Buraco negro na educação

[dropcap]O[/dropcap] médico é um ser humano, por isso, quando adoece, deixa de ver doentes para não os contagiar. No caso dos professores, se tiverem problemas e não beneficiarem de uma supervisão adequada, são eles próprios e os seus alunos que ficam em perigo.

O recente caso de assédio sexual de uma aluna por parte do professor, não só provocou uma onda de indignação popular, como também fez soar o sinal de alarme no sector da educação. Casos semelhantes ocorreram mais do que uma vez no passado. Nos finais de 2019, um professor e uma estudante de Macau suicidaram-se no quarto de uma pensão. Este caso deu sem dúvida o alerta para o perigo das relações entre professores e alunos. Mas depois deste assunto ter caído no esquecimento, será que o sector deu mais atenção ao problema e envidou esforços no sentido de prevenir o abuso de alunos por parte dos professores? Esta temática pode ser considerada o buraco negro da educação.

Cada profissão tem o seu próprio código de ética cujo objectivo é impedir quem a pratica de se aproveitar de vantagens e privilégios e evitar prejudicar os utentes dos serviços. Estes códigos de ética contemplam a relação entre: advogados e clientes, médicos e pacientes. Segundo o código de ética dos profissionais da educação, professores e alunos não se devem apaixonar uns pelos outros e ter relacionamentos sexuais. No Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 6/2017 – “Homologa as Normas Profissionais do Pessoal Docente”, promulgado pela Governo da RAE, no que respeita à relação entre professores e alunos, apenas é referido que se deve “estabelecer uma relação de confiança e respeito mútuo com os alunos” e se deve “salvaguardar os direitos e interesses dos alunos”, o que é uma formulação muito genérica. Na totalidade do documento não são mencionados quaisquer requisitos respeitantes ao código de ética dos professores. O mesmo não sucede em Hong Kong, onde existe um “Conselho da Conduta Profissional na Educação”, formado por representantes dos professores, de grupos pedagógicos, representantes de pais e representantes do Governo. No código de ética dos professores vem claramente mencionado que “não poderão tirar partido da sua relação com os alunos para benefícios pessoais”.

A escola tem obrigação de ser um lugar seguro e é por isso que os pais lhes entregam os filhos. As autoridades escolares têm a confiança dos pais e são responsáveis por garantir que os alunos tenham professores qualificados. Para além do conhecimento técnico e do bom carácter, os professores também devem ser seleccionados com base na ética profissional. Ao longo das suas carreiras, os professores vão deparar-se com vários problemas, que requerem a supervisão e aconselhamento do director da escola e dos colegas mais velhos. No entanto, o aperfeiçoamento das condições para evitar a violação das leis é da responsabilidade das escolas. No caso recente do professor suspeito de ter assediado sexualmente uma aluna, a polícia não revelou detalhes, mas colocou-o sob investigação do Ministério Público, para proteger a vítima de danos secundários. A autoridade informou a comunicação social que esta abordagem, não só protegia a privacidade da vítima, mas também garantia o direito do público à informação e colocava o agressor em posição de vir a ser responsabilzado. Penso que esta é a abordagem correcta para lidar com a situação. A escola fez imediamente uma declaração pública e despediu o professor, o que me parece ter sido decisivo.

Existe um ditado na China que diz “Nunca é tarde de mais para reunir o rebanho mesmo depois de algumas ovelhas se terem tresmalhado”. Penso que este ditado contém apenas uma meia verdade. Reunir o rebanho apenas impede que as ovelhas venham a fugir de novo, não faz com que as que se perderam venham a ser encontradas. Os problemas acumulados no sector da educação estão ligados a um grande buraco negro, que devora silenciosamente os estudantes que lá se encontram.

Poderá a Proposta de Lei intitulada “Estatuto das escolas particulares do ensino não superior”, que está a ser submetida à análise na especialidade na Assembleia Legislativa há mais de um ano, criar um ambiente seguro para os estudantes e estabelecer as linhas administrativas e operativas das escolas privadas? Poderá ainda eliminar o buraco negro do sector da educação? Todas estas são questões importantes para o Governo, os educadores e a comunidade trabalharem.

Infelizmente, os estudantes são alvo de muitos incidentes nas escolas, que nunca deverão ser ignorados pela justiça. Os professores e os directores têm a responsabilidade de proteger os estudantes dentro das escolas. Devemos deixar que o Sol brilhe nos locais de ensino para fazer desaparecer para sempre o buraco negro.

