José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO final da boémia vida de Albino Paiva [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m artigo anterior, deixamos a história de Albino Francisco de Paiva de Araújo após o regresso da viagem a Portugal que fizera com a sua esposa, a Thérèse Blanche Lachmann, aliás Madame Paiva. Camilo Castelo Branco referia, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio”. Tal visita desmente as versões a circular sobre o dia seguinte ao casamento ocorrido a 5 de Junho de 1851 e que teve como uma das testemunhas o escritor Theophile Gautier. Segundo diz Viel-Castel, nas Memórias de Conde Horace, no dia seguinte a casar a nova Madame Paiva entregou ao marido uma carta em que punha termo ao casamento. Já sobre o que ocorreu em Paris, Peter Flectwood-Hesketh refere, “Na ópera com Florentino [o jornalista napolitano Angélico Florentino], uma noite, em 1852 (ano seguinte a se ter casado com o Paiva), o cônsul alemão, Félix Bamberg, apresentou-a a Guido, conde Henckel von Donnersmark, austero mas belo jovem de 22 anos. Apesar de ser 11 anos mais novo do que ela, Guido ficou imediatamente cativo pela deslumbrante marquesa. A princípio ela apenas se divertia com a sua enfatuação; depois jogou com ele um jogo caprichoso de gato e rato. Só quando ele, desesperado, fugiu para Berlim, ela reconheceu em si uma afeição real por ele. Ela seguiu-o e lá começou uma relação que, acrescentada ao ambiente de segurança financeira que oferecia, aproximou-se mais do amor e do romance do que qualquer outra na sua vida calculada e egoísta, durante e até ao fim. Guido era herdeiro duma antiga família, cuja principal propriedade era Neudeck, perto de Tarnovitz, na Silésia [subúrbios de Munique], com valiosas minas de zinco, ferro e carvão. De Berlim foram para Neudeck, regressando a Paris, onde, em 2 de Dezembro, o príncipe Luís Napoleão recebeu o título de Imperador Napoleão III”. (…) “Ela partilhou com Henckel o entusiasmo pela música, sobretudo de Richard Wagner, assíduo visitante. A princípio evitava familiaridades com Guildo; mas quando o teve seguro, submeteu-se a este silencioso e apaixonado alemão. A adicionar a esta resposta amorosa, a sua experiência e habilidade nos negócios ajudou-o imensamente e ganhou a sua devoção e a gratidão durante toda a vida”. E continuando com Flectwood-Hesketh, “A casa de Teresa no Lugar de S. Jorge tornou-se mais uma vez o popular ponto de reunião do círculo literário, musical e artístico com grande desgosto da princesa Matilde, prima do imperador, que via naquilo uma invasão na sua área reservada, bem como da respeitável sociedade parisiense, que olhava para Teresa como pária intocável. Entre os habituais frequentadores de Teresa, quase todos do sexo masculino, contavam-se Paul de Saint-Víctor, León Gozlan, Émile de Girardin, Jacob Ponsard, Émile Augier, os irmãos Goncourt, Arsène Houssaye, Théophile Gautier, Sainte-Beuve e o austeno Taine. Entre os seus amigos havia também financeiros, que a ajudavam com conselhos salutares”. Regresso a Portugal Albino Francisco de Paiva de Araújo, após se separar da judia polaca, continuou por mais algum tempo na vida de boémia em Paris, onde gastou o que lhe sobrava da herança, que Camilo Castelo Branco referia, “uma fortuna de 400 contos de réis, que nessa época estariam reduzidos à décima parte” e veio para o Porto já endividado. E continuando com este escritor, que diz ter Albino Araújo abandonado a sua esposa dois anos decorridos, “mais ou menos espontaneamente, a um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordéis parisienses, e regressou a Portugal com bastantes malas inglesas, uma dúzia de floretes, outras tantas caraças e manchetes, afora algumas dívidas. A mãe pagou-lhe as letras, e perdoou-lhe o casamento e a dissipação do património”. E continuando com Camilo Castelo Branco, “Durante quatro ou cinco anos, Paiva viveu muito recolhido no Porto, mas frequentando pouco a convivência da mãe. Habitava