António Branco, investigador da área da inteligência artificial: “Macau pode liderar”

Docente da Universidade de Lisboa, e cientista da área da inteligência artificial e processamento de linguagem natural, António Branco está em Macau para o 9º Encontro de Pontos de Rede de Ensino de Português como Língua Estrangeira na Ásia. O académico considera que Macau pode liderar no desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial

 

Quais os riscos e oportunidades do uso da Inteligência Artificial (IA) generativa no ensino de línguas?

É sobejamente conhecido que as novas tecnologias trazem benefícios que anteriores tecnologias não conseguiam assegurar, mas sabe-se também que a introdução de novas tecnologias tem o potencial de aprofundar a desigualdade entre os seus utilizadores se tal efeito não for mitigado com contramedidas. A tecnologia da IA, e em concreto na sua aplicação ao ensino da língua, não é excepção. Tem o potencial de fazer avançar mais rápida e eficazmente a aprendizagem da língua, mas estudos recentes vêm mostrar que pode também levar os alunos a uma desvantagem, que é o facto de não conseguirem ultrapassar essas suas desvantagens se não existir a devida mediação pedagógica na exploração destas tecnologias.

Desta forma, que medidas devem as escolas adoptar para melhor se adaptarem a este salto evolutivo?

Guardadas as devidas distâncias, ainda assim pode ajudar a analogia com o que aconteceu há cerca de duas décadas atrás, com o advento das novas tecnologias digitais e da internet. Nessa altura, e desde então, uma medida das mais importantes tem sido dar formação aos professores para que melhor possam tirar partido da tecnologia. Com o recente advento da IA, um novo impulso de formação dos professores é imperativo.

Além do trabalho como investigador, é também director-geral da PORTULAN CLARIN. De que se trata concretamente?

É uma Infraestrutura de Investigação para a Ciência e Tecnologia da Linguagem e pertence ao Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Relevância Estratégica, sendo o nó nacional [em Portugal] da infra-estrutura internacional CLARIN ERIC. A sua missão é apoiar investigadores e inovadores, mas também professores e estudantes da língua cujas actividades dependem de resultados da Ciência e Tecnologia da Linguagem através da distribuição de recursos científicos, do fornecimento de apoio tecnológico, da prestação de consultoria e da disseminação científica. Os serviços de processamento da língua, por exemplo o conjugador ou os analisadores sintáticos, são disponibilizados gratuitamente e podem ser facilmente experimentados online na bancada da infraestrutura. Assim, fazem parte do portfólio de novos instrumentos de apoio ao ensino e aprendizagem da língua.

Está em Macau para participar num colóquio focado no ensino de português como língua estrangeira. Poderia o território tornar-se numa zona experimental para o desenvolvimento deste tipo de plataformas digitais?
Macau beneficia do efeito combinado da sua herança histórica que lhe confere a vantagem de ser um território que promove o multilinguismo, bem como da sua integração na área da Grande Baía, que o coloca no epicentro da inovação tecnológica. Mais do que uma zona experimental, Macau poderá liderar o desenvolvimento e a exploração da nova tecnologia de IA, e em muito particular a sua aplicação à tecnologia e processamento da linguagem natural.

Acredita que livros e manuais escolares como hoje os conhecemos poderão desaparecer e dar lugar a e-books e conteúdos feitos por IA? Ou haverá espaço para complementaridade?

O passado recente, de exposição a novas tecnologias disruptivas, ensina-nos que devemos ser prudentes a vaticinar a extinção de anteriores formas e práticas sociais e culturais. Por exemplo, o livro em papel foi declarado em extinção acelerada, mas afinal continua connosco com grande vitalidade, em complementaridade com outros tipos de suporte e canais de disseminação. Estou inclinado a pensar que o mesmo se vá passar relativamente aos benefícios da aplicação da IA no ensino. Acima de tudo, o que precisamos urgentemente neste momento é de desenvolver novas formas de mediação pedagógica que ajudem os alunos a tirar o melhor partido possível deste benefício. A IA, por si própria, tal como um navegador da web, não é uma ferramenta pedagógica, também em si mesmo uma chatbot não é um instrumento pedagógico, mas nas mãos e com a orientação dos professores pode certamente transformar-se num dos mais importantes meios de aprendizagem da língua.

