e do homem na educação dos filhos. Como forma de garantir as medidas concretas, ao Governo diz ter realizado 18 sessões de formação para os funcionários públicos, associações e escolas do ensino superior sobre a “integração de género” e ainda um trabalho na comunidade através de curtas-metragens, aplicações de jogo Wechat e concursos para residentes com o tempo da igualdade de género.
Hoje Macau Manchete SociedadeDia da Mulher | Pandemia acelerou desigualdade de género no território Números de pedidos de assistência na Associação Geral de Mulheres mais que triplicou devido à pandemia. Perda de rendimentos e de emprego entre as principais causas das solicitações de auxílio Especialistas disseram à agência Lusa que a pandemia de covid-19 acelerou a desigualdade de género em Macau, com a Associação Geral de Mulheres a registar um aumento considerável de pedidos de ajuda nos últimos dois anos. Segundo a associação, o número de pedidos ajuda cresceu significativamente em comparação com o período pré-pandémico: 359 casos em 2018, 337 em 2019, 1.236 casos em 2020 e 904 em 2021. “A pandemia causou a algumas mulheres a perda dos seus empregos, perturbou o mercado de empregadas domésticas em Macau, aumentou as responsabilidades financeiras e familiares das mulheres, e dificultou a progressão das mulheres em Macau na carreira profissional, o que, de facto, afectará o progresso da igualdade de género”, salientou a professora associada da Universidade de Macau e ex-deputada da Assembleia Legislativa, Agnes Lam. De acordo com os últimos dados oficiais, a população feminina ainda é superior à população masculina, representando 53 por cento da população total, sendo que a taxa de participação da força de trabalho feminina é de 66,8 por cento. No entanto, “as mulheres representam 44,1 por cento do número total de funcionários públicos e 41 por cento do número total de líderes e dirigentes”, adiantou a deputada e vice-presidente da Direcção da Associação Geral das Mulheres de Macau, Wong Kit Cheng. A Associação Geral de Mulheres é uma das mais influentes no território ao nível da representação do género feminino, mas marcada por uma forte componente tradicional. Em 2013, recusou apoiar uma proposta de lei a criminalizar a violência doméstica. Licenças de maternidade Outra das questões onde a diferença de género fica marcada, é na legislação e na atribuição de uma licença de maternidade paga até 70 dias para as funcionárias. Apesar de a lei ter sido revista nos últimos anos, os homens têm direito a apenas cinco dias de licença de paternidade. Agnes Lam sustentou que Macau é uma sociedade com fortes valores tradicionais, na qual “o homem ganha o dinheiro, enquanto a mulher se ocupa das tarefas domésticas” e que a entrada das mulheres na política não é bem vista. “Isto é uma fonte de desigualdade”. “Além disso, muitas mulheres em Macau são novas imigrantes que casaram no país e têm poucos laços sociais próprios, o que as torna um grupo de alto risco para a violência doméstica em Macau”, acrescentou. De acordo com um último estudo governamental, datado de 2017, o Índice de Desigualdade de Género de Macau deixa o território em 14.º lugar, entre 189 países/regiões do mundo.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteChristiana Ieong, dirigente do Zonta Clube de Macau: “Aborto é questão social que precisa ser discutida” Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, que hoje se celebra, a presidente da assembleia-geral do Zonta Clube de Macau diz que gostaria de ver mais mulheres na política, mas que cabe ao Governo liderar esse processo. Christiana Ieong defende a despenalização do aborto para assegurar o acesso das mulheres aos cuidados de saúde e o seu poder de decisão. Sobre a violência doméstica, a responsável alerta para a baixa taxa de condenações Como está a correr a SMART Nursery desde a abertura? Com a pandemia, que estratégias foram implementadas em termos de gestão? Estamos muito gratos por este projecto porque podemos fazer algo de forma directa para as mulheres e crianças. Temos muita sorte e sobretudo no que diz respeito às crianças, cada vez que falamos com os pais vemos que todos estão agradecidos pelo trabalho que fazemos. Em termos das operações, depois do lançamento em Setembro de 2019, mas não muito depois, fomos atingidos pela pandemia. Este foi o maior desafio mas não apenas para nós. E gerimo-lo bem. Estivemos fechados durante quatro meses e nesse período aproveitei para pensar na gestão da creche. Com esta nova equipa avançamos muito em pouco tempo e esse foi o lado bom da pandemia. Tornámo-nos uma das mais populares creches em Macau, por isso estamos no caminho certo. Compreendemos o que faltava ao mercado e criamos um produto novo, focado nas famílias mais jovens, por isso não estamos a competir com as creches tradicionais, que funcionam há mais de 30 anos e que fazem um excelente trabalho. Incorporamos novos elementos educativos, damos liberdade e um programa estruturados. As crianças podem brincar, criamos um ambiente que estimula a exploração. O Dia Internacional da Mulher celebra-se hoje. Vê algumas mudanças na sociedade de Macau ao nível da igualdade e no acesso das mulheres a cargos de topo, nomeadamente na política? O Chefe do Executivo expressou as suas preocupações sobre a igualdade de género e acredito que vai fazer alguma coisa em relação a isso. Acredito nas suas palavras porque ele é um homem de honra, e o que ele diz e o que vê ele faz, e faz da forma correcta. Reconhece o problema. Mas a