Andreia Sofia Silva EventosONU | Escolhidos cartoons de Rodrigo de Matos e de Stephh para aniversário O cartoon “Desemprego pontual”, da autoria do cartoonista Rodrigo de Matos, foi um dos 30 seleccionados pela Organização das Nações Unidas para celebrar os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. O cartoon de Stephh, colaborador do HM, também foi escolhido [dropcap]A[/dropcap] precariedade laboral dos tempos modernos é o tema principal do cartoon de Rodrigo de Matos que foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para recordar os 70 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A efeméride comemora-se no próximo dia 10 de Dezembro com a publicação da declaração ilustrada com 30 cartoons de todo o mundo. O cartoon ilustra o artigo 22.º da Declaração, que aponta que “toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social (…)”, tendo sido publicado no semanário português Expresso em 2011. A escolha deixou Rodrigo de Matos, residente em Macau, surpreendido. “Não estava à espera”, contou ao HM. “Parece que eram mais de 500 cartoons, muitos deles de cartoonistas que admiro, a competir para ilustrar apenas um dos 30 artigos da Declaração”, acrescentou. Nomes como Silvano Mello, que publica na edição brasileira da revista Courrier Internacional, ou Elena Ospina, colombiana e “artista superpremiada”, são alguns dos cartoonistas que Rodrigo de Matos mais admira e que também foram incluídos nesta selecção. O cartoonista francês Stephh, que colabora com o HM, também viu o seu trabalho ser escolhido, e que ilustra o artigo 19.º da Declaração, relativo à liberdade de expressão. O cartoon de Rodrigo de Matos, que também colabora com os jornais locais Ponto Final e Macau Daily Times, retrata o período de crise económica que Portugal viveu quando recorreu à ajuda externa do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2011. Cartoon de Steph “O cartoon chama-se ‘Desemprego pontual’. Na altura falava-se em emprego precário e tinha saído uma notícia sobre pessoas que eram contratadas em regime de trabalho temporário, e que depois eram mandadas embora. Então imaginei um relógio gigante e um trabalhador sentado à sua secretária no ponteiro dos minutos, a escorregar para fora do relógio, à medida que o tempo passa e o ponteiro fica mais inclinado, para depois cair num caixote do lixo”, explicou. Rodrigo de Matos quis juntar a ideia da “fugacidade dos vínculos laborais que se praticam actualmente” com a noção de que “as pessoas são cada vez descartáveis nas empresas”. “Achei que esse cartoon se enquadrava bem no artigo 22.º da Declaração, que é sobre a segurança social, a que temos de recorrer quando falta o trabalho, por exemplo. Felizmente, parece que as pessoas também acharam”, apontou. Exposição em Macau? O Alto- Comissariado da ONU para os Direitos Humanos coloca a possibilidade dos cartoons seleccionados serem expostos em todo o mundo. Rodrigo de Matos não põe de lado a possibilidade de se vir a realizar uma iniciativa em Macau, mas prefere que as associações locais façam a proposta. “Nada impede que alguém ou alguma instituição traga essa exposição para cá. É mais fácil que uma associação que se sinta em condições e tenha interesse nisso avance do que eu andar a bater de porta em porta. Deixo a sugestão”, frisou. Apesar do seu cartoon ter sido seleccionado pela ONU, Rodrigo de Matos assegura que não se preocupa com um maior reconhecimento que daí possa vir. “Prefiro acreditar que o meu trabalho é relevante pelo que possa aportar ao leitor, por retratar de certa forma o momento histórico que vivemos. Quanto a louros não é algo que me mova, até porque, sendo já cartoonista num meio de comunicação de referência no meu país, como é o Expresso, há pouco mais que possa pedir a esse nível”, apontou. Chamada de atenção Tratando-se de um meio de transmissão de informação, o cartoon também pode ser uma forma de chamar a atenção do leitor para a questão dos direitos humanos, defendeu Rodrigo de Matos. “É uma linguagem que transpõe fronteiras pela sua universalidade. Passados 70 anos da apresentação da Declaração, em grande parte do mundo a maior parte dos artigos ali enunciados não passa de uma miragem. É caso para dizer aos governantes deste planeta: ‘querem que faça um desenho?’”, ironizou. O cartoonista assegura que, independentemente dos temas que rabisca, os direitos humanos são sempre uma temática presente no seu trabalho. “Sempre que um cartoon ataca um problema social é capaz de envolver um ou mais artigos da Declaração, como o direito à vida ou à liberdade de pensamento. São coisas que devemos desejar e lutar para que estejam disponíveis para todos os habitantes deste planeta.” Os 30 cartoons seleccionados vão dar origem a uma exposição que decorre em simultâneo nas cidades de Genebra, Haia, Dakar e São Paulo.