uma casinha de duas janelas, situada na extremidade do jardim. Saia de noite, recolhia de madrugada, e passava o dia a comer e a dormir. Um escudeiro levava-lhe em tabuleiro coberto o almoço e o jantar da cozinha da mãe, que ele raras vezes procurava. Era-lhe odiosa, porque lhe não dava dinheiro para sair de Portugal, e apenas lhe enviava mensalmente o necessário para dignamente se tratar na sociedade pacata, frugal e económica do Porto. Em 1855 e 56 encontrei-o muitas tardes nos pinhais e carvalheiras da Prelada e de Lordelo, passeando com uma francesa de muita vista, escultural, com a trança dos cabelos louros desatados sob as amplas abas d’um chapéu de palha azul ondulante de fitas escarlates. Se eu procurasse o nome dela na sepultura para lh’o dizer, não o acharia, porque a francesa, d’um espírito raro, morreu na obscuridade da pobreza, e d’uma velhice que redime e pede perdão para os delitos da juventude. Dessa época lembram-me dois episódios de Paiva Araújo. A Macaense dera azo a que se soubesse cá fora que o filho a quisera matar com veneno, para empolgar a herança. O Jornal do Porto dera a notícia com discreta prudência; mas Paiva foi insultar com ameaças de azorrague o honrado proprietário daquele jornal, que desviou de si a responsabilidade da notícia, aliás verdadeira. O outro caso, mais cómico pelas consequências, foi um duelo à espada, por motivos melindrosamente caseiros, com um fidalgo portuense chamado D. António Peixoto Pinto Coelho Pereira da Silva Padilha de Sousa e Haucourt, simplesmente. Se bem me recordo, Paiva Araújo desarmou, com pouca efusão de sangue, o contendor, D. António, alucinado com o êxito do duelo, atirou-se da ponte Pensil sobre… um barco rabelo de batatas que vinha mansamente descendo o Douro. E saiu sem contusão de entre as batatas que, de certo, não eram tão macias e flácidas como as almadraques de um kalifa de Córdova. (…) Em 1860 encontrei Paiva Araújo em Braga, leccionando francês no colégio da Madre de Deus, no palácio dos Falcões, onde uma família estrangeira tentava inutilmente a fortuna. O marido de Branca Lachmann, nesse ano, trajava menos que modestamente. O seu casaco e chapéu, em tais condições, não lhe os aceitaria um dos seus antigos criados”. Jorge Forjaz refere, “Depois da separação, Paiva Araújo voltou a Portugal, conservando-se algum tempo no Porto. Mais tarde ainda tornou a Paris, de onde / de quando em quando vinha ao Porto visitar a mãe. Lutava já com os últimos recursos, completamente esbanjada, não a legítima como a própria herança paterna. Entretanto, Blanche Lachmann já fisgara um novo amante – desta vez tratava-se do Conde Henckel von Donnermarck, magnata de cobre na Silésia e primo de Bismarck”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasMarquês por coincidência de apelido [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o escrever sobre um macaense, logo os seus apelidos mostram uma teia de casamentos que nos obriga, para dar um enredo coerente, a desmultiplicar as pesquisas por uma série de gerações e famílias. Assim, como a maior parte delas tem parentescos entre si, não faltará em Macau, por muito que custe, quem seja familiar de Albino Francisco de Paiva de Araújo (1824-1872). O Padre Manuel Teixeira refere, “Era filho de Mariana Vicência de Paiva, de raízes beirãs, e de Albino Gonçalves de Araújo, de raízes brasileiras. A sua genealogia entronca com macaenses ilustres, oficiais do Exército e da Armada” e sobretudo ligadas ao comércio, sendo nessa altura o ópio a mercadoria mais importante e de maior valor, que levou nos séculos XVIII e XIX ao enriquecimento dos muitos europeus a viver em Macau. A mãe, Mariana Vicência nascera a 22-7-1802 na “Cidade do Santo Nome de Deus”, sendo filha de Inácia Vicência e de Francisco José de Paiva. O pai do nosso biografado era Albino Gonçalves de Araújo, natural do Rio de Janeiro, Brasil, da freguesia de Nossa Senhora de Candelária, (e segundo Jorge Forjaz nascera em 1797), vindo a falecer em Macau