Há possibilidade de uma maior conexão dos modelos “Albertina” e “Gervásio” de linguagem IA generativa, sistema por si coordenado em Portugal, com as instituições de Macau e o seu sistema de ensino?

A possibilidade de os modelos de linguagem de IA generativa desenvolvidos pelo nosso grupo de investigação, o “Albertina” e o “Gervásio”, poderem reflectir a realidade linguística e cultural de Macau encontra-se a ser trabalhada. Com o apoio de instituições de Macau, assim como do IILP – Instituto Internacional da Língua Portuguesa, há um corpus de texto de Macau que está a ser recolhido. Esse é um primeiro passo para se poder afinar os modelos. Muito gostaria que este encontro desta semana em Macau sobre o ensino da língua portuguesa na Ásia, possibilitasse encontrar mais parceiros para passos seguintes.

Os modelos “Albertina” e “Gervásio”

Se falarmos do desenvolvimento da IA em Portugal, o nome de António Branco surge nas últimas tendências e projectos. No caso da IA generativa, o cientista é coordenador dos modelos “Albertina” e “Gervásio” que integram o ecossistema dos grandes modelos de linguagem IA generativa. No caso dos modelos “Albertina”, que são codificadores de linguagem, foi acrescentado o modelo “Albertina 1.5B”; enquanto que aos modelos “Gervásio”, descodificadores de linguagem, foi acrescentado o modelo 7B.

Segundo o website da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, António Branco considera que este ecossistema de modelos de linguagem IA generativa “é crucial para a tecnologia da língua portuguesa e esta expansão representa um passo da maior importância na preparação da língua portuguesa para a era da IA”. O cientista acrescentou ainda que “estas classes de modelos estão na base de toda a gama de aplicações de IA generativa, incluindo as mais mediáticas, como os chatbots ou os tradutores automáticos, e sendo maiores, estes novos modelos têm melhor desempenho”.

Ainda segundo o mesmo portal, este ecossistema “é líder mundial em termos de grandes modelos de linguagem desenvolvidos especificamente para a língua portuguesa que são totalmente abertos e documentados”, sendo que o primeiro modelo Albertina foi disponibilizado em Maio do ano passado. Este foi “um marco histórico na preparação tecnológica da língua portuguesa para a era digital, ao ser o primeiro grande modelo de linguagem aberto desenvolvido especificamente para o português, para ambas as variantes”.

António Branco irá falar hoje, a partir das 10h, de todo este universo na sessão inaugural do 9º Encontro, promovido pelo Instituto Português do Oriente (IPOR), e que decorre até amanhã no Auditório Dr. Stanley Ho do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. O investigador irá partilhar o auditório com João Laurentino Neves, ex-director do IPOR e actual director-executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que irá discorrer sobre “Tecnologias da língua e língua de tecnologias – O IILP na era dos conteúdos e dos dados”.

22 Nov 2024

A qualidade no sucesso da empresa

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]os dias de hoje a implementação de um Sistema de Qualidade e consequente certificação em normas de qualidade já não constitui um desafio impensável para a maioria das empresas. São agora inúmeras aquelas que já deram este passo.

Dependendo da estratégia de cada empresário para a sua empresa – é perfeitamente legítima (e necessária à economia) a existência de empresas que não têm como objectivo evoluir e, para estas um SGQ como o certificado pela família de normas ISO 9000 constitui, efectivamente, um encargo desnecessário – é quase unânime a percepção que um Sistema que apoia o sucesso da Organização na satisfação dos seus clientes, libertando recursos que podem ser usados noutras iniciativas, constitui um salto essencial para o crescimento sustentável de uma empresa.

É que o esforço das empresas gasto em actividades não produtivas pode, em alguns casos, chegar a 80% do esforço total. É um enorme esforço dispendido em actividades inúteis ou ineficazes – é aqui que os Processos para a Qualidade tentam agir e assegurar o registo de tudo o que é relevante para que eventuais problemas sejam detectados atempadamente e se aprenda com a experiência.