Sofia Margarida Mota EventosRodrigo de Matos, cartoonista: “Coloco-me na linha de fogo” Rodrigo de Matos é um dos cinco cartoonistas do território no “Barcelona X Macao Art of Illustration”. Para o criador de crónicas ilustradas, rir da tragédia é importante. O cartoon é fundamental enquanto alerta para os problemas da actualidade Tem formação em jornalismo, área em que trabalhou, mas está agora exclusivamente dedicado ao cartoon e à ilustração. Como é que esta passagem aconteceu? É preciso perceber que não sou um ilustrador puro. Sou um cartoonista editorial. O cartoon editorial, ao contrário do que muita gente pensa, não é um tipo de ilustração. É um trabalho diferente que usa outra linguagem. A ilustração ocupa, numa publicação, um lugar especifico e que é, como o próprio nome indica, o de ilustrar e embelezar textos. Já o cartoon editorial é mais do que isso: é uma espécie de crónica de opinião, escrita numa linguagem muito própria. A minha formação em jornalismo, bem como a experiência que tive depois da formação enquanto repórter, foram muito importantes. É por isso que posso dizer que tenho um conhecimento, teórico e prático, de como é produzida a informação. Penso que sei filtrar melhor o que são os acontecimentos da actualidade, o que está por detrás de determinadas situações e as suas implicações. Isso também é uma parte fundamental do meu trabalho enquanto cartoonista. O meu cartoon é, antes de mais, um trabalho de selecção do que é importante na actualidade e do que tem potencial humorístico também. Além disso, tenho de acrescentar a ilustração propriamente dita. Em suma, o meu trabalho implica o trabalho jornalístico e editorial em que é seleccionado o que é importante e em que analiso as notícias, tenho o trabalho de criar uma piada à volta disso e depois o de conseguir transmitir a ideia com a linguagem da informação. Acabou por fazer um curso em Madrid específico nesta área. Sim, na ESDP de Madrid aprende-se a trabalhar com uma diversidade grande de meios analógicos e tradicionais da pintura. Foi também ali que aprendi a produzir vários tipos diferentes de ilustração para ser publicada, desde ilustração infantil a desenho realista de cenas históricas e de animais como aqueles que vemos, por exemplo, numa enciclopédia. Foi um curso muito importante porque foi muito prático e foi onde aprendi o que me faltava: ter um traço mais profissional. Foto: Sofia Margarida Mota Já chegou ao seu traço? Sim, penso que sim, mas noto evolução a cada ano que passa. A graça de tudo isto também é esta evolução para que não esteja a fazer sempre a mesma coisa. Nos últimos anos fiz um esforço de conversão ao digital total. Já no final do curso, em Madrid, demos umas bases de utilização do Photoshop para o tratamento de desenhos feitos em papel. Quando comecei a trabalhar profissionalmente com cartoons, todo o meu trabalho era feito sobre papel, com canetas e lápis: primeiro era o esboço com lápis, depois com lápis azul e depois com uma caneta especial. Era um processo que envolvia três folhas de papel que depois digitalizava e coloria. Actualmente, já há uns tablets muito bons em que desenhamos sobre o ecrã e que são muito semelhantes ao papel. A tecnologia também já evoluiu tanto que a sensibilidade destas canetas digitais está muito próxima, se não mesmo melhor, do que as canetas tradicionais. Esta evolução tem sido muito positiva porque vejo que o meu trabalho não perde nada quando feito digitalmente, sendo que até pode ganhar. Recebeu, em 2014, o Grand Prix do Festival Press Cartoon Europe, na Bélgica. Em que é que este reconhecimento internacional projectou os seus desenhos? É difícil avaliar até que ponto isso aconteceu, mas penso que terá acontecido. Um prémio desses é uma coisa que valoriza muito qualquer