Carlos Morais José Editorial VozesA Via do Meio A partir do século XVI, podemos afirmar que foi através dos portugueses, nomeadamente padres jesuítas, que a China foi sendo cada vez mais conhecida e discutida na Europa. O “Tratado das Cousas da China”, escrito por Frei Gaspar da Cruz (1520-1570) e publicado em Évora por André de Burgos em 1569 “é, tanto quanto hoje se sabe, o primeiro texto impresso integralmente dedicado ao Celeste Império”, lê-se na introdução de uma edição portuguesa de 2019, efectuada pela Universidade do Porto. Muitos outros textos se seguiram, como os curiosos diálogos que constituem o “Excelente Tratado” (1590), de Duarte Sande e Alessandro Valignano, e também as cartas originárias da própria China, escritas por esses sacerdotes missionários. Lembramos também aqui, a título de exemplo, as importantes “Relação da Grande Monarquia da China” (1637), de Álvaro Semedo, SJ, seguida pela “Nova Relação da China” (1668), de Gabriel de Magalhães, SJ. Se a primeira é, no dizer de António Aresta, “uma das obras magnas do amanhecer da sinologia europeia”; a segunda foi admirada por toda a Europa culta pela sua minúcia e extensão. Resumindo, foi em grandíssima parte pela mão de portugueses, ainda que grande parte deles escrevesse em latim, que a China foi aos poucos ocupando um lugar importante no imaginário intelectual europeu. Infelizmente, a partir de finais do século XVIII a sinologia em língua portuguesa conheceu um longo período de pousio, cujas razões não vamos aqui dissecar. Em Macau, durante o século XX, assistimos à republicação das referidas obras, feita graças aos esforços solitários de Luís Gonzaga Gomes e, na década de 90, sob a égide do Instituto Cultural de Macau. Contudo, se estas obras fundamentais foram de novo impressas, algumas delas pela primeira vez em língua portuguesa, pouco ou nada foi feito para estimular os estudos sinológicos. Tem sido, sobretudo, no Brasil que têm surgido estudos sobre a China em língua portuguesa, estando agora, no século XXI, a academia portuguesa a despertar de décadas de apatia e desinteresse por esta área de estudos. Sem pretensões excessivas, desde o seu aparecimento em 2001, que o Hoje Macau tem divulgado nas suas páginas temas relacionados com a Cultura Chinesa em língua portuguesa. Publicámos traduções de poemas, de textos fundamentais do pensamento chinês, cuja tradução estimulamos e que vamos vertendo em livros através da editora Livros do Meio, estudos de Macau (que consideramos integrantes da sinologia em português), artigos sobre mitologia, antropologia, história, etc.. Porém, entendemos que chegou a altura de intensificar este nosso propósito. Para isso criámos esta nova secção, intitulada “Via do Meio”, que diariamente apresentará aos nossos leitores artigos e traduções pela pena de alguns dos sinólogos que se expressam em língua portuguesa, bem como entrevistas com estes especialistas, a propósito dos seus trabalhos. Aproveitando estes textos, será publicada bimensalmente uma revista com o mesmo título, “Via do Meio” (em formato digital) que, ao que sabemos, será a primeira do género na língua de Camões. Esperamos que os nossos leitores sigam estes trabalhos com o interesse que merecem, pois acreditamos que é através do conhecimento mútuo que os povos criam laços mais duradouros e se evitam muitos dos mal-entendidos que, naturalmente, surgem quando diferentes civilizações se encontram, sobretudo hoje, neste espaço, partilhado e cada vez mais exíguo, a que chamamos Terra.