David Chan Macau Visto de Hong Kong Vozes520 / Amo-te O Dia dos Namorados, ou Dia de São Valentim, celebra-se tradicionalmente a 14 de Fevereiro. Os homens compram flores e presentes para as suas amadas. Existem teorias diferentes sobre a origem do Dia de São Valentim. Uma delas defende que no séc. III AC, o sacerdote romano Valentim desobedeceu à ordem do Imperador que proibia a celebração de casamentos e foi mais tarde executado. Este evento passou a ser celebrado pelas gerações futuras dando origem ao Dia de São Valentim. A sociedade dos nossos dias é indissociável da Internet. A par do tradicional Dia de São Valentim, existem também o ‘O Dia de São Valentim em Rede’, ou seja, ‘520′. Segundo a informação divulgada online, ‘O Dia de São Valentim em Rede’ vem da altura dos “pagers”, amplamente utilizados na década de 90 do séc.XX. Neste período, antes do aparecimento dos telemóveis, as pessoas usavam “pagers” para comunicar entre si e expressar o seu amor umas pelas outras. Nos ecrãs apareciam vários números, cada um com um significado diferente. Por exemplo, ‘520’ queria dizer ‘amo-te’, ‘530’ significava ‘tenho saudades tuas’, ‘1314’ era igual a ‘toda a minha vida’ e ‘1711’ do fundo do coração’, etc. Porque é que os amantes usavam números em vez de palavras carinhosas? Não é preferível expressar o amor claramente? Isto devia-se ao facto de, nessa altura, só se puder enviar mensagens através de um operador da empresa do “pager” e as pessoas não podiam falar umas com as outras directamente. Os termos carinhosos “amo-te”, “toda a minha vida”, “do fundo do coração”, perderiam a sua doçura se fossem veiculados através de um operador. Usar os números para expressar sentimentos tornou-se uma forma romântica de os namorados manifestarem o seu amor. Na era da Internet, o uso dos telemóveis generalizou-se e os pagers deixaram de existir. No entanto, os códigos numéricos secretos 520, 530, 1314 e 1711 permaneceram. Os seus significados estão profundamente enraizados no coração das pessoas. Actualmente, ‘520’evoluiu para o Dia de São Valentim em Rede. Segundo informação online, os casais cortejam-se e mostram o seu amor em ‘520′. Por conseguinte, ‘520’ é também conhecido como “Dia Auspicioso para Casar”, “Dia da Declaração”, “Dia da Sedução” e “Dia do Namoro”. Dia de São Valentim em Rede celebra-se a 20 de Maio e, na China continental, ganha popularidade a cada ano que passa. A principal razão para isto acontecer é porque em mandarim, o homófono de “520” é “Amo-te”. Por ser fácil de usar na Internet, “520” é muitas vezes usado para dizer “Amo-te.” O homófono de ‘5201314’ é ‘Amo-te para sempre’ e o homófono de ‘520320179’ é ‘Amo-te, quero amar-te e que fiquemos juntos’. Outro motivo para a popularização deste fenómeno é o facto de alguns cantores da China continental usarem ‘520’ para intitular as suas canções. Posteriormente, ‘521’ passou a ser usado pelos amantes para dizerem “Aceito, também te amo”. Na China continental, muitos namorados e casais celebram este dia para expressar o seu amor pelo parceiro. O dia 20 de Maio, é marcado por muitas declarações de amor e propostas de casamento. As pessoas pensam que o seu relacionamento será mais bem-sucedido se se declararem a 20 de Maio, Dia de São Valentim em Rede. Diz “520” ao teu amor nesse dia e, se a declaração for retribuída, responderá “521”, ou seja, “Aceito”. É uma expressão calorosa e arrebatadora. Independentemente de estarmos ou não na China continental, todos podemos expressar o nosso amor pelos nossos bem-amados neste dia especial 520. Dizer amo-te docemente, oferecer um pequeno presente requintado, um ramo de lindas flores ou uma caixa de chocolates deliciosos são formas de exprimir amor. Não importa o presente que oferecemos, desde que possa transmitir a nossa sinceridade, o outro certamente que a irá sentir! Porque é que precisamos de expressar o nosso amor pelos nossos parceiros? As pessoas hoje em dia estão muito ocupadas com o trabalho e o mais provável é estarem todos os dias fora de casa entre 10 a 12 horas. Se quando