a 24 de Janeiro de 1842, sendo filho de José Gonçalves de Araújo, natural da Ribeira da Pena e de Ana Francisca de Araújo, nascida em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. Albino José Gonçalves Araújo foi inspector encarregado da aferição dos pesos e medidas e da taxação dos géneros alimentícios, o “almotacé da Câmara em 1824 e irmão da Santa Casa da Misericórdia, eleito a 9 de Abril de 1829” e “era proprietário do navio Conde de Rio Pardo, que fazia viagens para o Rio e Lisboa. Deixou uma grande fortuna, que foi depois criteriosamente administrada e aumentada por sua mulher”, D. Mariana Vicência de Paiva, com quem se casara “no oratório das casas de seu sogro (freguesia de S. Lourenço) a 7 de Novembro de 1823”, segundo Jorge Forjaz quando fala da família Araújo, mas, ao tratar sobre os Paiva refere a data de 8 de Janeiro de 1823. Já o Padre Manuel Teixeira indica que a 7 de Janeiro de 1823 foram casados pelo Frei João de Sto. António, O.F.M., comissário da Terra Santa e Vigário de S. Lourenço, tendo como testemunhas o conselheiro Manuel Pereira e o comendador Domingos Pio Marques. As famílias Paiva e Marques A mãe do nosso biografado, Mariana Vicência de Paiva nasceu na freguesia de S. Lourenço em Macau a 22-7-1802, segundo o P. Manuel Teixeira, enquanto Jorge Forjaz indica o dia 21, sendo baptizada aos 28 desse mês e morreu no Porto, na Rua de Santa Isabel a 26 de Maio de 1885. Era ela filha legítima de Francisco José de Paiva e de Inácia Vicência Marques, duas das mais influentes famílias de Macau, que enriqueceram com o comércio marítimo. Ambas, os Paiva e os Marques, eram provenientes do lugar de Vila do Mato, freguesia de Midões, concelho de Tábua, Beira Alta e o pai de Inácia Vicência, Domingos Marques chegara a Macau por volta de 1760. Sendo Francisco José de Paiva, o marido de Inácia Vicência, também nascido na mesma localidade (lugar Vila do Mato), parece ter chegado a Macau chamado por Domingos Marques. Assim Francisco José de Paiva, nascido c.1758, viera para Macau por volta de 1780 e casou-se na Sé a 24 de Novembro de 1795 com Inácia Vicência Marques. Foi comendador da Ordem de Cristo e faleceu a 27 de Novembro de 1822, ficando sepultado na Igreja de S. Francisco. E continuando com as informações de Jorge Forjaz, “Depois da sua morte a sua firma passou a denominar-se Viúva Paiva & Filhos e tinha escritórios em Cantão, que eram dirigidos por Joaquim José Ferreira Veiga”. Inácia Vicência Marques, avó pelo lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo, era filha de Domingos Marques e de Maria Ribeiro Guimarães, natural de Macau. Domingos Marques, que faleceu em Macau a 12 de Janeiro de 1787, “foi procurador do Senado em 1768, 1783 e 1784 e exerceu ainda os cargos de escrivão do Leal Senado e de juiz e administrador da Alfândega. Em 1774 foi eleito almotacé da Câmara. Deve ter-se dedicado ao comércio, onde certamente realizou capitais substanciais, pois foi proprietário do Mato do Bom Jesus e deixou à Santa Casa da Misericórdia o importante legado de 1015 taéis”, segundo Jorge Forjaz. Já Benjamim Videira Pires refere que Domingos Marques “foi Fidalgo da Casa Real, com brasão de armas, irmão de Marques de Távora, no reinado de D. José I” e daí a nota que Jorge Forjaz dá do testemunho de Alberto Alemão, que diz, “Domingos Marques era estribeiro-mor do Duque de Aveiro e foi envolvido também no caso dos Távoras, tendo chegado a ser interrogado e preso”. (…) “Teria cerca de 28 anos quando se deu o célebre atentado [1758] contra o Rei D. José, que originou a terrível perseguição aos Távoras…” A família Ribeiro Guimarães Domingos Marques teve seis filhos de Maria Ribeiro Guimarães, cujo pai era João Ribeiro Guimarães, provedor da Sta. Casa em 1753, sendo tesoureiro e procurador do Senado, quando a 27 de Fevereiro de 1773 foi preso, por ter passado aos mandarins chineses uns recibos para se lhes fazer entrega do inglês Francis Scot, acusado de ter assassinado um chinês. Segundo Jorge Forjaz, João