Pedras na engrenagem

[dropcap]A[/dropcap]línea A) Pessoas que entram nos autocarros e estacionam o corpanzil logo à entrada, mesmo que não falte espaço no autocarro, sem qualquer noção de que os seus corpos têm volume ou que as malas que transportam são autênticos Himalaias que os outros têm de contornar.

Alínea B) Pessoas que não sabem que existem headphones, seja por usarem o modo “alta voz”, ou por acharem que a novela, jogo, ou música ranhosa que estão a ouvir é digna de ser partilhada com quem não quer.

Alínea C) Pessoas que não percebem a razão pela qual se forma uma fila para atendimento ou acesso a algo, que julgam ter prioridade no mundo por pertencerem a uma casta que as isenta de convenções sociais.

Alínea D) Pessoas que em conjunto com outras pessoas, igualmente culpadas, decidem parar em grupo causando o congestionamento de um passeio. Esta estirpe representa o equivalente social a uma trombose, bloqueadores de artérias que se estão a marimbar para o natural fluxo dos passeios já por si estrangulados de gente.

Alínea E) Pessoas que nem sequer exibem o mínimo de pudor em atirar lixo para o chão, como se a rua fosse uma extensão da sua badalhoquice privada. Totalmente imunes a olhares reprovadores. Esta coluna é pequena demais para conter todos os sub-grupos de pessoas que não estão prontas para viver em sociedade. Pessoas que deviam estar numa cave a ponderar comer as suas próprias fezes, sem compreender para onde vai o sol à noite, ou que existem outras pessoas.

7 Nov 2019

A corrupção eleitoral é um crime que faz com que os candidatos errados sejam eleitos

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente, os tribunais locais pronunciaram dois membros de uma associação que concorreu na quinta sessão eleitoral para a Assembleia Legislativa como culpados do crime de corrupção eleitoral, tendo para o efeito recebido sentenças de 18 e de 15 meses de prisão. Mas mesmo assim, várias pessoas manifestaram o seu desagrado com esta decisão, defendendo que esta sentença não vai conseguir mudar os resultados eleitorais já obtidos nem tão pouco deve conseguir dissuadir a própria tradição de corrupção eleitoral.

Mesmo atendendo ao facto de esta decisão judicial não ter poder para reverter os resultados do acto eleitoral em questão, conforme está estipulado na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa agora em vigor, não nos devemos esquecer que pode contudo servir de aviso para aqueles que aceitam receber ordens de outros em troca de recompensas materiais. No mínimo esta história serve para demonstrar que de facto se verificaram casos de fraude eleitoral durante o processo eleitoral para a quinta constituição da AL, sendo no entanto necessário realçar que os dados agora comprovados em tribunal representam apenas a ponta do icebergue. De forma a garantir que tal não volte a acontecer no futuro mas também que as próximas eleições decorram de uma forma justa e equitativa, o Governo da RAEM deve rever a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa e colmatar as eventuais lacunas que esta revelar. Ao mesmo tempo, o Comissariado Contra a Corrupção assim como a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa devem igualmente trabalhar de uma forma pro-activa para impedir que qualquer indivíduo se aproveite de possíveis falhas de rigor legislativas para assim se dedicar ao crime de fraude eleitoral. Isto deve ser feito o mais rápido possível de forma a prevenir que membros do público façam uso de associações para transferir favores ou outros benefícios a terceiras partes, sendo este um dos truques utilizados no passado para comprar votos, não obstante ser realizado de forma dissimulada. Além disso, a decisão do Tribunal vem informar o público que aqueles que se dedicam à compra de votos, quer através da oferta ou aceitação de subornos, estão de facto a quebrar a lei, constituindo este acto um crime que deve ser punido de acordo com a lei. E, mesmo que a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa não seja capaz de anular os resultados das eleições em causa, conforme acima mencionado, esta pode contudo acarretar consequências graves para os candidatos eleitos. As leis são sempre justas e correctas. Quem quiser acusar qualquer um dos candidatos da prática de corrupção eleitoral, tem invariavelmente de apresentar provas para corroborar essa mesma acusação. E, quando ficar provado que os membros de uma qualquer associação com candidatos eleitos para a AL cometeram de facto corrupção eleitoral, o caso assume contornos semelhantes ao que se verifica quando um empreiteiro contrata imigrantes ilegais para uma das muitas obras locais. Pois mesmo quando este se encontra numa situação de falta de mão-de-obra, o mesmo não pode deixar de ser responsável pela contratação ilegal de trabalhadores empreendida pelos seus subempreiteiros, nem que seja devido a uma obrigação moral. Da mesma forma, quando uma associação pratica corrupção eleitoral para conseguir a eleição dos seus candidatos, todas as outras associações são injustamente prejudicadas.

Já no que diz respeito aos candidatos eleitos, e de acordo com a premissa de que todos são inocentes até serem provados culpados, estes não são considerados como culpados de corrupção a não ser que existam fortes provas para o mesmo, e da mesma forma o seu estatuto de candidato eleito permanece válido e não deve ser desacreditado. Existem porém casos em que os membros de uma qualquer associação local utilizam o seu próprio dinheiro para proceder à compra de eleitores, mas estes casos devem contudo ser encarados de uma maneira diferente. Não nos podemos esquecer que o factor crucial para o sucesso de uma candidatura à Assembleia Legislativa é a escolha dos eleitores. Durante o acto de 2013, todas as assembleias de voto foram supervisionadas por fiscais de modo a garantir o cumprimento das normas. Mas que táctica foi então utilizada para garantir que certos eleitores votassem nos candidatos especificados por aqueles que procederam à compra de votos? Foi por esta mesma razão que eu decidi dedicar todos os meus esforços nos anos transactos ao fortalecimento da consciência cívica da população de Macau, ao mesmo tempo que procuro encorajar aqueles que considero serem não só incorruptíveis mas também como dispostos a servir a RAEM, a se candidatarem para a AL nas próximas eleições. Tenciono desta forma contribuir para que as gentes de Macau desenvolvam um novo respeito pelo processo eleitoral, ao mesmo tempo que se fortalece a tradição democrática na RAEM.

Mas para que isto se torne numa realidade, vai ser necessário não só melhorar a qualidade dos próprios eleitores como ainda rever e melhorar as leis que supervisionam todo este acto eleitoral. Na minha opinião, o Governo da RAEM tem de tornar público o relatório final que lhe foi submetido pela Comissão de Assuntos Eleitorais da AL, referente este às eleições legislativas de 2013, para que a população em geral possa compreender os problemas que temos de resolver. Assim sendo, qualquer futura revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa deve obedecer a uma análise analítica com vista a colmatar as lacunas aí contidas, especialmente no que diz respeito a um eventual cancelamento do próprio acto eleitoral.

Por fim, teremos de melhorar a educação cívica dos nossos cidadãos para que estes compreendam que, nas lides políticas, nada se colhe gratuitamente. Cada processo eleitoral acarreta os seus riscos específicos, mas como as penas para os infractores não são severas, muitos candidatos acabam por cair na tentação de quebrar a lei de modo a garantir a sua eleição. Mas, se estes mesmos indivíduos conseguirem na realidade conquistar o lugar e chegar ao cargo de legisladores, que futuro nos espera então? Em Macau, é comum ouvir as gentes do território compararem a AL a uma “assembleia de lixo” (em cantonense), mas será que algum destes dissuasores chegou a perder tempo para reflectir no que é necessário para impedir que esse lixo consiga entrar na Assembleia?

31 Jul 2015