regressam adormecerem sem falar uma com a outra, o que é que vai ser feito do seu amor? Se já tiverem filhos, em que direcção seguirá irá esta família? A declaração do 520 é uma forma de dizer à pessoa que ama que, apesar de trabalhar afincadamente noite e dia – na minha vida, continuas a ser a pessoa mais importante e estás sempre no meu coração. Este artigo será publicado no dia 21 de Maio. Como é que vais exprimir o teu amor pelo teu bem-amado? Por palavras? Com presentes? Com flores? Com chocolates? O amor é único. Só acontece entre ti e a pessoa que amas e o melhor presente é mostrar-lhe o calor do teu coração. Sabem o que é que vou fazer agora? Para além das palavras, dos presentes, das flores, e dos chocolates, vou enviar este artigo à minha mulher para que ela fique a saber, ‘Tu és a pessoa mais importante para mim’ ‘520 1711 1314’ E fico a imaginar como é que ela irá confessar o seu amor por mim. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDia-V [dropcap]N[/dropcap]os Estados Unidos, o dia de São Valentim de 2020 foi o mais consumista de todos com um gasto de 27.4 mil milhões de dólares. Houve mais jantares, mais presentes, mais dinheiro gasto. Mais amor consumista que se espalhou. Amor é amor. Mas o Dia V pode referir-se a outras coisas. No Dia-V o mundo também se chateia com a violência contra as mulheres e raparigas. Assédio, violação e mutilação genital feminina. No dia do amor e dos namorados aproveita-se para falar de coisas sérias. E há quem estique a discussão para a violência no namoro em particular, já que é o dia de se celebrar a relação amorosa. O amor é tão inequivocamente claro nas campanhas de marketing. Ninguém imaginaria que com ele também vem outro pacote de emoções e dificuldades que são difíceis de ser identificadas. Por vezes, e infelizmente, o amor é confundido com formas de violência, abuso e controlo. Ainda há pouco tempo decidi ver uma série romântica chinesa onde o amor obsessivo e controlador era de alguma forma legitimado. Um homem cheio de dinheiro faz uma miúda acreditar que ela tem leucemia e que ele é o único dador compatível para se aproximarem. De alguma forma isto foi entendido – depois de alguma zanga – como um gesto romântico. O amor é assim, faz-nos fazer coisas incompreensíveis, como às vezes nos querem fazer acreditar: ‘sempre para o bem do outro’. Amor bem-intencionado, era como se chamava a série em inglês. As estatísticas sobre a violência no namoro continuam más. A UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) em Portugal fez um inquérito onde 67% dos inquiridos naturalizavam alguma forma de violência no namoro e também onde 58% identificou já ter sofrido alguma forma de abuso. É muito. E como é que se identifica o abuso? Há o erro de pensar que as relações de antigamente é que estavam cheias destas confusões, de papéis de género ultrapassados, do tapa na cara quando o jantar não está pronto a tempo e horas. O amor destas gentes jovens e emancipadas pode não ser ultrapassado, mas carrega alguns legados que são traduzidos para as práticas sociais contemporâneas. Um novo milénio de telemóveis e híper-conectividade que em vez de libertar criou outras formas sofisticadas de controlo e de abuso. Sempre com o pretexto que o amor é bem-intencionado. Há quem entenda o Dia-V como o dia da vagina, se quiserem ainda o tom reivindicativo, mas menos violento. Um dia para o amor próprio para quem tem vaginas (que não precisa de ser necessariamente uma mulher, já cobrimos isso) e para quem não tem e que se identifica com a causa. Todas as vaginas precisam de uma dedicada atenção se quiserem atingir o seu potencial máximo. Vaginas de dinâmicas complicadas, onde é ainda difícil falar do prazer e de saúde. Onde se possa discutir as menstruações porque são um símbolo de transformação corporal que muitos preferem ignorar (em alguns países do mundo pessoas a menstruar têm que ser isoladas de tudo). Tantos direitos ainda por serem garantidos por esse mundo de gentes com vaginas menstruantes. Os dias especiais podem ser apropriados para