Linguista teme efeito dos atentados no Sri Lanka na preservação do crioulo português

[dropcap]O[/dropcap] linguista Alan Baxter disse à Lusa temer que os atentados no Sri Lanka, no domingo de Páscoa, tenham afectado falantes do crioulo de base portuguesa na região, que pertencem a comunidades pequenas e maioritariamente católicas.

“Quantos falantes – e falantes idosos – estavam naquela igreja”, questionou o especialista australiano em crioulos de base portuguesa, em entrevista à Lusa, referindo-se à igreja de São Sebastião, em Negombo, um dos locais atingidos pelos atentados à bomba que provocaram pelo menos 257 mortos no dia 21 de Abril.

O crioulo português do Sri Lanka, antigo Ceilão, é uma herança da expansão marítima portuguesa no século XVI, quando nasceu como língua de contacto entre cingaleses e portugueses, os primeiros europeus a lá chegar.

A colonização portuguesa da ilha não durou mais de 150 anos, mas, mais de meio século depois, este crioulo continua a ser falado no seio das comunidades burghers, tradicionalmente católicas.

“É uma preocupação, é um risco. Porque os melhores falantes e os mais religiosos são os idosos, as pessoas que mais tendem a frequentar a igreja nessas ocasiões especiais [domingo de Páscoa]”, alertou o director da Faculdade de Humanidades de Universidade de São José (USJ) em Macau, referindo-se aos factores de risco que ameaçam extinguir estas línguas de contacto, que se estenderam pela costa da Ásia e do Pacífico a partir do século XVI.

Por seu lado, o investigador da Universidade de Lisboa Hugo Cardoso indicou que nos crioulos luso-asiáticos, em particular, “há o risco de as comunidades serem relativamente reduzidas”.

“Independentemente do grau de vitalidade e robustez da transmissão, sempre fragiliza qualquer comunidade linguística”, apontou Cardoso, também especializado em crioulos de base portuguesa nesta região e que esteve em Macau, no ano passado, para um seminário de documentação linguística.

E quando as comunidades linguísticas são pequenas, factores de risco como desastres naturais ou ataques terroristas representam uma ameaça ainda maior. A língua tambora, por exemplo, falada na ilha indonésia de Sumbawa, desapareceu por completo na sequência da erupção do Monte Tambora, em 1815.

“Muitas vezes, o efeito decisivo de uma catástrofe natural para a extinção de uma língua pode não ser imediato, mas resultar de uma redução significativa da comunidade de fala ou da sua dispersão após o evento”, ressalvou Hugo Cardoso.

No Sri Lanka, desconhece-se ainda quantos falantes do crioulo com origem portuguesa terão morrido na sequência dos ataques, os piores de que há memória naquele país desde o fim da guerra civil, em 2009.

Em todo o caso, para Alan Baxter os principais desafios dos crioulos “são socioeconómicos”. É o caso da educação, do enriquecimento e da expansão das línguas dominantes.

Sobre Malaca, na Malásia, o investigador contou à Lusa como “todo o processo dos aterros”, a partir da década de 1970, levou ao declínio da pesca e à ascensão do turismo.

“O kristang (língua cristã de Malaca) ia muito bem quando era língua de pescadores, não era uma vida fácil, era uma vida mais simples e a língua servia para aquele contexto, para aquelas funções”, disse.

Entre 1979 e 1981, período em que viveu naquela antiga colónia portuguesa, Baxter lembrou que o nível escolar “era mínimo”, mas que hoje em dia “é muito diferente”.

Mais tarde, o enriquecimento da comunidade, ligado à educação e ao turismo, exerceu naturalmente “uma influência negativa relativamente ao uso” da língua, uma vez que as famílias “veem as oportunidades dos filhos crescer se dominarem o inglês”.

Hoje, Malaca não é “a favela” de 1980. “Hoje em dia, você vai [a Malaca] e todas as casas foram alvo de restauro”, descreveu Baxter do sítio que é hoje património da UNESCO. Ainda assim, “o kristang é ainda uma língua viva e falada”.

Já em Macau, até há 20 anos sob administração portuguesa, o contexto para a perda da língua, como língua comunitária, foi um pouco diferente.

“Imagino que houve uma atitude negativa fomentada por atitudes ignorantes e atitudes colonialistas (…) e o patuá foi suprimido”, afirmou o linguista, que vai dirigir um novo mestrado da USJ que tem este crioulo de base portuguesa no currículo.

“Para trabalhar na administração colonial, era preciso falar português. Então imagino que no século XIX, e durante o século XX, houvesse pessoas a criticar e a falar mal do patuá”, disse.

Com a extinção destas línguas, perdem-se “culturas e maneiras de pensar”, advertiu.

“Quando se perde uma língua, perde-se a representação de toda uma semântica cultural. Áreas culturais, área de pensamento que você não pode representar de nenhuma outra maneira, estão na língua”, disse.

6 Mai 2019

USJ | Alan Baxter é o novo director da Faculdade de Humanidades

O linguista Alan Baxter regressa a Macau. Depois da Universidade de Macau, o académico integra a Faculdade de Humanidades da Universidade de São José, ocupando o cargo de director

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]linguista australiano Alan Baxter, especialista em crioulos de base portuguesa, incluindo o de Macau, vai dirigir a Faculdade de Humanidades da Universidade de São José, revelou ontem a vice-reitora da instituição privada de Macau. À Rádio Macau, Maria Antónia Espadinha, que assumia o cargo interinamente, explicou que Baxter foi escolhido num concurso de âmbito internacional.
“Estive no ano passado, até agora, como directora interina da Faculdade. E tinha grande responsabilidade. Neste momento já cá temos o novo director, que é o professor Alan Baxter. Houve um concurso internacional e ele foi o seleccionado.”
Baxter foi director do Departamento de Português da Universidade de Macau entre 2007 e 2011, ano em que deixou o território, regressando agora para liderar o departamento de Humanidades da USJ, ligada à Universidade Católica Portuguesa e que conta com uma licenciatura de Português-Chinês e um mestrado em Estudos Lusófonos de Literatura, além de um curso intensivo de Português pré-universitário.
Licenciado em Filosofia e Letras e Mestre e Doutor em Linguística, Alan Vorman Baxter é especializado em crioulos de base portuguesa, incluindo o patuá de Macau.

Novo campus em 2017

A mudança da Universidade de São José para o novo campus na Ilha Verde pode acontecer entre o final deste ano e Janeiro, adiantou ainda à Rádio Macau a vice-reitora da instituição.
“Neste momento, esperamos firmemente poder mudarmo-nos para lá naquele período entre o Natal e o começo das aulas em Janeiro, que eventualmente até pode ser um pouco diferido”, afirmou Maria Antónia Espadinha, explicando, contudo, que nada está programado.
“Só podemos programar no momento em que o campus estiver pronto e que os edifícios estiverem licenciados. E há já edifícios que estão prontos”, disse, adiantando existirem três concluídos.
O ano lectivo 2016/2017 na Universidade de São José começa a 5 de Setembro.

17 Ago 2016