questão é que quando nos referimos à igualdade e ao empoderamento das mulheres, olhamos para os centros de poder e quem está lá? Na Assembleia Legislativa há poucas mulheres e até temos uma a menos [Melinda Chan, que não foi reeleita nas últimas eleições], e nunca concordei com isso. Mesmo os deputados nomeados são quase todos homens. No Conselho Executivo também não há muitas mulheres. Se o Chefe do Executivo abordou esta questão acredito que vai fazer alguma coisa. E mesmo nas eleições por sufrágio directo nunca vimos muitas mulheres a participar, e também por sufrágio indirecto. Porquê esta pouca participação na política? O Governo tem de estar na liderança em relação a este assunto, porque não é algo que aconteça já amanhã. Isto exige muita determinação, então se o Chefe do Executivo fez menção a este assunto é porque vai fazer algo. Ele é muito competente e tem uma forma de o fazer [promover a igualdade de género]. Veremos o que acontece nas próximas eleições. Mas as mulheres também precisam de se mostrar mais. O facto de poucas mulheres participarem nestas áreas é também um problema social. Sim. Precisamos de nos mostrar e aproveitar as oportunidades quando elas aparecem, sair da nossa zona de conforto. A pandemia afectou o papel da mulher na sociedade, a nível laboral e também familiar? Os problemas que já existiam tornaram-se mais evidentes? A gestão da pandemia tem corrido bem em Macau comparando com outros territórios. Mas o efeito secundário é sobretudo emocional, porque muitas crianças ficaram fechadas em casa sem escola e isso atingiu mais as mulheres, porque têm ocupado o papel central no cuidado dos filhos e da família, sobretudo as mães que trabalham. A lei laboral não nos ajuda muito porque torna a nossa vida difícil. É complicado contratar empregadas domésticas, e isso revela que quando estavam a legislar não houve muitas opiniões de mulheres, dadas as desvantagens que a lei tem para o nosso lado. O Governo tem de pensar em ter mais mulheres no hemiciclo para nos representar. É uma lei difícil e que não é prática. Como vou contratar alguém de fora, em regime interno, um completo estranho, através de uma entrevista online? No caso de uma ausência prolongada da empregada temos de contratar uma substituta, e isso causa muita pressão às mulheres, afectando o desenvolvimento da sua carreira. As mulheres migrantes estão numa situação mais frágil em relação à protecção dos seus direitos, em comparação com as mulheres locais? Os seus problemas são muito diferentes dos vividos pelas mulheres locais ou expatriadas. Em termos económicos falamos de níveis sociais diferentes. Não posso falar muito sobre esse assunto porque não se pode generalizar. Se o Governo melhorasse os salários destas trabalhadoras, estas poderiam estar num nível sócio-económico diferente. Penso que isso já foi feito, com o aumento do salário mínimo. É algo que está em progresso, está a melhorar. Que comentário faz ao trabalho da Comissão para os Assuntos das Mulheres e Crianças? Penso que fizeram um bom trabalho no geral, porque construíram o enquadramento para a garantia dos direitos das mulheres e crianças. Mas dentro da comissão há dois grupos pequenos, um para os direitos das mulheres e outro para os direitos das crianças, e são liderados por homens. Falamos da necessidade de dar mais oportunidades às mulheres, mas isso não acontece dentro desta comissão. Sobre a lei da violência doméstica. O Governo deveria avançar para uma revisão? A taxa de acusações ou de condenações continua a ser muito baixa. É preciso uma maior consciência. A minha preocupação reside na forma como a lei é implementada. É preciso sensibilidade para com as vítimas que têm de viver com este trauma. Será que as autoridades têm experiência suficiente, e formação, para tratar devidamente destes casos? É necessária uma nova mentalidade em relação à violência doméstica? Sim, e também para reportar estes casos as vítimas têm de confiar nas autoridades. Se não houver consequências para os que cometem o crime, porque é que as vítimas vão denunciar os casos? É necessária essa confiança. Há também a preocupação do aumento dos casos com o prolongamento da pandemia. Haverá um maior stress financeiro devido aos casos de desemprego e conflitos familiares pelo facto de as pessoas estarem em casa. Há muitas associações tradicionais em Macau que têm uma visão mais tradicional do papel da mulher. É preciso mudar isso, uma vez que essa visão acaba por influenciar as novas gerações? Sim, sem dúvida. Em tudo. Há uma forma de mudar para melhor e para o amanhã. Quem achar que é perfeito tem um problema. Temos de nos juntar para mudar a sociedade. As associações como a Associação Geral das Mulheres ou a União das Associações de Moradores têm feito coisas boas por Macau há várias décadas. Deve ser feito um reconhecimento ao seu trabalho. Mas há novas questões sociais de diferentes segmentos da sociedade e o Zonta Clube de Macau está aqui para fazer o seu trabalho também. Há coisas que não podemos fazer sozinhos e temos de fazer esse trabalho em conjunto. Há novos assuntos relacionados com as mulheres que precisam de ser abordados? A despenalização do aborto, por exemplo? Não sou anti-aborto ou pró-aborto. Mas olho para isso como uma questão social que precisa de ser discutida e com a qual temos de lidar. Todas as mulheres deveriam ter acesso a cuidados médicos em todas as alturas. E as mulheres têm o direito de decidir o que fazer com os seus corpos. Isto é básico. Então apostemos na legalização.