Ribeiro Guimarães nascera em S. Miguel de Freixomil em Braga e era um “rico negociante e proprietário de navios em Macau. Foi procurador do Leal Senado em 1755, 1765 e 1782; almotacé da Câmara em 1763 e provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1769”. Este casou-se por duas vezes, tendo da sua primeira esposa, Inácia de Oliveira Paiva, duas filhas, Mariana Francisca Guimarães e Maria Ribeiro Guimarães, que mais tarde aparece com o nome de Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães. Refere Jorge Forjaz, “Há aqui uma qualquer mistificação genealógica que não consigo deslindar. Refiro-me ao facto de um neto deste casal (Domingos Pio Marques de Noronha e Castelo-Branco), no processo de justificação de nobreza que levou à concessão de armas, ter afirmado que a sua avó Maria Ribeiro Guimarães, se chamava… Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães de Noronha e Castelo Branco, conseguindo com isso que lhe fossem concedidos armas destes dois últimos apelidos. Como naquele processo de justificação não provou como é que a avó tinha direito àqueles apelidos (o que, pelos dados disponíveis, não parece crível), estou em crer que estaremos perante uma qualquer tentativa de corrigir a história… <ad usum delfini>! História diferente da nossa personagem principal, Albino Francisco de Paiva de Araújo, que em Paris se tornou marquês por coincidência de apelido.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO macaense Albino de Paiva de Araújo na Europa [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos vindo a escrever sobre a história deste boémio e no último artigo tratamos já sobre uma das principais protagonistas, Blanche Lachmann, a tal Madame Paiva que em segundas núpcias casara com Albino de Paiva de Araújo, para em Paris conseguir um nome e uma dignidade equivalente à sua opulência. Falta agora apresentar o próprio Albino Francisco de Paiva de Araújo, que nasceu em Macau na freguesia de S. Lourenço a 19 de Maio de 1824 e suicidou-se em Paris em 1873. Estas são as datas referidas pelo padre Manuel Teixeira, mas Jorge Forjaz dá outras e se a de 1832 para o nascimento parece estar errada, a da morte, em 8 de Novembro de 1872, cremos ser a ajustada. No entanto, o ano de 1873 é referido pela maior parte dos autores que sobre esta história escreveram e a que Camilo Castelo Branco indica, mas mais à frente diz, “até que em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris”. Segundo Jorge Forjaz, o pai deste, Albino José Gonçalves Araújo nasceu no Rio de Janeiro (Candelária) em 1797 e faleceu em Macau, na freguesia da Sé, a 24 de Janeiro de 1832 (apesar de Manuel Teixeira referir 1842) e a mãe, Mariana Vicência nascera em Macau a 22 de Julho de 1802. Camilo Castelo Branco dá “uns ligeiros traços do perfil do sujeito. Paiva Araújo nascera em Macau e era filho único de um negociante rico, ali falecido por 1842. Quando o pai morreu, Paiva Araújo estava em Paris em um colégio. A viúva veio para a Europa, e para residir escolheu o Porto, onde não conhecia alguém. Mandou edificar uma casa perto da alameda da Aguardente [hoje desaparecida e que se situava no topo da rua do Bonjardim], mobilou-a com muito gosto e selecta riqueza de baixela d’ouro e prata, jarrões japoneses e porcelanas antigas. Fechou-se com o misterioso luxo de fada, sozinha, quase desconhecida de nome e de pessoa. Chamavam-lhe a Macaense. O seu nome era D. Mariana de Paiva Araújo. Sabia-se apenas que era viúva, muito rica e tinha um filho a educar em França. A casa arquitectada pelo risco burguês, trivial no Porto, era de azulejos amarelos com muitas janelinhas de estores brancos, sempre descidos. Tem um jardim com vasto portal gradeado para a rua, tufado de bosquetes de árvores exóticas e miniaturas de montanhas que punham na alma saudades das florestas do Buçaco e Senhor do Monte. Paiva Araújo não frequentou curso algum nem adquiriu noções vulgares em algum ramo de ciência. Aos dezoito anos veio para a companhia