No entanto, o mundo está sempre em mudança. Depois de anos de aperfeiçoamento de processos de optimização e monitorização de produto, o que falta então a cada empresa fazer, enquanto organização, para resistir a um mundo que nunca foi tão competitivo e tão rápido, e que obriga a um esforço cada vez maior para manter e fazer crescer o seu negócio?

A resposta pode residir simplesmente nestes dois pontos:

  • A adaptação dos processos ao ambiente em que se insere o negócio da organização;
  • Pensar menos em soluções técnicas ou tecnológicas para os problemas, pois estas incidem sobre cada problema em particular e não às suas origens comuns, e pensar mais em agir sobre a cultura e valores da organização.

Alguns pensamentos orientais apregoam uma série de passos que são necessários percorrer para que cada indivíduo possa atingir a plena realização pessoal. Que tal estender este conceito às organizações, adaptando-o à sua Cultura e Valores? Este foi um exercício defendido pelo Dr. Gary Cort, na altura presidente do TC 176 – a comissão que zela pela manutenção e revisões da família ISO 9000 – num seminário que o autor destas linhas assistiu no Porto em finais de 2013, intitulado “A Qualidade e o Futuro”.

Seguindo esta filosofia, poder-se-ão aplicar às organizações oito princípios, como oito degraus que serão necessários subir, conquistando passo a passo o “nirvana”. São eles:

Passo 1Mente positiva: O estado de espírito positivo que permite olhar para o futuro, fomentando a curiosidade constante em evoluir, resultando numa maior flexibilidade da organização em adaptar-se ao ambiente em que se insere.

Passo 2Corpo são: manter a saúde da organização, como se fosse um organismo humano, que quanto mais saudável, mais capacidade tem para resistir a doenças. Numa organização, isto manifesta-se numa maior resiliência para ultrapassar tanto as dificuldades do dia a dia, como obstáculos inesperados.

Passo 3Relações equilibrados: manter a organização unida, fomentando o relacionamento equilibrado entre as pessoas e equipas. Evitar que equipas trabalhem em “roda livre”, cada uma com os seus próprios objectivos, desperdiçando energias que podiam ser aplicadas a transmitir mais força a um mesmo rumo.

Passo 4Sentido da Vida: agir sobre a Missão da organização de modo a que tenha um sentido, no mais abrangente significado do termo. Isto vai-se reflectir na motivação dos seus colaboradores, abrindo caminho à constante inovação e flexibilidade da organização.

Passo 5Inspiração: Decorrente do passo anterior, uma cultura inspirada e inspiradora de novas ideias e acções será extremamente positiva para o desenvolvimento da organização.

Passo 6Contribuição: uma organização, como somatório da capacidade dos seus colaboradores ganhará se fomentar que todos sintam vontade de contribuir para o seu crescimento

Passo 7Sustentabilidade: Todos os princípios anteriores tiveram de ser percorridos para se chegar até aqui. Que instrumentos as empresas e organizações detêm para garantir a sustentabilidade da sua posição no negócio e no mundo? Mais uma vez, o principal instrumento sobre o qual todos os outros princípios incidiram: a cultura da organização.

Passo 8Legado: O resultado final da aplicação de toda esta filosofia. O que fica depois de desenvolvida a actividade da empresa, depois da interacção da empresa com o meio onde se insere. Afinal, o que a empresa passou para os outros e para o futuro?

Eis o que poderá ser a chave para as empresas vencerem os desafios da competitividade no mundo actual: agir sobre a própria cultura e valores, transmiti-la aos seus colaboradores e envolvê-los de modo a que todos se mantenham comprometidos com ela e sigam o mesmo rumo. E assim diferenciar-se da sua concorrência.