Isabel Castro Manchete SociedadeCasinos | Trabalhadoras dizem-se discriminadas na progressão profissional Estão em maioria, mas não são elas as escolhidas quando chega a hora de subir na carreira. As funcionárias do sector do jogo queixam-se de discriminação e dizem que não é fácil conjugar turnos e família. As ideias foram deixadas num colóquio para assinalar o Dia Internacional da Mulher Com Vítor Ng [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s mulheres que trabalham na principal indústria do território continuam a sentir-se discriminadas em relação aos homens, apesar de estarem em maioria. Além disso, dizem ter dificuldades na conciliação da profissão com a vida familiar, devido ao trabalho por turnos. Depois, há ainda a falta de flexibilidade das entidades patronais durante a gravidez. Estas foram algumas das queixas ouvidas ontem num colóquio organizado pela Associação Aliança de Povo de Instituição de Macau, uma iniciativa liderada por Song Pek Kei, deputada à Assembleia Legislativa e vice-presidente da organização. Em debate estiveram assuntos relacionados com a vida e o trabalho das funcionárias dos casinos – o objectivo foi oferecer uma plataforma para que os problemas possam ser discutidos. Ao HM, Song Pek Kei explicou que espera que, através das opiniões deixadas, se incentive a criação de um mecanismo de protecção e estratégias de apoio para que se possam resolver os dilemas dos trabalhadores do jogo, sobretudo do sexo feminino. “Nos dias que correm, as mulheres, além do trabalho, precisam de cuidar da família. Por isso, o stress que têm pode ser muito grande”, apontou a deputada. “A indústria de jogo é a parte principal da economia de Macau e há muitas mulheres que trabalham como croupiers”, acrescentou. “Como sabemos, os croupiers trabalham por turnos. As mulheres têm um stress maior, uma vez que têm de conciliar o trabalho e a família”, sublinhou Song Pek Kei. Grávidas com turnos De acordo com os dados deixados no debate, em meados do ano passado havia 55.708 funcionários a tempo inteiro no sector do jogo, com as mulheres a ocuparem 56,4 por cento dos postos de trabalho. Do total, 92,7 por cento de trabalhadores dos casinos estavam sujeitos ao trabalho por turnos. Song Pek Kei explicou que as funcionárias grávidas têm mais problemas relacionados com a saúde por causa do trabalho. “Algumas delas esperam que as operadoras possam ajustar, de forma flexível, as funções que podem desempenhar”, contou. A ideia é garantir às mulheres grávidas um horário laboral fixo, sem estarem sujeitas a turnos. Este sector da população activa também sente dificuldades na conciliação do trabalho com os filhos. Mais uma vez, são os turnos que criam obstáculos. “Algumas mães não conseguem ter um contacto constante com as crianças porque, quando chegam a casa, os filhos já estão a dormir. Por isso, não conseguem ter tempo suficiente para as crianças, o que poderá ter consequências para a relação entre mães e filhos”, observou. Não são só as questões familiares que preocupam as mulheres. “De facto, hoje em dia muitas delas apontam a questão da ascensão profissional, porque alguns chefes preferem dar aos homens a oportunidade de progressão na carreira”, lamentou Song Pek Kei. “As trabalhadoras do sector do jogo querem que as empresas lhes dêem possibilidade de frequentarem acções de formação e ajustem os horários de modo flexível, porque algumas delas não conseguem assistir a estes cursos por causa da família.”