19 Jun 2020

LAG

[dropcap]V[/dropcap]azio, vácuo, ausência de matéria e energia num lugar sem espaço ou tempo. Cientistas do mundo que se dedicam às grandes questões da física, olhem para a Assembleia Legislativa durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) e deliciem-se com o case-study de antimatéria e buracos negros. Suspeito que o saudoso professor Stephen Hawking ficaria abismado numa sessão plenária de LAG, o equivalente político a um buraco negro supermassivo, sugando matéria e significado de gestão pública para o esquecimento.

No final da semana passada, enquanto se teciam parte das linhas com que vão ser cosidas as políticas para governar Macau, a deputada Chan Hong trouxe para a Assembleia Legislativa a pertinente questão dos panfletos pornográficos distribuídos nas imediações dos casinos. Assunto de maior relevância política, ainda para mais quando de pornográfico nada têm, contendo um nível de indecoro normalmente ultrapassado pela mais básica publicidade a cosméticos. Adaptando a citação aristotélica “O Homem é um animal político, por natureza” ao universo filosófico de Chan Hong o resultado seria algo do género: “O Homem é um animal, olhem-me para esta badalhoquice, valha-me deus”.

Mak Soi Kun, essa luminária da ciência política e infiltrações em construção civil, trouxe para a casa das leis a fundamental questão do papel higiénico nos sanitários públicos. Claro que se podia aproveitar a presença dos secretários no plenário, que tem o dever de fiscalizar a acção do Governo, para discutir o eterno berbicacho legal das terras, as vindouras negociações das licenças do jogo, os desafios ao segundo sistema face à integração regional. Mas não. Papel higiénico, ora pois. Imagine, caro leitor, que está na encruzilhada fisiológica, onde é tarde demais para voltar atrás, e se depara com apenas uma sanita. Papel higiénico, nem vê-lo. Imagino Mak Soi Kun a discursar inspirado em JFK: “Não perguntes o que o país pode fazer por ti, pergunta antes como vais limpar o rabo!”.

Outra das pérolas de enaltecimento de debate político foi protagonizado por David Fong, o académico que trouxe para a AL a elevação intelectual e o espírito científico, segundo analistas políticos aquando do anúncio dos deputados nomeados. O Professor Fong introduziu o sempre agradável tema do nativismo burgesso na discussão das próximas políticas a implementar pelo Executivo. O académico tem andado preocupado com uma questão de linguagem corrente. A expressão “pataca portuguesa” causa-lhe brotoeja, um certa urticária na epiderme ao nível da xenofobia. Não querendo perder o barco da boçalidade nacionalista, Fong pediu ao Governo que faça algo para que a expressão linguística desapareça. Mas o quê? Multas para quem ponha “portuguesa” à frente de pataca? Enfim, grandes questões de enorme relevância para a governação futura do território. Thomas Jefferson uma vez aconselhou “nunca gastes o dinheiro que ainda não ganhaste”. Esta citação adaptada por Fong tomaria uma forma como: “nunca menciones o dinheiro que evoca bigodaça, pastéis de bacalhau e Cristiano Ronaldo”.

Outro dos grandes momentos, até agora, das LAG foi protagonizado por Tai Kin Ip, o técnico espírita que dirige os Serviços de Economia. Fazendo uso do imenso talento que caracteriza os quadros técnicos do território, um dos homens fortes da economia prometeu contactar um arquitecto para resolver questões de direitos de autor. Um problema no plano de Tai Kin Ip: a pessoa em questão faleceu há seis anos. Em respeito pela sua memória, abstenho-me de adaptar uma citação para caricaturar algo que está demasiado além da caricatura.

Estas pequenas pérolas de vacuidade política são apenas aperitivo para o que está para vir. O surrealismo prossegue com as LAG das tutelas de Alexis Tam e Raimundo do Rosário. Adivinha-se mais matéria, energia e significado sugado para o vórtex do buraco negro político. Prevejo mais manifestações de desavergonhada idiotice, tacanhez orgulhosa e total ausência de vontade de legislar, de esculpir corpos de leis que resolvam os problemas de Macau.

Por vezes é penoso assistir às LAG. Quem reporta o que passa chega mesmo a questionar tudo, incluindo a própria razão de existir, mas, acima de tudo, a utilidade prática do órgão legislativo. Estamos na recta final de um Executivo. Deveria ser tempo para balanços governativos e anúncio de derradeiras prioridades, mas isto digo eu, um mero observador.

Para terminar em beleza, seguindo o mote citador, deixo ao caro leitor um punhado de palavras de Napoleão Bonaparte: “Na política, a estupidez não é obstáculo”. Tenham uma boa semana.

3 Dez 2018