da mãe. Sobejava-lhe riqueza à mãe extremosa que dispensasse o seu filho único dos fastios de uma formatura inútil. Por 1845 apareceu Paiva Araújo no Porto curveteando garbosamente o seu cavalo árabe por aquelas sonoras calçadas. Era um galhardo rapaz trigueiro, alto, com um buço preto encaracolado nas guias, elegante, sem as farfalhices coloridas da toilette dos casquilhos seus coevos. Tinha poucas relações, e dava-se intimamente com Ricardo Browne, o árbitro da moda. Ricardo Browne era tão poderosamente iniciador que até, pelo facto de ser muito surdo, contagiou de surdez fictícia muitos rapazes em condições as mais sanitariamente fisiológicas das suas grandes orelhas. Estes rapazes, assim cavaleiros, figurinos, lovelacianos, esgrimidores, mais ou menos surdos, chamavam-se simplesmente janotas, ou em nomenclatura mais culta – dandys. Não se conhecia ainda em Portugal o peregrino vocabulário de sport, de turf, de sportman, de high-life, de sporting, de gommeux. Ignoravam-se estas inglesias e francesismos da actualidade mascavada de idiomas com que um qualquer modesto noticiarista da travessa de Cata-que-farás, 4.º andar, lado esquerdo, parece que nos está conversando num salão de Regent-Street, a marinhar com as pernas pela espalda de um carmezim, as suas emoções pessoalíssimas de Hyde-Park e Jockey-Club. O Porto e a vida reclusa de sua mãe deviam ser intoleráveis a Paiva Araújo. Browne saiu para Paris, e ele para Lisboa, onde se notabilizou facilmente pelas prodigalidades das suas despesas. Bulhão Pato, em um dos seus escritos entristecidos pela saudade daqueles tempos, fala do cavalheiro Paiva Araújo. Dava jantares aos rapazes da alta linha, a colmeia do Marrare do Chiado, parte dos quais ainda vive mais ou menos pintada; e, feito o último brinde, quebrava a louça do toast, voltando a mesa como quem ergue a tampa de um baú. Pagava generosamente o prejuízo. O seu vinho, além de reduzir os cristais a cacos, não tinha mais funestas consequências. Assim que perfez a idade legal, pediu o seu património paterno à mãe, e foi viajar. Recebeu letras no valor de cento e tantos contos. Conheceu então em Baden-Baden a deslumbrante mulher que chegara da exploração dos lords com um pecúlio que lhe permitiu construir um palácio”, segundo Camilo Castelo Branco. Jorge Forjaz dá uma achega dizendo, “Blanche Lachmann deitou as mãos a Albino Araújo e não passou muito tempo estavam a casar, a 5.6.1851, na Capela dos Irmãos da Doutrina Cristão em Passy, Paris”. E continuando com Camilo: “Casou. Se ela morresse de 72 anos, segundo o cômputo de algumas folhas francesas, teria casado aos 39 anos com o nosso compatriota. Deveria ser, portanto, extraordinária e bestificadora a formosura de uma mulher que, em tal idade, ainda viçava flores com frescor e perfume, tendo sido tão cheiradas e mexidas! O certo é que ela tinha 25 anos quando casou em segundas núpcias, 46 nas terceiras, e 58 quando morreu no seu palácio de Newdeck, de uma febre cerebral consequente a um reumatismo cardíaco. Depois de ter entesourado no seu largo peito vinte pródigos conhecidos com os patrimónios correspondentes, ainda lhe restava espaço no coração para alojar um reumatismo! Valente e elástico músculo de polaca! Paiva Araújo, casado, visitou Lisboa e a mãe, com a esposa. A polaca no Porto, no topo da fétida rua do Bomjardim, com a nostalgia de Paris!… Certas mulheres que viveram em Paris, nas máximas condições de horizontalidade, só lá podem viver”. Interrompemos a crónica de Camilo Castelo Branco que já vai longa, mas acerca da vida em Portugal desta personagem é quem melhor está documentado. Jorge Forjaz adita, “Ainda estiveram juntos em Lisboa, onde ela teve algumas dúvidas sobre o real fundamento da fortuna dele, já então seriamente abalada. Conta Pinto de Carvalho que estando no Hotel Victor em Sintra “. E concluindo com Camilo Castelo Branco, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio>”. Encontramo-nos agora com as personagens principais apresentadas.