currículo. Quais são as suas referências editoriais? Sou, desde sempre, um grande apreciador daquilo a que se pode chamar da escola norte-americana de cartoons. Os trabalhos que são publicados na imprensa de referência dos Estados Unidos da América têm uma linguagem e um humor típico que me influenciam muito. Como é que poderia caracterizar essa linguagem? É um pouco redundante falar em humor inteligente porque penso que todo o humor tem de ser inteligente. O humor implica uma actividade cerebral que leva à compreensão da piada. Os americanos são muito influenciados por uma escola associada à stand-up comedy de qualidade. É um humor mordaz e sarcástico e que não explica a piada, não dá tudo ao leitor. O que os cartoonistas americanos fazem, e que eu também procuro fazer à minha maneira, é contar uma história dando só um pequeno momento, aquele momento chave que é suficiente para perceber tudo o que se quer contar. Muitas vezes os cartoons pegam em situações trágicas da realidade. A estas situações junta o humor. Como é que lida com esta ligação? Ainda hoje, sempre que faço um cartoon acerca de um determinado tema mais triste, como um ataque terrorista com vítimas mortais, há sempre alguém que diz que o meu trabalho é de mau gosto. Penso que é uma questão muito cultural. Ainda achamos que o riso ofende, que o riso é uma coisa feia, proibida e má. Temos uma visão muito negativa do humor que, penso, nos é transmitida pela nossa cultura judaico-cristã. É um erro que pode ter tendência a ser corrigido nas próximas gerações, se o mundo evoluir numa direcção interessante. As pessoas têm tendência em confundir o tema da piada com o alvo da piada. Quando faço um cartoon acerca de um acontecimento com mortes, ou sobre uma doença que está a matar crianças, o que pretendo não é ridicularizar as vítimas, não é humilhar quem sofre. A intenção do cartoon é chamar a atenção para o que está mal. Quanto mais grave a situação é, mais pede um cartoon. O que se pretende, quando se faz este tipo de trabalho, é que as pessoas se indignem com o que está mal. O cartoon aponta o dedo aos paradoxos da condição humana. Se isso pode provocar o riso, é para que nos possamos também rir de nós. A nossa cultura, especialmente quando se fala de morte, tem um preconceito enorme. A morte é um grande tabu, é intocável. Não se pode falar dela, não se pode brincar mas, na realidade, a morte faz parte da vida, é a sua parte final. Quando um trabalho meu tem esse tipo de reparo, quando é considerado uma coisa de mau gosto só porque aborda o tema da morte ou do sofrimento das pessoas, procuro não me deixar perturbar. A verdade é que o meu trabalho é sempre susceptível de críticas. Coloco-me na linha de fogo. Um cartoonista, faça o que fizer, seja qual for o tema, vai ofender sempre alguém. Mas nem sempre a pessoa que se sente ofendida tem razão. Cresci a ouvir que não devia brincar com coisas sérias e nunca concordei com isso. Até hoje tenho tentado provar o contrário: as coisas sérias são coisas com as quais devemos brincar e que devemos abordar de todas as formas. Que temáticas mais gosta de abordar? Gosto precisamente das que são mais problemáticas porque representam um desafio maior. É arranjar uma piada no drama. Há sempre um lado irónico nas coisas. Uma situação trágica em que há várias mortes sem razão é uma coisa muito difícil. Mas são também estas situações que encerram em si uma ironia e um paradoxo muito grande. Estas características estão inerentes ao actual momento da nossa civilização. Somos tão avançados, somos capazes de realizações tecnológicas incríveis e, ao mesmo tempo, ainda aqui andamos a matar-nos por causa de homens invisíveis. Veio para Macau em 2009. Como é que esta vinda para o Oriente influenciou o seu trabalho? Macau apareceu na minha vida por acaso. Estava em Lisboa, tinha a colaboração com o jornal Expresso e vim cá visitar um amigo. Com a oportunidade de trabalhar aqui fiquei dividido. Acabei por optar por ficar em Macau precisamente por achar que teria um potencial de conhecimento maior se aqui ficasse. Pensei também em aprender a língua chinesa, um projecto que ainda não consegui concretizar. Ao tentar perceber uma cultura tão diferente da nossa, acabamos por ficar sempre mais ricos e por perceber melhor o próprio ser humano.