18 Jan 2017

Strategic Design: a variável secreta da Inovação Empresarial

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] seguro afirmar que a inovação é um dos principais motores da economia global. Novos produtos e serviços estão a concorrer com negócios antigos – o chamado “old money” – e há muito enraizados na nossa cultura, levando a que os mais desatentos os dêem como dados adquiridos. Vejamos o exemplo da Uber e a revolta que gerou nos transportes públicos e privados tradicionais. Há muito tempo que se dava como adquirido que o transporte de passageiros da localização A para localização B era uma necessidade com todas as soluções já descobertas, intensivamente testadas e validadas. A inovação tecnológica encarregou-se rapidamente de provar que essa afirmação era tudo menos verdadeira e que estaríamos no limiar de uma revolução.

Como em todas as revoluções, são as pessoas que têm o papel principal. A revolução gira em torno de um descontentamento com determinados conceitos e valores que são unilateralmente impostos. No passado, quando o “old-money” reinava, o produto era dono e senhor – uma ditadura em termos de modelo de negócio. As marcas não queriam saber das pessoas nem do que estas consumiam. A estratégia era completamente invertida: existiam produtos limitados e as pessoas consumiam o pouco que existia no mercado, sem grandes alternativas de expressar a sua opinião ou de mostrar o seu descontentamento.

Mas será a inovação tecnológica por si só é suficiente para gerar um novo paradigma de negócio? Será que a tecnologia foi a principal variável desta equação? Transcrevendo esta mesma equação: de um lado está uma necessidade que precisa de ser colmatada, do outro lado está a inovação tecnológica. É suficiente? Retratando de uma forma mais prática: de um lado está a necessidade de transporte de passageiros, do outro está a tecnologia para tornar empresas como a Uber possíveis.

Colocando as variáveis nesta posição, estamos a descrever exactamente o modelo de negócio de tempos passados onde a simples fórmula “Problema resolvido é igual à soma da necessidade com a tecnologia.” Então o que distingue o “old-money” do “new-money”? O que faz com que, por exemplo, o maior grupo hoteleiro, com 8.000 (oito mil) quartos esteja avaliado em $7B e o Airbnb, com 0 (zero) quartos esteja avaliado em $30B?

A resposta para estas perguntas é tão simples que este artigo pode parecer irrelevante: a forma de ouvir os consumidores mudou. Existe mais uma variável na tal equação que funciona tão naturalmente que passa despercebida aos olhos de quem a consome: O Strategic Design.

Este processo oferece às empresas uma forma de olhar para o negócio como um todo e não apenas para as partes que pareçam mais frágeis. E muitas vezes essa fragilidade não está no produto ou serviço, está na experiência que estes oferecem aos seus consumidores, às pessoas. A experiência de utilização de um serviço, produto ou mesmo de uma marca é vital para o seu sucesso e, nos dias de hoje, não está apenas ligada à própria utilização mas também ao que a precede e sucede.

Como referi anteriormente, a necessidade de transportar pessoas sempre existiu. E sempre existiram formas de a satisfazer. A pergunta que impera é: as soluções que existiam no mercado ofereciam uma boa experiência de utilização a quem as procurava? O mercado mostrou rapidamente que não. E é neste “não” que as empresas têm de trabalhar.

A geração de novas ideias e conceitos é óptima para a inovação, mas esta fase é só o início do processo. As ideias precisam de ser validadas por quem vai usufruir delas: as pessoas. Os consumidores que vão comprar têm de ser ouvidos e esse feedback é crucial para as marcas e para as empresas. O sucesso do Strategic Design, aliado à tecnologia, facilmente é validado quando empresas como a Uber, Paypal, Airbnb e Netflix – entre muitas outras – o utilizam para manter viva a experiência que oferecem ao seu público-alvo.

Nesta nova Era as empresas não podem olhar para o passado em busca de orientação, o sucesso depende hoje da intersecção de novas tecnologias com as rápidas mudanças nas expectativas dos clientes. É necessário que os empresários, empreendedores e decisores, descubram quem está no mercado e oferece aconselhamento em Strategic Design, para que possam começar a desenhar experiências de utilização que cativem o cliente desde o primeiro contacto com o seu negócio.

5 Jan 2017