re-significações importantes. No dia catorze de fevereiro, mergulhar na loucura de honrar namoros perfeitos com jantares perfeitos em restaurantes perfeitos é tão antiquado. Celebrar o amor, claro, e discutir abertamente as suas dinâmicas que vão desde à forma como se entende o sexo e o género às suas relações de poder. Discutir o amor até que nos sintamos confortáveis para praticá-lo nas suas formas relacionais, sociais e políticas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCelebrando o Namoro [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]is que o dia dos namorados voltou! Se eu procurar ‘valentine’s day’ nas bases de dados académicas, são as áreas de gestão e consumo que mais andam a publicar acerca deste dia. Porque o pessoal do marketing sabe que ‘celebrações que exigem troca de prendas tem um grande impacto na economia’. Consumir para celebração do amor romântico é, no mínimo, discutível. Que se ande a escrutinar as motivações para o consumo romântico, também me parece pouco… ia dizer ético, mas num mundo neoliberal não se discute a ética do consumo, só o promovemos desenfreadamente. Os resultados destes estudos, que equiparam a importância dos gestos amorosos com a troca de prendas, tentam compreender os significados associados a este dia, tão recentemente globalizado. Parece que as camadas americanas mais jovens (particularmente masculinas) acreditam que caso não presentearem as suas ‘mais que tudo’ no dia 14 de Fevereiro, que as suas relações podem ficar em risco. O pior é que a ideia de que esta é uma celebração que só existe para fazer mexer certas economias não lhes é desconhecida, mas simplesmente é negada em prol de expectativas sociais e relacionais. Vive-se num mundo muito estranho quando gestos de amor estão calendarizados e associados a comportamentos economicistas. Porque não há nada de errado em oferecermos coisas uns aos outros, nem ter um dia disto e daquilo: todos os dias do ano estão muito provavelmente associados a uma causa ou outra. O amor romântico tem todo o direito (e o dever) de ser celebrado, partilhado, reflectido e praticado. Se forem necessárias desculpas externas para ajudar a fazê-lo, ninguém tem nada contra. Aliás, dizem outros investigadores que o dia dos namorados obriga a que os casais pensem no seu amor. Ora tendem a enaltecer os aspectos positivos do relacionamento, para quem tem vindo a construir uma relação forte. Ora tendem a separar-se com mais frequência durante a semana anterior e posterior ao dia dos namorados, para os que têm o relacionamento por um fio. As más línguas acrescentam que uma ruptura antes do 14 serve propósitos de poupança. Acreditem ou não, mas há quem julgue que quanto mais cara a prenda, mais amor se presenteia. A preocupação é real. Há algo de perverso na forma como muitos namorados lidam com o dia São Valentim (de Roma!) – esse mártir que a igreja católica reconhece mal. O São Valentim continua a ser das histórias pior contadas no Martirológio (a palavra nova da semana). A história que se eternizou, mas que não se sabe bem se é real, é que o Valentim era o padre que andava a celebrar casamentos cristãos, a pessoas que não se podiam amar. A celebração do amor romântico a partir destes rumores de um santo no séc. V tiveram notoriedade dentro dos círculos ingleses medievais. Nessa altura começaram-se a escrever cartas uns aos outros finalizando com o que a tradução literal para português seria ‘queres ser o meu Valentim?’, i.e., ‘queres ser um mártir pela causa do amor? Desde o séc. XIV até os dias de hoje muita água já rolou, muito amor já se deu, e agora muitas prendas continuam-se a dar! Esta celebração até altera a nossa percepção das rosas e dos chocolates, e de toda a representação do amor romântico ocidental que tenta ser globalizado. Porque este dia anda agora a moldar as expectativas relacionais com uma preocupação excessiva pelo consumo, quando a reciprocidade romântica precisa de de um trabalho de intimidade e de uma reinvenção do que é romântico, para cada um de nós, e para cada casal.